Autores

Faustino, G.A.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG) ; Alves, C.F. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG) ; Bernardes, C.A.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG) ; Silva, T.A.L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG) ; Vargas, R.N. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG) ; Costa, F.R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG) ; Ruela, B.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG) ; Camargo, M.J.R. (INSTITUTO FEDERAL DE GOIÁS (IFG) - CÂMPUS URUAÇU) ; Benite, A.M.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG)

Resumo

Com elementos de uma pesquisa participante, nosso objetivo foi, neste trabalho, analisar e caracterizar o processo formativo dos/as pós-graduandos/as no desenvolvimento de uma aula guiada/conduzida pelos integrantes da disciplina no que diz respeito aos conhecimentos sobre gênero, os fundamentos eurocêntricos e as epistemologias africanas. Nossos resultados apresentam a importância da discussão teórica da Oyèrónké Oyěwúmí sob a perspectiva de gênero e a influência desses conceitos num viés das epistemologias e olhares não eurocêntricos. Por fim, nossos resultados mostram a importância de apresentar outros modelos de sociedade, possibilitando ampliar a formação desses/as professores/as o pensamento da nossa atual, limitada e eurocentrada modelo de família nuclear generificada.

Palavras chaves

Ciências e Matemática; Oyèrónké Oyěwúmí; Formação Docente

Introdução

No Brasil, a partir da década de setenta, as questões de gênero e de sexualidade geraram uma eclosão nos debates nas pesquisas acadêmicas, principalmente, por parte das mulheres e das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais – LGBTI. Dessa forma, torna-se importante e urgente que se estabeleça, mesmo que basicamente, uma distinção entre o gênero e que é a sexualidade. Se por um lado, para Louro (2000), a sexualidade refere-se aos prazeres sociais e corporais pelas quais abrange algumas questões, tais como, o desejo, o afeto, a reprodução, entre outros. Por outro lado, basicamente, gênero é uma categorização baseada no binarismo entre homem e mulher, pelo qual na sociedade moderna atual resultando na discriminação e inferiorização dos atributos masculinos sob os femininos (ROCHA, 2018). Além disso, de acordo com Silva (2017), a formação da família moderna e, principalmente, no Brasil iniciou por conta da colonização seguindo os moldes patriarcais para a organização familiar. Dessa forma, o modelo da família contemporânea é centrado na figura do chefe da família sendo sempre um homem - neste caso situado na cisgeneridade compulsória -, na mulher e seus descendentes legítimos na concepção generificada. Diante disso, salienta-se que esse modelo de família patriarcal ainda é bastante ausente da realidade da sociedade brasileira. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (2015), as organizações familiares, no ano de 2015, eram compostas por 40,4% de mães solo (IPEA, 2015). Por sua vez, as famílias brasileiras tiveram um grande impacto em suas vidas por conta da pandemia da Covid-19, com a rotina de suas vidas interferidas por conta do isolamento social. Todavia, durante o isolamento social, efeitos foram mais sentidos pelas mulheres, aumentando ainda mais as desigualdades de gênero, e a sobrecarga do trabalho doméstico, o cuidado com os/as filhos/as. Assumidos tais pressupostos desenvolvemos uma pesquisa no âmbito de uma disciplina, intitulada “Diversidade e inovação: sobre gênero e raça nas ciências”, que foi ministrada em um Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática de uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES). Nosso objetivo foi, neste trabalho, analisar e caracterizar o processo formativo dos/as pós-graduandos/as no desenvolvimento de uma aula guiada/conduzida pelos integrantes da disciplina, como etapa avaliativa da disciplina, no que diz respeito aos conhecimentos sobre gênero, os fundamentos eurocêntricos e feministas e as epistemologias africanas.

Material e métodos

O presente trabalho possui elementos de uma pesquisa participante, uma vez que convida os/as sujeitos de pesquisa pertencentes desta comunidade à reflexão e análise de sua história de maneira crítica (DEMO, 2004). Almeja-se, portanto, que os sujeitos de pesquisa possam aprimorar a visão crítica, propor ações coletivas para o benefício da comunidade. Esta pesquisa foi desenvolvida em uma disciplina intitulada "Diversidade e inovação: sobre gênero e raça nas ciências" de natureza optativa, ofertada para os/as alunos/as regulares do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática - havendo também alunos/as especiais a este programa - de uma IFES. Numa iniciativa inédita, correspondendo ao 2º semestre do ano letivo de 2020, mas por conta da pandemia da Covid-19, a disciplina ocorreu ao longo do ano de 2021 de forma remota utilizando a plataforma Google Meet, com carga horária de 04 horas/aula semanais, perfazendo um total de 64 horas/aulas semestrais. Foram sujeitos desta investigação (SI) uma professora formadora (PQ), um professor em formação continuada aluno de mestrado (PF01), uma aluna de iniciação científica (IC01) e 17 alunos/as de uma disciplina optativa (identificados como A1, A2, A3 ... A17. Durante a disciplina foram realizadas atividades avaliativas, este trabalho irá debater sobre as aulas conduzidas e guiadas em que as/os discentes teriam que, a partir da ementa e do plano de ensino da disciplina, escolher um dos textos disponíveis no cronograma e ficarem responsáveis por ler e explicar o texto para todos/as os/as partícipes da disciplina. Importa considerar que, todos os/as alunos/as tinham como dever de ler os textos antecipadamente à aula e, esses/as alunos/as que conduziam as aulas, eram responsáveis por extrapolar para além do que estava dito no texto. A escolha dos componentes do grupo se deu de forma livre obedecendo à divisão das duplas e/ou trios, realizada no início do semestre para a execução das demais atividades ao longo de todo o semestre. Neste trabalho serão analisados os dados obtidos da aula conduzida e guiada em sala de aula sobre o texto da Oyèrónké Oyěwúmí (2004) intitulado “Conceituando gênero os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas”, por A5, A10 e A11. A aula teve duração de 03 horas e 57 minutos, resultou em 195 turnos de discurso (T) que foram analisadas segundo a Análise da Conversação (AC) proposta por Marcuschi (2003).

Resultado e discussão

No extrato 01 mostramos os discursos produzidos sobre a construção de gênero da Oyèrónké Oyěwúmí e, por motivo de espaço, passamos a apresentar alguns trechos para em seguida apresentar a análise. Extrato 01: Categoria de gênero na sociedade atual. Inicialmente no extrato 01 as pessoas responsáveis por conduzir a discussão em sala de aula - A5, A10 e A11 - discorreram sobre a importância da discussão teórica da Oyèrónké Oyěwúmí sob a perspectiva de gênero e a influência desses conceitos num viés das epistemologias e olhares não eurocêntricos. Além disso, compreendemos que a condução guiada dos/as estudantes - A5, A10 e A11 - partiram de uma finalidade contra hegemônica no que tange a apresentação de sujeitos produtores/as do conhecimento científico. A10, por exemplo, no T.14, inicia sua fala apresentando para todos/as os/as alunos/as da turma o rosto, vida e carreira da Oyèrónké Oyěwúmí. Nessa perspectiva, nós enquanto professores/as formadores/as em Ciências e Matemática, devemos compreender que, estruturalmente, aprendemos a nomear e localizar o nascimento das pessoas produtoras de Ciência e Tecnologia. Quando nomeamos em nossas aulas de Ciências/Química pessoas como, por exemplo, John Dalton, Erwin Schrödinger, Carolus Linneaus, Immanuel Kant, Georg Wilhelm Hegel, Louis Agassiz e etc., muitas das vezes não nos damos conta que as pessoas estão localizadas no continente europeu e, quase sempre, pessoas brancas. A10 no T.14 ao trazer o país da pesquisadora Oyèrónké Oyěwúmí sendo na Nigéria, localizado no continente africano, mostra-se um ato discursivo contra hegemônico já que, muitas das vezes, o continente africano é apagado quando da produção científica. Além disso, reconhecemos também que as histórias das mulheres negras são invisibilizadas como sujeitos na sociedade, assim como no campo técnico- científico (FAUSTINO et al., 2022). Tendo uma visão distorcida dentro do âmbito científico, lugar este propriamente ocupado pelos sujeitos universais: os homens brancos (VARGAS, 2018). A existência da mulher como uma categoria social sempre foi entendida e definida pelos homens como desfavorecida, frágil, incapaz, derivadas de uma história enraizada sobre discriminação entre corpos numa perspectiva eurocêntrica (OYĚWÙMÍ, 2021). Após anos de lutas, por meio do movimento social organizado, as mulheres alcançaram seus direitos de educação, assim como maior inserção no campo científico. Todavia, reconhecemos que esses números ainda são de minuta, já que os critérios para o aumento da presença de mulheres em tais espaços são construídos, majoritariamente, pelos homens (MELLO e RODRIGUES, 2006). Além disso, basilarmente, a nossa sociedade possui um o modelo patriarcal, na qual homem e mulher são frequentemente catalogados na relação de uns contra os outros, onde o homem implica o direito e a mulher a inferioridade (OYĚWÙMÍ, 2021). Por sua vez, no momento discursivo de A10 transcrito no T.19 apresentou o inicio do questionamento da conceitualização de gênero com base no texto da Oyèrónké Oyěwùmí (2004), caracterizado assim pela construção narrativa da dialogicidade apresentada ao longo do extrato 01 e seguido, posteriormente, nos extratos a seguir. Sendo assim, A10 explica que a sociedade começou a se organizar utilizando a categorização de gênero, sendo marcado como um dos elementos dominadores do modelo de sociedade no qual vivemos hoje, iniciado por conta da modernização. Por sua vez, a dominação cultural do eurocentrismo é uma característica marcante da modernidade, tendo como uma desses elementos dessa sociedade moderna a tal família nuclear, sendo, portanto, um modelo ideal projetado para a nossa organização societal. Fato é que, a idealidade da família nuclear é centrada em um marido respeitável, uma mulher subordinada ao marido e os seus filhos e suas filhas, tendo como a característica elementar e organizadora frente à família: o gênero (LOURO, 1997; OYĚWÙMÍ, 2004). Paralelamente, seguindo essa perspectiva histórica, as pesquisas localizadas a partir da segunda onda do feminismo branco presume a classificação de gênero como ferramenta de análise para apontar a diferença entre homens e mulheres (COLLING, 2018). No entanto, as pesquisadoras feministas brancas, por exemplo, Simone de Beauvoir, Judith Butler, Linda Nochlin, Mary Wollstonecraft, Gertude Stein e etc, utilizam o gênero como não sendo uma categoria analítica simples, mas argumentado de tal maneira uma relação de poder atribuído, como exemplo explicativo de compreensão da obediência e dominação da mulher em todo o mundo. Assumindo a classificação da categoria “mulher” e sua submissão especificamente como universais (LOURO, 2000; OYĚWÙMÍ, 2004). Fazendo, nesse sentido, deslocar da realidade a ideologia que insiste em negar a presença da diferença sexual, que consiste ser fixa, natural e universal. Essa incorporação de gênero reforça em separar os seres humanos em categorias binárias de homens e mulheres, com corpo, atribuições sociáveis e individualidades diferentes (BORTOLINI, 2022). Ademais, no mesmo turno o A10 ressalta ainda que, guiada por essa lógica, as crianças crescem também com a noção de uma família generificada, sendo o gênero binário - masculino e feminino - como fonte de identificação da família nuclear. Esse proposto pelo colonialismo que compõem princípios estruturantes que organiza as práticas das crianças sob a concepção generificada, culminando, portanto, num modelo de sociedade generificada com indivíduos com modos operantes de ser e estar em sociedade atrelada simplesmente ao gênero de cada pessoa (BORTOLINI, 2022; OYĚWÙMÍ, 2004; SILVA, 2017). De tal modo que o sexo anatômico é ainda operacional para argumentar e evidenciar essas colocações de gênero que separa em categoria homem e mulher, notadamente da sociedade eurocêntrica (OYĚWÙMÍ, 2004; LOURO, NECKEL e GOELLNER, 2013).

Extrato 01: Categoria de gênero na sociedade atual.

Extrato 01: Categoria de gênero na sociedade atual.

Conclusões

Apenas os conhecimentos baseados na ótica ocidental conseguiram universalizar as categorias de gênero baseada no binarismo homem e mulher. Dessa forma, em oposição ao pensamento eurocêntrico, reconhecemos trazer outra perspectiva para de gênero baseado no texto apresentado pela Oyèrónké Oyěwúmí sobre a estruturação da sociedade africana antes do processo de colonização. Portanto, discutir sobre a categorização de gênero fora da dicotomia entre masculino e feminino de outras organizações sociais e culturais dentro da formação de professores/as de Ciências e Matemática significa afastar-se do binarismo naturalizado na sociedade moderna na qual vivemos. Assim como, atribuir e apresentar a estes/as docentes outros modelos de sociedade, nos possibilita ampliar a formação desses/as professores/as o pensamento da nossa atual, limitada e eurocentrada modelo de família nuclear generificada.

Agradecimentos

PPGECM/UFG, PPGQ/UFJ, CNPq e CAPES.

Referências

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