Autores
Silva, R.M.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA) ; Amauro, N.Q. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA) ; Souza, P.V.T. (INSTITUTO FEDERAL GOIANO/ UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA) ; Rodrigues Filho, G. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA)
Resumo
O presente estudo, representando parte de uma pesquisa de mestrado realizada por Silva (2014), aponta as abordagens de ensino utilizadas pelo professor de Química no Programa de Aprofundamento de Estudos (PAE) do Estado de Minas Gerais. Acompanhamos as aulas de cinco professores de uma cidade localizada no Triângulo Mineiro/MG. Percebemos que a principal abordagem de ensino- aprendizagem utilizada pelo professor é a de cunho Tradicional. Além disso, o professor reconhece suas práticas na escola, nas quais estão muito aquém daquelas idealizadas por ele mesmo. Entretanto, os professores destacam que o engessamento ao qual está submetido o docente da educação básica não permite a realização de práticas que reflitam suas aspirações por uma educação voltada para a formação plena do estudante.
Palavras chaves
Prática docente; Ensino de Química; Aprofundamento de estudos
Introdução
Ao discutirmos sobre os contextos educacionais brasileiros e ao compararmos esses com os documentos oficiais do Ministério da Educação (MEC), percebemos que há uma lacuna entre o que está nos documentos e o que realmente acontece no cotidiano escolar. De acordo Freire (2006), a função da escola seria transformar a curiosidade ingênua do estudante em curiosidade epistemológica, o que, segundo o autor, conferiria a motivação intrínseca para a aprendizagem. Considerando este contexto, desenvolvemos uma pesquisa, em conjunto com um trabalho de mestrado realizado por Silva (2014), a fim de obter informações sobre as abordagens desenvolvidas no ensino de química, realizadas no Programa de Aprofundamento de Estudos (PAE), da Superintendência de Desenvolvimento do ensino médio da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerias (SEE/MG). Esse programa teve início em 2006, tendo atendido, desde então, 248 mil estudantes em Minas Gerais (SILVA, 2014). De acordo com o documento intitulado “Aprofundamento de Estudos 2011”, da SEE, o objetivo do programa compreende viabilizar “possibilidades de estudos adicionais, no contra turno, para melhorar a participação e o rendimento dos alunos em sala de aula; incentivar o hábito de estudo em tempo integral além de preparar para o Enem, exames, vestibulares, concursos ou processos de seleção (MINAS GERAIS, 2011)”. O PAE oferece a oportunidade ao aluno de aumentar a carga horária com aulas no contra turno, com o intuito de prepará-lo para os processos seletivos, como o vestibular, o Enem, e outros concursos (SILVA, 2014). O programa de estudo é adaptado à realidade sociocultural da escola e segue a matriz de referência aplicada no Enem. Neste trabalho buscamos elucidar resultados parciais de uma pesquisa de mestrado, intitulada “Vestibular, Programa de Aprofundamento de Estudos e a prática do Professor de Química em Minas Gerais: percepções, análises e reflexões”, desenvolvida por Silva (2014), juntamente com integrantes do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Química da Universidade Federal de Uberlândia e o Grupo de Pesquisas em Educação em Ciências do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano. Para tanto, neste texto, iremos apontar resultados referentes aos aspectos da prática do professor no PAE. Além disso, confrontaremos os ideais desse programa com aqueles atribuídos ao ensino médio regular da disciplina de química. Partimos da premissa, sistematizada por Kasseboehmer e Ferreira (2013), na qual os objetivos do ensino de ciências devem ser direcionados para uma alfabetização científica que proporcione a aproximação do estudante ao modo de produção da ciência, não se resumindo a simples aquisição do conhecimento. Ressaltamos que analisar a prática docente não é uma tarefa trivial, mas que, ao tentarmos realizar essa ação, poderíamos subsidiar novas discussões com vistas à compreensão de aspectos que permeiam a prática do professor em sala de aula, em especial os da disciplina de Química, no nível médio do Aprofundamento de Estudos (SILVA, 2014).
Material e métodos
Para o presente estudo entrevistamos e acompanhamos as aulas de cinco professores de química da rede pública de uma escola estadual localizada no Triângulo Mineiro/MG, que atuam no PAE. Inicialmente, para a realização das entrevistas, dialogamos com os professores sobre o perfil dos estudantes das escolas públicas que frequentam o PAE, os critérios curriculares adotados pelas escolas que adotam o PAE e os recursos utilizados para o ensino de química nesse programa. Apresentaremos, com nome fictício, os professores: José (Ana), Lara (Maria), Ricardo (Marta), Ítalo (Laís) e Benício (João). Concomitantemente, observamos as aulas de Química dos professores durante um semestre, em três turmas do PAE. Nas aulas que acompanhamos, foram trabalhados os seguintes temas: grupo funcional de álcoois, nomenclatura de hidrocarboneto e álcoois. Para situarmos os critérios de classificação das abordagens de ensino, nos referenciamos nos estudos de Santos (2005), no qual o autor elucida as diferenças das principais formas utilizadas para caracterizar as ações no processo de ensino-aprendizagem. O referido autor fez um estudo analisando e comparando os referenciais teóricos em quatro aspectos relevantes: (1) a escola; (2) o aluno; (3) o professor; e, (4) o processo de ensino e aprendizagem, tomando por base os trabalhos de Bordenave (1984), Libâneo (1982), Saviani (1984) e Mizukami (1986), os quais classificam e agrupam as correntes teóricas segundo critérios diferentes. Tomaremos por base a denominação utilizada por Mizukami (1986), preocupando- nos, então, com a questão da fundamentação da ação docente, enveredando-nos pelo caminho que nos propiciará compreender as práticas do professor de química identificando em que abordagem ou em quais abordagens elas se fundamentam. No que diz respeito à abordagem de ensino-aprendizagem, entendemos que essa, a partir de uma análise das características observadas, tendo como parâmetro as contribuições de Mizukami (1986), pode se caracterizar em cinco abordagens de ensino, diferentes linhas pedagógicas ou tendências no ensino brasileiro. A autora parte do pressuposto de que, em situações brasileiras, as abordagens que mais influenciam os professores são: abordagem tradicional, abordagem comportamentalista, abordagem humanista, abordagem cognitivista e abordagem sociocultural (SILVA, 2014).
Resultado e discussão
A abordagem de ensino no aprofundamento de Estudos, apesar de apresentar um
cunho tradicional (SILVA, 2014), apresenta uma forte tendência à abordagem
cognitivista. O professor orienta o estudante e acompanha o seu
desenvolvimento em um processo marcado por interações professor-aluno mais
efetivas, como pode ser percebido na fala do professor Benício: “Igual eu
falei, dos dez a vinte por cento têm dificuldade, têm, só que a dificuldade
não é aquela dificuldade gritante. É aquela dificuldade, onde o aluno
precisa do professor mais perto dele. Como no Aprofundamento a turma é mais
reduzida, eu consigo ter um contato mais efetivo” – Benício. A partir das
considerações do professor, auferimos que o foco do processo de ensino-
aprendizagem está no aluno, o qual deve desempenhar um papel “ativo” de
observar, experimentar, comparar, relacionar, analisar, justapor, encaixar,
compor, levantar hipóteses e argumentar cabendo ao professor criar situações
desafiadoras e desequilibradoras por meio da orientação (SILVA, 2014;
SANTOS, 2005). Conforme exposto pelos professores, no aprofundamento de
estudos são utilizados recursos diferentes do que aqueles utilizados no
ensino médio regular, como, por exemplo, o projetor multimídia (Datashow).
Além disso, é apontado também que no aprofundamento tem mais tempo de aula:
“A parte metodológica no aprofundamento como às vezes eu tinha mais tempo,
eu podia preparar mais apostilas, às vezes a gente usava um datashow na
escola [...]” – Ítalo. Ou ainda, podemos notar pelo relato da Professora
Lara: “[...] que eu penso, o correto é trabalhar com os alunos mais com
lista de exercícios, trazendo questões dos vestibulares, trazendo alguns
jogos, coisas diferentes do que eles veem em sala de aula - Lara”. A
professora Lara menciona o uso de jogos, constituindo uma das estratégias de
ensino em uma abordagem inovadora, contrapondo-se ao uso de listas de
exercícios com questões de vestibular. Dessa forma, percebemos que um mesmo
discurso pode apontar elementos que remetem à introdução de práticas
inovadoras e, ao mesmo tempo, trazer elementos que traduzem uma prática
conservadora ou tradicional. No que se refere às aulas de Química,
ministrada pelos docentes participantes da pesquisa, percebermos que no PAE
os professores se envolvem mais, na busca por metodologias que enfatizem o
processo de ensino e aprendizagem, do que se nas aulas fossem no ensino
regular (SOUZA et al. 2015). Esse fator acontece pelo número de estudantes
que frequentam o PAE. Geralmente as aulas do PAE possuem, no máximo, 20
estudantes; além disso, as aulas não são obrigatórias. Esses pontos, segundo
foi percebido, favorece melhor o rendimento das aulas.
No momento em que acompanhávamos os docentes durante as aulas, percebemos
alguns pontos em comum, como: exposição, na lousa, vários tipos de álcoois
para que os discentes possam classificar a cadeia carbônica e dar o nome ao
álcool. Percebemos que poucos se interessam pelo que o professor explica,
talvez pela abordagem utilizada, na qual caracterizamos por tradicional.
Estamos caracterizando as ações tradicionais, baseado em Santos (2005), no
qual discute que estas são fortemente marcadas pelo seu caráter propedêutico
e enciclopédico, com a predominância de aulas do tipo expositiva. Certamente
são muitos os fatores que poderíamos sinalizar que se constituem desafios a
serem superados na direção da inovação das práticas docentes, como, a
questão do tempo das aulas e os recursos didáticos (SILVA, 2014).
No geral, em torno das aulas assistidas, percebemos que o principal recurso
didático utilizado pelos docentes é o livro didático. O professor expõe um
breve resumo do conteúdo e, em seguida, disponibiliza exercícios para os
estudantes sobre a matéria lecionada. Geralmente, a participação dos
estudantes no processo educacional se resumiu a responder alguns
questionamentos em que o docente faz durante a explicação do conteúdo ou na
resolução de exercícios. Acreditamos que se o docente tivesse apropriado de
outra estratégia didática, além da forma expositiva, talvez pudesse ter mais
interesse dos discentes (muito embora, os professores apontam que os
estudantes possuem mais interesse nas aulas do PAE do que no ensino
regular).
Se referindo as aulas ministradas pelos professores com o tema Funções
Orgânicas, especialmente os álcoois, algumas estratégias poderiam ser
utilizadas, como: recursos visuais, como vídeo, uma vez que mostra as
consequências que o etanol, por exemplo, pode trazer para o ser humano, se
consumido em excesso. Acreditamos que uma aula iniciada por uma
problemática, principalmente se relacionar com o cotidiano desses
estudantes, ou que de alguma forma possibilite a sensibilização dos
discentes, pode ser o primeiro passo para inserir os educandos como agentes
principais no processo de aprendizagem.
Após uma problemática que se inicia a aula, o docente poderia, por exemplo,
trazer os conteúdos específicos a serem tratados, mas relacionando com a
temática. Após expor o vídeo, o professor pode colocar a fórmula química do
álcool na lousa e, em seguida, discutir aspectos do conteúdo, como
interações intermoleculares, nomenclatura e propriedades.
Para não deixar a problemática apenas na parte inicial da aula é fundamental
que o docente relacione com outros exemplos a fim de que os aprendizes
possam argumentar e ter suas considerações. Por exemplo, o ponto de fusão de
uma cadeia carbônica pode aumentar ou diminuir quando se aumenta a cadeia?
Quais são os interferentes que possibilitam, ou não, alterar o ponto de
fusão de algum composto? Outros álcoois, com diferentes cadeias, pode ter o
mesmo efeito se consumido em uma mesma quantidade?
Fizemos um apontamento sobre a possibilidade de um vídeo, já que a escola
onde estivemos, durante a pesquisa, não consta com laboratórios (o que não
impede de serem realizadas atividades experimentais dentro da sala de aula).
Além disso, poderia fazer a leitura de um texto problematizador ou solicitar
fatos reais que aconteceram com os discentes que foram marcantes,
relacionado com a temática da aula.
Embora entendamos que o professor poderia ter utilizado outros recursos
didático-pedagógicos, além da exposição de conteúdos, são vários fatores que
influenciam um ensino fragmentado, engessado e de caráter propedêutico,
como: as condições de trabalho do professor da escola de educação básica em
sala de aula; frágil formação inicial; e ausência de uma formação
continuada, na qual objetiva em inserir o professor em momentos que ele
possa refletir sobre a sua própria prática docente.
Conclusões
No presente estudo, a principal abordagem de ensino-aprendizagem utilizada pelo professor no aprofundamento de estudos é a de cunho Tradicional. No entanto, não podemos ignorar que a prática docente pode diferenciar-se ao longo do ano letivo; alguns tipos de aulas podem ser caracterizados por outros tipos de abordagens. Comparando as características dos diferentes contextos de ensino- aprendizagem descritos neste texto, percebemos que o número de estudantes por turma é um fator que determinará a utilização ou não de espaços alternativos de aprendizagem, como o laboratório e a biblioteca da escola. Embora tenham no máximo vinte estudantes no PAE, com o passar do semestre letivo esse número passa para oito. De fato, o número excessivo de estudantes por sala impossibilita a utilização de espaços como os citados anteriormente (SILVA, 2014). Quanto aos recursos utilizados pelo professor em sua prática, notamos que são essencialmente a lousa e o pincel. Mas, em alguns momentos, os professores utilizam espaços alternativos, como o laboratório de Química e a biblioteca. Tal diferenciação leva-nos à reflexão sobre o número de alunos por sala. A grande quantidade de estudantes por sala de aula limita, consideravelmente, as ações do professor que busca e tenta inovar as suas práticas. É imprescindível retratarmos que o professor, de modo geral, muitas vezes reconhece que suas práticas em sala de aula estão aquém daquelas idealizadas por ele mesmo (SILVA, 2014). São várias as justificativas dadas pelo professor, mas, sem dúvida, no nosso entendimento, o engessamento e as condições as quais está submetido o professor da educação básica, em muitos casos, não permite a concretização de práticas que reflitam suas aspirações e que atendam aos seus próprios ideais por uma educação para um novo paradigma.
Agradecimentos
Ao Instituto Federal Goiano (IF Goiano) - Campus Catalão, a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e a Universidade de Brasília (UnB).
Referências
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FREIRE, P. R. N. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 33. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
KASSEBOEHMER, A. C.; FERREIRA, L. H. Elaboração de hipótese em atividades investigativas em aulas teóricas de química por estudantes de ensino médio. Química Nova na Escola, v. 35, n. 3, 2013, p. 158-165.
LIBÂNEO. J. C. Tendências pedagógicas na prática escolar. Revista da Ande, n. 6, 1982, p. 11-19.
MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Educação. Superintendência de Ensino médio e profissional; Subsecretaria de desenvolvimento da educação básica. Aprofundamento de estudos 2011. Belo Horizonte, 2011. Disponível em: <http://200.198.28.154/sistema44/PROJETOS/TRANSFER/SEMP/14022011/MATRIZ_DE_REFERENCIA.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2013.
MIZUKAMI, M. da G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986.
SANTOS, R. V. Abordagens do processo de ensino e aprendizagem. Revista Integração, n. 40, 2005, p. 19-31.
SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo: Cortez, 1984.
SILVA, R. M. S. Vestibular, Programa de Aprofundamento de Estudos e a prática do Professor de Química em Minas Gerais: percepções, análises e reflexões. 129 f. Dissertação (Mestrado em Química) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia/MG, 2014.