Autores

Carvalho, E.V. (UFC)

Resumo

Este estudo tem como propósito desenvolver um panorama dos métodos avaliativos utilizados pelos professores de Química de Instituições de Ensino Superior (IES) públicas do estado do Ceará, com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). Para isso, aplicou-se questionários com professores da área. Os resultados indicam que, apesar do processo de expansão e interiorização dos cursos de Química no Estado, a evasão de alunos é um problema crescente. Além disso, as respostas ao questionário aplicado mostram que os professores desses cursos têm se afastado dos métodos avaliativos tradicionais. Contudo, este estudo revela a real necessidade de se investir em formação continuada, de forma a estimular esses profissionais de educação a inovarem suas práticas andragógicas.

Palavras chaves

Processos avaliativos; Ensino por competências; Metodologias ativas

Introdução

Com a expansão dos casos da pandemia de Covid-19, no espaço internacional, os países afetados implementaram gradativamente diferentes estratégias de isolamento social, demandando formas alternativas à continuidade dos processos de ensino-aprendizagem (SUNDE; ABÍLIO; NHAGUAGA, 2020), incluindo os métodos de avaliação. Nesse contexto, especialmente a adoção de métodos avaliativos  que desempenham um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem  de forma remota e eficiente, tornou-se um desafio enfrentado por muitos professores, do ensino básico e superior. De acordo com o relato de Lima, Reis e Sousa (2020), esses profissionais da educação vivenciaram um período de transformações abruptas e, muitas vezes improvisadas (LIMA; REIS; SOUSA, 2020), comprometendo a qualidade de toda a cadeia do sistema de ensino. Contudo, esse não é um problema recente. Nas últimas décadas, as constantes transformações sociais e políticas têm exigido das instituições de ensino novos modelos de gestão, sobretudo com a finalidade de identificar métodos e programas eficazes para atender aos novos desafios da educação (BRITO; LORDELO, 2009). Assim, propaga-se o desenvolvimento de metodologias de ensino construtivistas, que estimulem a participação ativa e o desenvolvimento crítico dos alunos. No ensino superior, há uma tendência que se afasta das práticas tradicionais de avaliação, como testes escritos de final de semestre, para explorar métodos de avaliação da aprendizagem de maneiras alternativas (DE BRÚN et al., 2022), que priorizem o desenvolvimento de competências e habilidades, em vez de recompensar à capacidade de memorização dos estudantes. Para isso, as avaliações devem considerar e analisar continuamente como o conhecimento é construído. Estudos recentes têm discutido os problemas e os avanços desses métodos alternativos (ATASOY; KAYA, 2022; ZLATKIN-TROITSCHANSKAIA et al., 2023). No Brasil, a entidade responsável por promover estudos, pesquisas e avaliações sobre o sistema educacional é o Inep, vinculado ao Ministério da Educação (MEC) (FONSECA; NAMEN, 2016). A realização da avaliação das instituições, dos cursos de graduação e do desempenho dos estudantes também é de responsabilidade do Inep, sob a coordenação da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes). Essa avaliação é feita por meio de exames, como o Enade, que fornece indicadores sobre a qualidade da educação de nível superior. Participam desse exame todos os concluintes da relação de cursos de graduação das IES prevista a cada ano. A expectativa, em termos de política pública, é que o resultado desse sistema de avaliação contribua com os cursos de graduação (SILVA; MAZZÉ, 2020). Além do desenvolvimento de competências técnico-profissionais, a educação superior tem como uma das suas funções mais importantes a promoção de igualdade de oportunidades e de justiça social (SISTEMA NACIONAL DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR, 2012). Assim, com esse estudo, espera-se contribuir para o desenvolvimento de métodos avaliativos efetivos e para uma gestão institucional que promova a formação de profissionais competentes tecnicamente e, ao mesmo tempo, éticos, críticos, responsáveis socialmente e participantes das mudanças necessárias à sociedade. Portanto, este estudo tem como propósito investigar qualitativamente os métodos de avaliação empregados nos cursos de graduação em Química por meio de questionário on-line aplicado a professores das IES.

Material e métodos

A coleta de dados primários foi feita por meio de aplicação de questionário em profundidade com agentes dessa área pesquisada. Nessa etapa, a população estudada se refere a professores de IES públicas do Estado do Ceará, reconhecidas pelo MEC, que fazem parte do quadro de professores do curso de Química, nas modalidades licenciatura e bacharelado. A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário on-line, com divulgação virtual, elaborado com o objetivo de avaliar o contexto dos procedimentos avaliativos utilizados pelos professores participantes. Para isso, utilizou-se como estratégia o emprego de um questionário semiestruturado, fornecendo informações predominantemente qualitativas. Este estudo é, portanto, classificado como transversal, pois os dados são coletados em um período específico com o objetivo de responder à questão: o que está acontecendo agora? Antes de iniciar a coleta de dados com o questionário virtual, foi inserido um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) virtual, composto por uma página de esclarecimento sobre a pesquisa, além da solicitação de autorização para o uso dos dados. Para calcular o tamanho da amostra (número de professores que devem responder o questionário, que representa a população-alvo), considerou-se o tamanho da população (número total de professores dos cursos de Química de IES do Ceará), verificado em estudo prévio. O tamanho da população-alvo foi determinado a partir dos dados fornecidos em sites das instituições, que é de 216 professores.

Resultado e discussão

Apesar do meio conveniente de aplicação do questionário, que permite o maior alcance do público-alvo, apenas 22 professores responderam o formulário compartilhado em grupos das IES. Assim, os resultados apresentados a seguir não tem caráter quantitativo e não pode ser generalizado para a população avaliada. A primeira parte do questionário tinha como objetivo estimar o perfil pessoal e profissional dos professores que responderam ao questionário. Entre os respondentes, 59,1% se declararam como homens e 40,9%, mulheres, não havendo predominância de gênero entre os pesquisados. Destes, 81,8% concluíram o doutorado acadêmico e 86,4% atuam como servidores efetivos. Com relação a idade , observa-se que apenas 9,1% da amostra tem idade inferior ou igual a 30 anos. Por outro lado, há predominância de professores com idade entre 50 e 55 anos. Apesar da quantidade de respondentes ser menor que a amostra calculada, obteve- se resposta de docentes de várias IES. Esse é um resultado positivo, pois aumenta a confiabilidade do estudo, por mais que a abordagem seja qualitativa. A segunda parte do questionário é relacionada aos métodos de avaliação utilizado pelos professores. A maioria deles respondeu que aprenderam a avaliar os alunos na prática diária (Figura 1). Poucos docentes afirmam terem desenvolvido suas práticas de avaliação em cursos de formação ou por meio de pesquisas científicas abordando essa temática. Esses resultados são reforçados por outro dado deste estudo: 27,3% dos professores não têm participado plenamente de cursos de capacitação ou formação docente voltados para a avaliação da construção do conhecimento por parte do aluno. Isso sugere a necessidade de formações voltadas para a capacitação sobre métodos avaliativos no processo de ensino-aprendizagem. Entre os respondentes, 86,4% afirmam explicar claramente os critérios de avaliação das disciplinas, no início do semestre. Essa prática é importante e exige planejamento, de acordo com os projetos pedagógicos do curso, em atendimento às DCN. Geralmente, os critérios de avaliação são apresentados por meio do contrato didático (ALTHAUS; BAGIO; ZANON, 2020), fornecendo ao aluno um panorama de como seu desenvolvimento será avaliado ao longo do período letivo. Os resultados ainda expressam predominância da aplicação de avaliações formativas, que são uma abordagem de avaliação baseada nos conceitos da aprendizagem construtivista (ATASOY; KAYA, 2022), que tem o objetivo de reconhecer e responder ao aprendizado do aluno, a fim de aprimorá-lo durante o próprio processo de ensino-aprendizagem. Pode ser aplicada por meio de mapas conceituais ou por debates em sala de aula, por exemplo. No questionário, não foi especificado como os professores promovem esse tipo de avaliação, o que pode ser verificado em um estudo posterior. Um número relativamente grande de professores responderam que realizaram avaliações diagnósticas. Esse é um resultado inesperado, pois apesar do papel relevante desse tipo de avaliação, estima-se que poucos professores o incluam em seus planejamentos. A avaliação diagnóstica tem a função de verificar os conhecimentos prévios dos estudantes. Com ela, consegue-se identificar em qual momento de aprendizagem o educando se encontra e como ele constrói o conhecimento (MAGALY et al., 2017). Assim, o professor consegue adaptar seu planejamento à realidade da turma, considerando os conhecimentos e habilidades que precisam ser trabalhados ao longo do período letivo. Muitos professores assinalaram as alternativas que indicam que não foram aplicadas avaliações somativas, que estão mais relacionadas aos métodos tradicionais de avaliação do conhecimento. Esse tipo de avaliação verifica o nível de aprendizagem discente, por meio da atribuição de notas, permitindo uma classificação ao final do curso (MAGALY et al., 2017). Esse resultado também é intrigante, pois o cotidiano revela que os professores ainda priorizam esse tipo de avaliação como verificação do nível de aprendizagem. Alguns professores participantes do questionário afirmaram não reconhecer as diferenças entre os tipos de avaliação. Além da carência de capacitação sobre essa temática, assim como sobre outras práticas andragógicas, dois fatores podem conduzir a esse cenário: primeiro, muitos professores do nível superior em Química têm formação no grau de bacharelado, tendo pouco ou nenhum contato com a perspectiva pedagógica do Ensino de Química; e segundo, mesmo os cursos de licenciatura não apresentam muitos dessas metodologias relacionadas à avaliação do conhecimento. Apesar desses fatores limitantes, muitos dos professores que responderam ao questionário mostraram interesse em entender como levar essas estratégias para a sala de aula. Certamente, este estudo lança base para a produção de materiais didáticos e científicos no sentido de promover a apropriação do conhecimento sobre essa temática e estimular a aplicação de práticas pedagógicas construtivistas nos cursos superiores de Química do Estado. Além disso, os resultados deste estudo avaliam a utilização de metodologias ativas como método avaliativo. Entre os respondentes, 72,7% afirmam ter utilizado métodos de avaliação que envolvem a participação ativa do aluno na construção do aprendizado. Esse é um resultado animador sobre a diversificação das práticas de avaliação ativa realizadas pelos professores das IES nos últimos semestres. A Figura 2 mostra algumas das metodologias utilizadas, conforme as respostas dos professores ao questionário on-line. Ainda assim, 13,6% afirmam não utilizar metodologias ativas em sala de aula. Diante da importância da inovação constante no ensino, é preciso propor práticas que estimulem os docentes a adotarem práticas pedagógicas que tornem o processo de ensino-aprendizagem capaz de agregar competências e preparem os profissionais para o mercado de trabalho.

Figura 1

Formas como os professores aprenderam os métodos de \r\navaliação que utilizam em sala de aula

Figura 2

Metodologias ativas utilizadas em sala de aula pelos \r\nprofessores que responderam o questionário on-line

Conclusões

Este estudo foi voltado para um objetivo exploratório e, como tal, buscou produzir hipóteses que podem testadas em pesquisas posteriores. Devido à abordagem fortemente qualitativa, pode fornecer premissas para um delineamento que pode ser usado para iniciar estudos explanatórios e quantitativos. Os dados obtidos a partir das repostas ao questionário on-line não podem conduzir a generalizações sobre a população-alvo, pois o número de professores que se disponibilizaram a responder não atingiu a quantidade mínima calculada para a amostra ser representativa. Apesar disso, os resultados indicaram que a maioria dos professores das IES públicas não têm recebido capacitação efetiva no que diz respeito aos processos avaliativos, o que sugere a necessidade de políticas públicas voltadas para a formação continuada desses profissionais da educação. Além disso, de forma qualitativa, observou-se o interesse dos professores em conhecer os avanços da área de avaliações na Química, o que pode ser consequência da escassez de materiais bibliográficos e investigações científicas que abordem esse tema, especificamente aplicado ao Ensino de Química.

Agradecimentos

Referências

ALTHAUS, M. T. M.; BAGIO, V. A.; ZANON, D. P. O contrato didático na aula universitária. Revista Docência do Ensino Superior, v. 10, p. 1–13, 3 jun. 2020.

ATASOY, V.; KAYA, G. Formative assessment practices in science education: A meta-synthesis study. Studies in Educational Evaluation, v. 75, p. 101186, 1 dez. 2022.

BRITO, C.; LORDELO, J. A. DE C. Avaliação da aprendizagem no ensino superior: uma visão do aluno. Em: TENÓRIO, R. M.; VIEIRA, M. A. (Eds.). Avaliação e sociedade: a negociação como caminho. Salvador: EDUFBA, 2009. p. 253–272.

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