Autores

Silva, M.A. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE RORAIMA) ; Carvalho-oliveira, J.C. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE RORAIMA) ; Oliveira, A.C. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE RORAIMA) ; Sampaio, I.S. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE RORAIMA) ; Coutinho, L.C.S. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE RORAIMA) ; Almeida, C.P.M. (ESCOLA ESTADUAL JOSÉ DE ALENCAR)

Resumo

Trabalhou-se com a temática interdisciplinar “Mingau de Goma” com seis estudantes do 2º ano da Educação de Jovens e Adultos do ensino médio noturno da Escola Estadual José de Alencar, no município de Rorainópolis-RR, entre os meses de setembro e novembro de 2016. Os instrumentos de coleta de dados foram: questionário diagnóstico, aula teórica, degustação do Mingau, questionário final, observação sistemática, registro em diário de campo e fotográfico. Na aula teórica foram abordados conceitos de Físico-Química, Química Orgânica e Bioquímica. Os resultados indicaram que a proposta foi bem aceita pelos estudantes, pois despertou a curiosidade e promoveu o conhecimento e a percepção de aspectos científicos em sua vivência. A metodologia diferenciada, utilizando a contextualização e atividade l

Palavras chaves

Interdisciplinaridade; Ensino de Química; EJA

Introdução

É um grande desafio ensinar Química para os alunos do Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Este trabalho surgiu através das observações realizadas no estagio supervisionado II, onde se observou as dificuldades dos alunos da EJA em relacionar os conteúdos de química com o cotidiano. Estas dificuldades podem estar acontecendo devido a vários fatores como o ensino descontextualizado, desinteresse discente e falta de recursos pedagógicos motivadores. Pensando nisso, a pesquisadora recordou de um fato ocorrido na infância, quando morava com os pais na zona rural do município de Rorainópolis. Pela situação de baixa renda e pouca diversidade de alimentos, a matriarca fazia mingau da goma extraída da mandioca com chá de folha de laranjeira. Inicialmente o gosto não era muito bom, mas depois pela pouca opção de alimento, virou hábito e todos da família tomaram gosto pelo mingau, sendo que o mesmo é consumido até hoje entre os descendentes da família. Com base nessa história de vida, a pesquisadora teve a ideia de elaborar uma sequência didática para ensinar conteúdos de Química a partir da temática “Mingau de Goma”. O mingau de goma é muito apreciado na região, porém é feito com leite. Trabalhou-se com uma situação problema que buscou saber de que maneira é possível desenvolver conteúdos interdisciplinares como físico-química bioquímica, e química orgânica, a partir da temática regional “mingau de goma”. Para responder ao problema da pesquisa, foram traçados os objetivos descritos a seguir. Objetivo Geral: Elaborar uma sequencia didática interdisciplinar envolvendo conteúdos de físico-química, bioquímica e química orgânica, para uma turma de segundo ano EJA da E. E. José de Alencar. Os objetivos específicos foram: Diagnosticar os conhecimentos prévios dos alunos sobre conteúdos de Química; Elaborar e aplicar a sequência didática; Avaliar a sequência didática e a aprendizagem dos estudantes.

Material e métodos

A pesquisa foi realizada na disciplina de química no 2º ano do Ensino Médio EJA noturno da E. E. José de Alencar em Rorainópolis-RR, com seis estudantes voluntários, de setembro a novembro de 2016, durante o Estágio Supervisionado do Curso de Licenciatura Plena em Química da UERR Campus Rorainópolis. Foram utilizadas cinco aulas de 60 minutos cada uma. A amostra foi escolhida aleatoriamente. Caracterização da Pesquisa: Trata-se de uma pesquisa qualitativa, visando a obtenção de dados descritivos mediante contato direto e interativo entre pesquisador e o objeto de estudo. É denominada qualitativa por estudar os temas no seu cenário natural, e trabalha com o universo de significados e fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2011). A pesquisa tem caráter descritivo, pois, procura explicar e interpretar fatos que ocorrem, onde o pesquisador apenas registra e descreve os fatos observados sem interferir neles, procurando descobrir a frequência com que um fato ocorre, sua natureza, suas características, causas, relações com outros fatos (PRODANOV, 2013). Para coletar tais dados, utilizam-se de técnicas específicas, como entrevista, formulário, questionário, teste e observação. Segundo Gil (2002, p. 42) a pesquisa descritiva visa descrever as características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis. A pesquisa foi participativa, que compreende a importância de que o estudo esteja em sintonia com as demandas do grupo pesquisado a fim de contribuir com ele (BRANDÃO, 1986). Ela insere-se na pesquisa prática em termos de usar conhecimento científico para fins explícitos de intervenção (DEMO, 2000). Os dados foram coletados através de questionário antes e após a aplicação da proposta; observação sistemática com registro em diário de campo e fotográfico, visando explicar e interpretar fatos que ocorreram antes, durante e depois da aplicação da proposta. Descrição da Sequência Didática:Desenvolveu-se em três etapas: 1) baseou-se na aplicação de um questionário diagnóstico (Apêndice A) com o objetivo de verificar o conhecimento prévio dos discentes em relação aos diferentes conteúdos de química e quanto ao conhecimento e aceitação do mingau de goma (30 minutos). 2) abordagem dos conteúdos de Físico-Química (estados físicos, temperatura, caloria dos alimentos), bioquímica (propriedades químicas do mingau e da folha da laranja; benefícios para a saúde), química orgânica (amido e óleo essencial da folha da laranja), degustação e receita do mingau (quatro aulas de 60 minutos) utilizando recursos multimídia. 3) a aplicação do questionário final para avaliar as atividades desenvolvidas e o aprendizado adquirido (30 minutos). APÊNDICE A - Questionário Diagnóstico:1.Nome/idade;2. Onde você mora? 3. Passou algum tempo fora da escola?4. Você gosta de química? Por quê?5. Você sabe o que é caloria?6.Você conseguiria relacionar o mingau de goma com a química? Comente.

Resultado e discussão

APÊNDICE B - Questionário Final: 1. Nome/idade; 2. Você gostou desse projeto? Do que mais gostou e por quê? 3. O que você entende por caloria? 4. Você gostou do mingau? Comente. 5. Você conhecia esse mingau? 6. Você imaginava que os conteúdos de química poderiam ser trabalhados assim? Comente. A faixa etária dos estudantes estava entre 18 e 25 anos, a maioria morava na cidade e 57% passaram algum tempo sem frequentar a escola, 29% não gostam de química por que não entendem ou por causa dos cálculos e das fórmulas. A aprendizagem da Química passa necessariamente pela utilização de representações que pode parecer muito difícil (BRASIL, 1997). 71% afirmaram gostar de química por que é cheia de surpresas e importante para a manipulação de substâncias. Todos os alunos consideram importante ter aulas praticas no ensino de química. Na maioria das escolas tem-se dado maior ênfase à transmissão de conteúdos e a memorização de fatos, símbolos, nomes, fórmulas deixando de lado a construção de conhecimento científico dos alunos e a desvinculação entre o conhecimento químico e o cotidiano. Essa prática tem influenciado negativamente na aprendizagem dos alunos, uma vez que não conseguem perceber a relação entre aquilo que estuda na sala de aula, a natureza e a sua própria vida (MIRANDA; COSTA, 2007). A avaliação diagnóstica revelou que há distorções entre os conceitos apresentados pelos alunos acerca dos assuntos abordados nesse trabalho. Observou-se que muito do conhecimento vem do saber popular e não do científico. Durante as atividades sobre o mingau de goma, muitos alunos relataram suas experiências com os ingredientes separadamente, mas não falaram nada a respeito de suas características físico/químicas, mostrando que essa área de conhecimento parecia não fazer sentido para eles, ou nunca se interessaram em saber a respeito. A sequência didática foi iniciada com um primeiro momento de problematização do tema, onde a professora fez o seguinte questionamento para os alunos: Vocês conseguem relacionar de alguma forma como poderiam aprender química através do mingau de goma? Pode-se notar na fala dos alunos que eles, sabiam de alguma relação, porém alguns não conseguiram identificar. Continuando e fazendo uma associação ao assunto perguntou-se o que era caloria. Pela fala dos alunos percebeu-se que possuíam um limitado conhecimento sobre a unidade de medida caloria. Então, para tentar fazê-los refletir sobre suas dúvidas propôs-se que avaliassem sua alimentação em casa e buscassem através de pesquisa, o valor calórico de suas refeições. Após a pesquisa, ao contextualizar suas respostas notou-se que os alunos começaram a desenvolver perguntas mais coerentes com o assunto pretendido. Contudo ainda apresentavam dificuldade em perceber a energia como algo único, por ser estudada em disciplinas diferentes, cujos professores não promovem uma integração de seus conteúdos. Diante das indagações percebeu-se a necessidade de mais esclarecimentos sobre o assunto, então a pesquisadora levou cópias xerocopiadas do Livro didático, contendo algumas informações importantes sobre energia, medidas de energia, calorias, valor nutricional e calóricos de algumas frutas, poluição e também a informação de como fazer o cálculo do Índice de Massa Corpórea, apenas para incrementar o tema debatido. Os alunos leram atentamente toda a apostila. O segundo momento da sequência, a organização do conhecimento, se deu quando os alunos tiveram contato com a apostila e quando foi passada a eles uma atividade para calcular o valor calórico de uma salada de frutas imaginária feita por eles mesmos em casa e/ou comprada. Eles ficaram empolgados e prestaram atenção à explicação da professora sobre como seriam feitos os cálculos e anotaram de maneira espontânea cada passo da atividade. O comportamento desses alunos em si já é uma demonstração de que a proposta foi bem aceita desde seu início, pois segundo a professora de química, esses mesmos alunos costumam se dispersar durante as aulas quando as mesmas são apenas expositivas. A metodologia diferenciada auxiliou na compreensão dos alunos sobre os fenômenos, que muitas vezes se explicados em uma aula convencional, não surtiria o mesmo efeito, ou seja, a utilização de modelos abstratos para entender a realidade, sendo um desafio muito grande, tanto para o professor quanto para o aluno. Sabemos que as atividades lúdicas no ensino da EJA ainda são um desafio a ser vencido, seja por causa da falta de infraestrutura, falta de tempo, má formação dos próprios professores e a dificuldade dos alunos. Uma série de fatores surge como justificativa ao fato de que as atividades práticas, independente do seu caráter, serem de grande valia para o ensino-aprendizagem tais como a reflexão, elaboração de hipóteses, interação, além de ser uma metodologia de ensino mais significativa para os alunos. Quando os alunos se depararam com o mingau de goma, realizaram a atividade proposta de maneira organizada, apesar de estarem ansiosos. Infelizmente não foi possível cozinhar o mingau na escola devido a fatores como disponibilidade da cozinha, espaço, tempo, e algumas medidas de segurança que não foram possíveis de serem adotadas e por isso a pesquisadora levou o mingau já pronto. Os estudantes calcularam o valor calórico aproximado de 100 g do mingau a partir dos valores calóricos dos ingredientes. A maioria gostou do sabor do mingau e 29 % não gostaram. 71% gostaram do projeto por causa do mingau e da tapioca, habitualmente consumida por eles. Revelando que aplicação da proposta proporcionou uma aproximação entre o cotidiano dos alunos e a disciplina química. Nenhum dos estudantes conhecia o mingau; 14% não provaram, por que não tiveram coragem de experimentar e não deram maiores justificativas, talvez porque não apreciaram o aspecto do mingau; 29% não gostaram por que tem gosto de chá, acharam ruim, ou não gostaram da aparência gosmenta; 57% gostaram do mingau por causa da tapioca, acharam bom o sabor, por ser produzido com componentes naturais. Todos disseram conhecer a tapioca ou goma mais essa mistura de goma com folha de laranjeira era novidade para eles; 86% disseram que a atividade despertou o interesse pela disciplina, consideraram a proposta como “mais um aprendizado para o dia o dia”, destacando tendências que levaram ao desenvolvimento de uma postura de ensino onde, se confirma a perceptível relação entre a química e os alimentos e a importância de se trabalhar em sala de aula com atividades diferenciadas que agucem a curiosidade dos estudantes e que tragam elementos do seu cotidiano, pois o aluno da EJA, ao reconhecer e diminuir suas dificuldades, atenta para seu desenvolvimento pessoal, social e profissional. Utilizando-se o mingau de goma foi possível trabalhar também, em uma abordagem com aspectos mais conceituais, os estados físicos da matéria foram estudados, assim como propriedades químicas do mingau e da folha da laranja; benefícios para a saúde cadeias e funções orgânicas presentes no polímero do amido e no óleo essencial da folha da laranja. O conteúdo de química na escola não pode ignorar a realidade, deve também capacitar o aluno a compreender o mundo natural que o rodeia, e de interpretar, do modo mais adequado as suas manifestações (FONSECA, 2001). Para isso não basta simplesmente ensinar o que o livro nos traz, tratando a ciência como sendo imutável e isolada dos outros conhecimentos. O ensino deve ser o mais interdisciplinar possível, interligando assuntos que muitas vezes, por si só, o aluno não conseguiria. Assim, a química presente no cotidiano é de suma importância para fazer a ponte entre o conhecimento prévio do aluno e o conhecimento científico, lembrando-se que este último deve ser construído coletivamente, através de discussões, observações, dentre outros meios, possibilitando também uma maior interação entre os alunos, motivando-os a buscar razões e explicações para os fenômenos que acontecem à sua volta.

Conclusões

Uma sequência didática foi elaborada e aplicada em uma turma de 2º ano do Ensino Médio EJA utilizando a temática Mingau de Goma, que foi degustado na escola campo. Notou-se que a utilização de alimentos no ensino da Química é viável para a aprendizagem e participação do aluno durante as aulas. O uso de alimentos como tema gerador contribuiu para a fixação de diferentes conteúdos químicos e possibilitou a reflexão dos alunos sobre os seus hábitos alimentares, bem como sobre os produtos atualmente consumidos por estes. O método mostra-se útil e benéfico tanto para os alunos quanto para os professores que conseguem os objetivos almejados com a inserção do tema em sala de aula, conseguindo assim uma aula contextualizada, levando a participação dos alunos que se sentem inseridos no contexto químico a partir do momento que reconhecem o enfoque científico em hábitos corriqueiros, tornando possível uma maior interação professor aluno, onde aquele dá pistas e este busca o conhecimento. Os enfoques propostos são apenas para exemplificar, mostrando que a temática pode ser abordada em todas as series do ensino médio, onde o tema é um universo de possibilidades e pode ser muito mais explorado com outros exemplos e sugestões, pois o mais importante é que a proposta seja elaborada por quem vai trabalhar com a mesma, de acordo com realidade de cada aluno, baseando-se em suas vivencias e inquietações. Isto traz uma visão mais ampla dos conteúdos trabalhados além de tornar mais rico o trabalho docente.

Agradecimentos

Esse trabalho é financiado pela CAPES através do Projeto PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à docência. Aos gestores, professora de química e estudantes

Referências

BRASIL, Ministério de Educação e Cultura. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Química – 1º ao 3º ano. Brasília, SEF, 1997
BRANDÃO, Carlos R. (org). Pesquisa social e ação educativa: conhecer a realidade para poder transformá-la. In: Pesquisa Participante. São Paulo, Brasiliense, 1986.
DEMO, P. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000.
FONSECA, M.R.M. Completamente química: química geral, São Paulo, 2001
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
MINAYO, M. C. de S. (Org.). et al. Pesquisa social: Teoria, método e criatividade. 30. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
MIRANDA, D. G. P; COSTA, N. S. professor de Química: Formação, competências/ habilidades e posturas. 2007.
PRODANOV, Cleber Cristiano. Metodologia do trabalho científico [recurso eletrônico]: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico / Cleber Cristian Prodanov, Ernani Cesar de Freitas. – 2. ed. – Novo Hamburgo: Feevale, 2013.