Autores

Soares, L.F. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ) ; Lima, J.R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ) ; Silva, M.G.V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ)

Resumo

O ensino de Química tem sido permeado pela dificuldade na aprendizagem de seus conceitos. A utilização de metodologias de ensino inovadoras que lancem mão das tecnologias digitais pode ser um valioso contributo à pratica docente para a superação deste desafio. Este trabalho apresenta uma experiência docente do uso do Laboratório Rotacional no ensino de Química para uma turma do segundo ano do ensino médio de uma escola pública. As produções e interações dos estudantes foram analisadas com base no seu conteúdo discursivo e destacam a utilização da metodologia de ensino associada às tecnologias digitais como importante contributo para a aprendizagem dos conceitos químicos trabalhados, ao passo que fortalece a atuação docente por meio da ampliação do seu repertório pedagógico.

Palavras chaves

Ensino de química; Tecnologias digitais; Laboratório rotacional

Introdução

A Química é a ciência que estuda as transformações da matéria e as variações energéticas decorrentes destes processos. Ela possui em seu escopo, conhecimentos científicos que abordam aspectos diversos, possuindo uma linguagem própria. A aprendizagem de seus saberes é imprescindível para a resolução de problemas reais, o desenvolvimento ou melhoramento de tecnologias e processos e principalmente para uma atuação social crítica e responsável. No entanto, ao longo de décadas que marcam a sua presença no currículo escolar, ainda persistem desafios quanto à sua compreensão. Santos et al. (2013) apresentam como principais dificuldades elencadas pelos estudantes para a apreensão dos conceitos químicos a compreensão da linguagem matemática envolvida na determinação dos aspectos quantitativos e a complexidade dos conteúdos, devido à falta de domínio da linguagem utilizada na abordagem dos professores. A formação inicial dos professores geralmente não compreende adequadamente os aspectos semióticos presentes no conhecimento químico e que são necessários à compreensão e ensino adequados de conceitos (FERREIRA e ARROIO, 2013). No que diz respeito à utilização de constructos para a verificação do desenvolvimento da apreensão de conteúdos pelos estudantes, os mapas conceituais se constituem como um importante contributo para este fim, pois as ligações estabelecidas entre os conceitos podem ser tomadas como evidências de aprendizagem. A abordagem metodológica orienta o processo de ensino e aprendizagem a partir da delimitação dos objetivos de aprendizagem, dos recursos utilizados e das estratégias didáticas e avaliativas empregadas. Embora o termo metodologia assuma um caráter polissêmico, assume-se o termo como articulação teórico- metodológica de técnicas de ensino, recursos materiais e instrumentos de avaliação com o objetivo de promoção da aprendizagem dos conteúdos (ALVES e BEGO, 2020). Neste sentido, as metodologias ativas surgem como importantes contributos para a formação dos estudantes considerando o papel central que eles assumem no processo de aprendizagem ao se envolverem ativamente nas atividades elaboradas pelos professores, desenvolvendo aspectos cognitivos, sociais e emocionais que compõem o percurso educativo. O laboratório rotacional é uma metodologia ativa, concebida como um modelo que consta no rol de possibilidades do ensino híbrido, sendo este um programa de educação formal pautado na existência de momentos presenciais e virtuais que objetivam promover a aprendizagem discente, enquanto aquele se corporifica através da utilização de dois espaços, sendo um deles o laboratório de informática, contribuindo para o aumento da eficiência operacional ao reduzir a quantidade de estudantes em um ambiente, mas não substituindo radicalmente as lições tradicionais de sala de aula (BACICH, TANZI NETO e TREVISIANI, 2015) . A experimentação no ensino de Química se legitima pela aproximação entre a teoria e a prática através da manipulação de reagentes e vidrarias em laboratório, permitindo ao estudante visualizar os aspectos macroscópicos dos fenômenos que estão sendo investigados e extrapolar as suas concepções para características microscópicas e simbólicas, incluídas aqui as informações quantitativas. Dessa forma, compreende-se que há a assimilação dos saberes científicos a partir de um trabalho investigativo. Embora existam desafios quanto a utilização dos recursos ou mesmo a existência desses espaços nas escolas (SOUSA e SILVA, 2014), compreende-se a sua importância para a compreensão do conhecimento químico, uma vez que ele é geralmente fundamentado em observações empíricas. As tecnologias digitais fazem parte do nosso cotidiano, interferindo em diversas áreas, em especial no campo da educação. Percebe-se a necessidade de incorporar as ferramentas digitais potencialmente pedagógicas considerando o contexto no qual nossos estudantes estão inseridos, cada vez mais impactado pelas tecnologias. Leite (2022) apresenta como artefatos tecnológicos com potencial de aplicação nos percursos docentes os softwares, vídeos e podcasts, indicando alternativas para a sua utilização. Soares e Silva (2019) demonstram uma possibilidade de implementação destes recursos ao se utilizarem de uma plataforma virtual para o desenvolvimento de aplicativos com o objetivo de promover a aprendizagem em Química. O presente trabalho tem como objetivo investigar a utilização do laboratório rotacional no ensino de Química através de uma experiência de sua utilização, enfocando a temática de soluções, apresentando-se como uma alternativa para a promoção de aprendizagem.

Material e métodos

A investigação que se realizou segue uma metodologia de pesquisa do tipo qualitativa, considerando que a realização de suas etapas envolve a coleta e análise de dados de cunho descritivo, buscando se aproximar ao máximo do objeto de estudo através da interpretação de registros e impressões. Pode ser compreendida como um estudo de caso, pois se dá através do estudo profundo de um caso específico, dando atenção aos limites entre o fenômeno e o contexto (GIL, 2021). Dessa forma, esta pesquisa se debruça sobre percursos vivenciados em uma experiência de sala de aula, com uma turma específica e fazendo uso de uma metodologia de ensino selecionada. O relato de sala de aula que se apresenta diz respeito a uma aula de uma sequência de atividades didáticas voltadas para a temática de soluções, ao longo do primeiro bimestre letivo, sendo realizada com estudantes do segundo ano do ensino médio de uma escola pública estadual cearense, correspondendo a 43 alunos que possuem entre 15 e 17 anos de idade. A unidade de ensino é uma Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP), possuindo em sua matriz curricular, além de espaço destinado à disciplina de Química um outro componente curricular, denominado Horário de Estudos, o qual foi importante para a ampliação do tempo pedagógico destinado à atividade desenvolvida. A metodologia de ensino empregada inspirou-se no Laboratório Rotacional, proposto por Bacich, Tanzi Neto e Trevisiani (2015), na qual realizamos uma aula composta em três momentos: no primeiro, realizado em sala de aula, procedeu-se com as orientações acerca da presente aula com os estudantes, relembrando os conceitos fundamentais das soluções e apresentando os cálculos envolvidos na concentração de soluções (concentração comum, em quantidade de matéria, em percentual e título); o segundo foi realizado no laboratório de Química da escola, no qual desenvolveu-se uma atividade experimental tendo como temática a preparação de soluções e a consequente determinação de sua concentração nos seus variados tipos; o último momento foi realizado no laboratório de informática no qual os alunos foram desafiados a elaborar um mapa mental e postarem em um ambiente virtual de aprendizagem, contendo os principais conceitos apreendidos por eles ao longo das aulas sobre a temática em questão. Cabe salientar que a turma foi dividida ao meio, de modo que a rotação de uma parte dela seguiu exatamente o exposto aqui, enquanto que para outra parte, os momentos dois e três foram invertidos com o objetivo de ter um número de estudantes que ambos os espaços comportassem adequadamente, considerando se tratar de uma turma com um número expressivo de estudantes. A experiência realizada nos trouxe como dados as percepções ao longo da aula e as produções deles como fontes de evidências de aprendizagem acerca do conteúdo. Estes recursos foram analisados através dos componentes narrativos que se apresentam, oferecendo contributos ao processo educativo desenvolvido.

Resultado e discussão

O percurso realizado nos trouxe como respostas a observação dos estudantes ao longo da experiência, os mapas mentais produzidos e enviados ao longo da aula e os relatórios de prática produzidos por eles e entregues após a ocorrência da aula. A percepção inicial acerca do comportamento dos estudantes evidencia que o primeiro momento de aulas, realizado de forma tradicional, pois necessário para o decurso da proposta, foi espaço de geração de muitas duvidas e construção de conceitos individuais. Ao longo dos momentos seguintes nos quais aconteceu a rotação entre os laboratórios de Química e de Informática, percebeu-se que o trabalho coletivo contribuiu para a minimização de lacunas de aprendizagem devido às negociações de concepções que aconteceram por ocasião da realização das atividades propostas, o que se deu nos espaços físicos e virtuais. Algumas iniciativas acerca do uso do Laboratório Rotacional vêm trazendo resultados promissores. Aguiar e Castilho (2019) realizaram um estudo que versa sobre o uso desta plataforma para o ensino de Língua Portuguesa e Matemática, apresentando bons resultados no que diz respeito à aprendizagem dos estudantes, refletidas nos resultados das avaliações escolares, ao passo que provocou a ampliação do repertório de recursos didáticos pelos docentes. Articulando o Laboratório Rotacional à sala de aula invertida, Oliveira, Rossi e Alves (2020) demonstraram que este modelo pode ser aplicado para contribuir para a superação de lacunas de aprendizagem preexistentes, oriundas de conteúdos apresentados anteriormente aos estudantes e que são necessários para o prosseguimento dos seus estudos, através da participação ativa deles utilizando como recurso tecnológico blogs produzidos pelos estudantes para estudar o conteúdo de ácidos e bases. O ambiente virtual de aprendizagem utilizado nesta aula foi o Edmodo, plataforma que foi descontinuada em 2022. Era uma ferramenta que permitia que os estudantes interagissem, colaborassem e reagissem a partir das produções individuais e coletivas com base no proposto pelo professor ou em provocações deles a partir da temática estudada. O ambiente era interativo, tendo uma dinâmica e layout semelhantes ao encontrado nas redes sociais, ambiente familiar aos estudantes, e permitia a interação com plataformas de vídeos, simulações, jogos, páginas da web, dentre outros recursos. Os mapas mentais foram produzidos pelos estudantes em pequenos grupos, fazendo uso da plataforma digital GoConqr (https://www.goconqr.com/pt), deixando-se espaço para que eles pudessem sugerir ou utilizar de outras ferramentas, mas a maior parte dos estudante preferiu seguir a sugestão oferecida. Além de mapas mentais, a plataforma permite ao usuário a criação de slides, flashcards, notas, quizzes e fluxogramas, podendo ser utilizadas pelos estudantes para a criação de produtos de sua autoria ou pelo professor para apresentar uma temática de forma dinâmica ou ainda, avaliar o que foi aprendido, dentre outras possibilidades. Apresenta-se na figura abaixo a produção de um dos grupos com a intenção de elaborar seus conhecimentos adquiridos até o momento sobre o conteúdo trabalhado em sala de aula. Percebeu-se que o trabalho coletivo provocou engajamento e a consolidação do conhecimento trabalhado ao longo da aula, pois o encadeamento de ideias associa o conteúdo presente na aula com aqueles que já foram trabalhados anteriormente. Embora não hajam palavras de ligação como nos mapas conceituais, percebe-se claramente as relações entre as informações presentes no diagrama construído pelos alunos, permitindo a inferência de que a aprendizagem dos conteúdos, ao menos o que se refere aos aspectos conceituais estão evidenciados. É relevante observar a coerência com que trouxeram as relações entre unidades de medidas utilizadas na determinação das concentrações de soluções. O uso de mapas mentais no ensino é relevante, pois promove a mobilização de saberes dos discentes para a internalização de conceitos, permitindo que eles reflitam sobre o que construíram, sendo instrumento de avaliação pelo docente, mas também de autoavaliação, em um fluxo contínuo que permite ao estudante aprender fazendo (TAVARES, MÜLLER e FERNANDES, 2018). Os relatórios de prática são valiosos instrumentos para a consolidação de saberes científicos oriundos da atividade experimental, fazendo com que os estudantes possam refletir sobre os seus resultados no experimento que realizaram, ao tempo que o confrontam com dados presentes na bibliografia, a depender da proposta didática podendo abarcar aspectos qualitativos, quantitativos ou ambos. As devolutivas dos estudantes quanto ao experimento realizado demonstraram um elevado grau de familiaridade com os conceitos trabalhados ao longo da aula e algum domínio dos cálculos para determinação das concentrações das soluções preparadas, em especial a concentração comum e a título, sendo que alguns grupos evidenciaram maior dificuldade na compreensão e realização de cálculos com a concentração em quantidade de matéria e percentual. Para Andrade e Viana (2017), a realização de atividades experimentais deve superar a lógica da avaliação julgadora, permitindo ao docente utilizar as produções dos alunos como instrumentos para possibilitar um ensino pautado na construção e reconstrução das aprendizagens e não apenas como recurso punitivo. Percebeu-se que a sequência realizada também foi um importante contributo para o professor, pois permitiu que o mesmo refletisse sobre a sua prática estando inserido nela. Desde o processo de planejamento, passando pelas etapas de execução e avaliação das atividades realizadas através do retorno oferecido pelos estudantes o mesmo esteve mobilizando saberes docentes oriundos da sua experiência, somados àqueles presentes na literatura científica sobre a utilização de metodologias ativas, em especial sobre o laboratório rotacional. O percurso realizado não foi trilhado com a intenção de se utilizar de uma metodologia disruptiva, considerando a rotina escolar, o perfil do alunado, o perfil do professor e o tempo disponível para a execução das atividades, o que levou a uma proposta condizente com o contexto.

Figura 1

Produção dos estudantes acerca do conhecimento \r\nquímico abordado nas aulas

Conclusões

O laboratório rotacional se apresenta como uma importante alternativa metodológica para o professor, permitindo o enriquecimento do seu repertório, na medida em que os estudantes são convidados a vivenciar experiências de aprendizagem em que são protagonistas das suas aprendizagens. Percebeu-se que ele consiste em uma estratégia simples de ser operacionalizada e que tem grande potencial de provocar aprendizagem significativa, pois a rotação entre os espaços permite que os estudantes se aprofundem no conteúdo abordado, explorando habilidades diferenciadas para a consolidação do conhecimento científico. A pesquisa aqui relatada demonstra o seu potencial enquanto recurso pedagógico, pois promoveu aprendizagem dos conteúdos trabalhados, o que se verificou através dos mapas mentais, relatórios de prática e das interações que desenvolveram durante a realização dos momentos pedagógicos propostos. Considera-se que esta é uma metodologia que pode ser utilizada pelos diversos perfis de docentes, podendo ser um convite inicial ao uso de metodologias ativas e das tecnologias digitais em suas salas de aula ou uma ampliação das possibilidades metodológicas por professores experientes nestes quesitos. A difusão de conhecimentos que emanam das salas de aula são valiosos contributos para a formação inicial e continuada de professores, fortalecendo as suas práticas didáticas. O uso da estratégia aqui exposta não possui um viés salvacionista, devendo estar conscientemente atrelado às necessidades e possibilidades que a realidade na qual será implementado se apresente, para que possa promover resultados significativos. É necessário, portanto, adquirir uma postura crítica acerca da utilização de qualquer recurso pedagógico, alinhando-os à base teórico- metodológica coerente.

Agradecimentos

Agradecemos à Universidade Federal do Ceará e à Secretaria da Educação do Estado do Ceará pelo apoio na realização desta pesquisa.

Referências

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