Autores

Miranda, G.S. (COLUNI-UFF) ; Alves, V. (IQ-UFF) ; Pereira, S. (UFF) ; Assis, C.J.S. (COLUNI-UFF) ; Velasco, C. (COLUNI-UFF) ; Cassano, A.C. (COLUNI-UFF) ; Fraguas, M. (COLUNI-UFF)

Resumo

O presente trabalho objetivou investigar a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no ensino de química, mais especificamente através da plataforma PhET, que oferece simuladores como recurso didático tecnológico para as disciplinas de ciências e matemática, de forma gratuita e colaborativa, entre os alunos do segundo ano do Ensino Médio. Por meio da investigação- ação-reflexão foram realizadas atividades orientadas e livres (de modo a explorar os recursos e a interação-cooperação entre os estudantes e novas possibilidades de uso. Tais iniciativas proporcionaram a efetiva participação dos estudantes frente aos problemas experimentais e suas variáveis, discussão e reflexão sobre desafios sócio ambientais, pensamento crítico e conhecimento científico.

Palavras chaves

Ensino de Química; Recursos didáticos digita; Plataforma Phet

Introdução

Estimular uma aprendizagem mais significativa, efetiva e duradoura tem sido o principal desafio de professores e instituições de ensino neste novo milênio. Para além de despertar o interesse de jovens por conceitos acadêmicos oferecidos na educação básica, existe a preocupação genuína em potencializar o ser humano como cidadão pleno, capaz de exercer seus direitos sociais, econômicos, civis e políticos, dentro de um contexto de inovação e transformação social comprometida com a sustentabilidade em diferentes níveis. A busca por orientar uma formação ampla em que os alunos possam desenvolver a capacidade de identificar, compreender, interpretar, criar, comunicar, calcular e utilizar diferentes materiais relacionados com contextos variados fez surgir uma gama de metodologias ativas (MOTA e ROSA, 2018; MORAN, 2017), dependentes ou não de tecnologias, que estimulam a autoaprendizagem e a curiosidade dos estudantes para a pesquisa, reflexão e análise em um contexto educacional em que o professor é um facilitador desse processo. O computador, como ferramenta de apoio ao processo de ensino e aprendizagem, em especial a internet, favorece o desenvolvimento de propostas inter e transdisciplinares colaborativas e estimula uma postura investigativa em relação ao conhecimento, permitindo que novas metodologias sejam aplicadas e aprofundadas. Metodologias ativas como a gamificação, ensino híbrido, aprendizagem por projeto, estações de trabalho entre outras, atualmente, acontecem por meio dos recursos digitais com resultados promissores para o agir-educativo comprometido com a emancipação do homem baseado na liberdade do educando, solidariedade e engajamento social (MORAN, 2017; MORAN et al, 2012). As metodologias ativas têm possibilitado uma grande fonte de recursos para despertar o interesse de alunos, especialmente da educação básica. Entretanto, para o ensino de ciências nenhuma delas substitui a experimentação. Giordan, 1999, em seu trabalho apresenta as dimensões psicológicas, filosóficas e cognitivas da experimentação e nesta última, evidencia a necessidade de experimentar e simular. “[...]A experimentação deve também cumprir a função de alimentadora desse processo de significação do mundo, quando se permite operá-la no plano da simulação da realidade. Nas situações de simulação, desencadeia-se um jogo entre os elementos e as relações, que devem manter correspondência com seus análogos no plano do fenômeno. É nesse palco de simulações que podem se formar ambientes estimuladores para a criação de modelos mentais pelo sujeito, que passa a reconhecer nos modelos, ora simulados, a primeira instância de representação analógica da realidade[...]” (GIORDAN, 1999, pg. 47). A nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) preconiza para o ensino de Ciências da Natureza, que o docente promova vivências e/ou experiências que permitam analisar, formular hipóteses e argumentos com base em evidências, possibilitando o conhecimento científico de forma crítica e significativa. Como a experimentação requer investimentos contínuos em materiais de laboratório, que diante da escassez de recursos financeiros acabam por ficar em segundo plano, o emprego de simuladores virtuais tem se tornado interessante e oportuno, especialmente na educação básica. Segundo, Zara, 2011, “[...]O uso de simuladores em sala de aula vem ajudando no processo de ensino- aprendizagem uma vez que as simulações permitem ao estudante centrar-se na essência do problema, tornando mais eficaz a compreensão dos conteúdos. Além disso, a utilização de simuladores permite o estudo de situações que, na prática, seriam difíceis ou até mesmo inviáveis de serem realizadas[...]” (ZARA, 2011, p. 266). A plataforma de simuladores PhET, sigla em inglês para Physics Educacional Technology ainda pouco explorada no Brasil, é um importante recurso tecnológico que oferece gratuitamente simuladores para o ensino de Matemática e Ciências, nos quais é possível manipular variáveis, observar resultados e fazer descobertas. As TICs não modificam o que aprendemos, mas o modo como aprendemos, entretanto para que elas sejam de fato incorporadas e para que haja domínio e integração das TIC na educação, é preciso programar ações efetivas para dotar os docentes de habilidades a fim de proporcionar o melhor aproveitamento das tecnologias, e de obter resultados mais satisfatórios no processo de ensino e aprendizagem, assegurando que os saberes necessários à prática docente estejam sempre em (re)construção (PEREIRA et al., 2016; FAVA, 2014). Nesse sentido, o presente projeto foi elaborado visando utilizar e investigar a plataforma PhET como recurso tecnológico não só para estimular e desenvolver o conhecimento científico através da aprendizagem ativa e colaborativa em diferentes contextos, mas ao mesmo tempo promover uma formação docente que incorpore as tecnologias em seu desenvolvimento pessoal e profissional como parte integrante da sua realidade.

Material e métodos

A plataforma também possui uma área para livre compartilhamento de atividades planejadas pelos usuários possibilitando assim a criação de um grande banco de planejamentos, em diversos idiomas e separados por área de conhecimento, para troca e uso entre professores. Para o simulador Concentração encontramos 27 atividades disponíveis sendo apenas 3 em portugês (duas produzidas por brasileiros). Para o desenvolvimento da atividade foram empregados 10 tablets disponíveis e um data show para demonstração da atividade sugerida para a turma. Todos os alunos estavam de posse do material escolar para anotações. A turma de 30 alunos foi dividida em cinco grupos e cada grupo recebeu dois tablets, para explorar o simulador Concentrações, Figura 1. Foram disponibilizados 30 minutos para que os grupos pudessem conhecer as diferentes ferramentas oferecidas e anotassem suas observações a cada simulação realizada. Ao término desse tempo, os grupos tiveram mais 40 minutos para responder ao formulário com perguntas obtidas na atividade intitulada “Que fatores afetam a solubilidade das soluções” voltando à consultar o simulador quando necessário, Figura 2. Tal atividade, também está disponível na plataforma como material de apoio para os professores. Para o preenchimento do formulário foram disponibilizados mais 30 minutos e os 20 minutos finais foram reservados à discussão sobre a atividade e seus desdobramentos em relação às ações cotidianas e questões ambientais.

Resultado e discussão

A atividade no simulador Concentração foi inserida após breve introdução sobre o conteúdo Soluções e escolhida para iniciar a teoria sobre o assunto antes mesmo da apresentação das equações e cálculos que integram este conteúdo da química, geralmente apresentado no segundo ano do ensino médio. Ao longo da atividade exploratória os alunos anotaram as seguintes observações: 1- A concentração da solução aumenta com o aumento da quantidade de soluto. 2- A concentração da solução aumenta com o aumento da evaporação; 3- As soluções disponíveis no simulador têm concentrações diferentes; 4- É possível diminuir a concentração da solução adicionando mais água (solvente); 5- Após atingir um determinado limite de concentração ela não muda mais; 6- Quanto mais soluto é adicionado mais forte fica a cor da solução, 7- Quando se retira todo o líquido (solução) do recipiente o excesso de soluto fica no fundo; 8- Quando se dobra a quantidade de água (solvente) a concentração diminui pela metade; 9- Os botões para adicionar e retirar são sensíveis e tem que ser usados com cuidado. 10- Quando as soluções do simulador são adicionadas ao recipiente não é possível aumentar sua concentração, apenas diminuir com a adição do solvente. Todas as observações feitas pelos grupos foram escritas no quadro para que fossem posteriormente utilizadas no momento da discussão. Na sequência um formulário foi entregue à cada grupo com as seguintes perguntas: 1- Pode um ânion afetar a cor de uma solução? 2- Pode um cátion afetar a cor de uma solução? 3- Quais fatores influenciam a concentração de uma solução? 4- Foi possível desenvolver soluções insaturadas, saturadas e supersaturadas durante a utilização do simulador? 5- Quais relações matemáticas podem ser construídas a partir das simulações feitas pelo seu grupo. Para responder ao formulário, grande parte dos alunos solicitou usar novamente o simulador, Figura 3. As duas primeiras perguntas geraram bastante dúvida, inclusive em razão de alguns alunos não lembrarem a definição de cátions e ânions. Nesse momento, foi necessário rever conceitos de funções para identificar os compostos que estavam presentes no simulador na forma de sais. Ao simularem novamente eles verificaram que 3 cloretos estavam presentes e que apresentavam cores diferentes em solução; Cloreto de Sódio - incolor, Cloreto de Níquel(II)- verde e Cloreto de Cobalto(II) - laranja, e que a cor da solução também mudava na comparação entre cromato de potássio - laranja e dicromato de potássio - amarela. Alguns alunos disseram que perceberam a mudança de cor entre as soluções, mas acharam que era apenas para ilustrar. Outros alunos também fizeram a comparação entre as cores produzidas por cátions nas soluções do simulador e as cores produzidas no ensaio de chama em uma aula experimental realizada no início do ano no laboratório de ciências. Sobre os fatores que influenciam a concentração da solução, os alunos ficaram entusiasmados em responder o que compreenderam ao longo do processo. Responderam prontamente, quantidade de soluto, quantidade de solvente e volume da solução, justificando as observações feitas. Entretanto, apenas 2 grupos conseguiram apresentar alguma relação matemática entre as variáveis, concluindo que a concentração é inversamente proporcional ao volume da solução. Objetivando abordar a discussão sobre o tema, não apresentamos outras relações matemáticas possíveis a partir do uso do simulador como a relação entre volume e concentração inicial e final, por exemplo. Na última questão, todos os grupos informaram que não conseguiram fazer uma solução supersaturada, pois a partir de um determinado limite de soluto adicionado, a concentração da solução não sofria alteração e o excesso decantava. Neste momento alguns alunos mencionaram que talvez fosse possível saber quanto de excesso foi adicionado, pois perceberam que era possível fazer nova solução com a adição de água a esta quantidade decantada. Ao final da atividade os grupos foram convidados a relacionar os assuntos trabalhados através do simulador com o cotidiano e tentar não repetir as relações apresentadas pelo grupo anterior. Os cinco grupos forneceram as seguintes relações: 1- O pó que fica no fundo do copo seja de suco, nescau ou açúcar não faz parte da solução preparada. 2 - A experimentação por simuladores evita o descarte de substâncias químicas e por isso é ambientalmente correta. 3- Soluções podem ser concentradas ou diluídas através do aquecimento e da adição de solventes, respectivamente. Então, um suco pode ser aquecido para eliminar excesso de solvente quando estiver muito diluído. 4 - O dia quente faz evaporar mais água e aumenta a concentração de substâncias em lagos e piscinas. 5- As soluções concentradas tem mais princípios ativos e por isso não devem ser usadas do mesmo modo que as diluídas ou normais, fazendo referência ao sabão líquido e o desperdício. Alguns alunos disseram que apesar da atividade ter sido muito prazerosa gostariam de continuar tendo atividades experimentais de laboratório. Ao final da atividade os grupos foram convidados a explorar um pouco mais a plataforma e pensar em outras possíveis relações matemáticas para serem apresentadas na aula seguinte. A experimentação no ensino de ciências, amplamente discutida na literatura, é de fato fundamental para a compreensão de fenômenos que muitas vezes não são internalizados e alcançados através de aulas expositivas e ou totalmente teóricas. Visando desconstruir esse cenário, propício à manutenção de um ensino centrado no professor e com o aluno como receptor passivo, que afasta a inovação, principalmente a tecnológica em razão do vínculo à ideia de retrabalho e constante adaptação da atividade docente, diferentes metodologias e TICs estão sendo implementadas. Elas respondem pela forma como o ensino e a aprendizagem estão cada dia mais ligados ao processo de comunicação e a rápida transformação sofrida pelas metodologias ativas e pela construção do processo aprendizagem, de forma flexível, interligada, híbrida (Moran, 2017, Pereira et al, 2016; Carlini, 2008) Nesse sentido, os experimentos virtuais constituem-se como importante possibilidade de recurso didático-pedagógico, ao promover conexões entre os fenômenos reais e a ciência, através de atividades interativas, dinâmicas e divertidas (FAIÕES, 2021). (COELHO, 2002; CARVALHO, 2020). A BNCC para as Ciências da Natureza reforça essa proposta para os alunos do Ensino Médio, ao recomendar “[...]que os estudantes ampliem as habilidades investigativas desenvolvidas no Ensino Fundamental, apoiando-se em análises quantitativas e na avaliação e comparação de modelos explicativos. Além disso, espera- se que eles aprendam a estruturar linguagens argumentativas que lhes permitam comunicar, para diversos públicos, em contextos variados e utilizando diferentes mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), conhecimentos produzidos e propostas de intervenção pautadas em evidências, conhecimentos científicos e princípios éticos e responsáveis[...]” (BNCC, 2018, pg 538). As TICs agilizam o conteúdo da comunicação, através da digitalização e da comunicação em redes (Internet) para a captação, transmissão e distribuição das informações. A escolha da plataforma PhET como recurso didático-pedagógico está pautada nessas características, tendo em vista que os objetivos da ferramenta se resumem em: i) Incentivar a investigação científica; ii) Fornecer interatividade; iii) Tornar visível o invisível; iv) Mostrar modelos mentais visuais; v) Incluir várias representações (por exemplo, objeto de movimento, gráficos, números, etc.); vi) Usar conexões com o mundo real; vii) Dar aos usuários a orientação implícita na exploração

Fig 1

Simulado Phet Concentração

Fig 2:

Atividades disponíveis sobre os simulador concentração \r\nna plataforma PhET.\r\n

Figura 3:

Diferentes solutos oferecidos no simulador \r\nconcentração.\r\n

Conclusões

O uso de simuladores PhET provou ser uma importante ferramenta para a promoção da ciência e da alfabetização científica proporcionando uma aprendizagem autônoma sobre o ensino de Química e promovendo posicionamento crítico e engajado do cidadão. Além disso, a atividade interativa permitiu uma aprendizagem colaborativa entre pares e intercâmbio de informações entre os grupos de maneira leve e divertida, bem como uma significativa experiência para os futuros docentes que puderam desenvolver diferentes propostas pedagógicas, investindo, quer no âmbito da docência, das aprendizagens ou da avaliação. Durante a atividade exploratória muitas elaborações foram desenvolvidas pelos alunos e puderam ser empregadas nas aulas teóricas subsequentes. O formulário possibilitou que novas descobertas fossem percebidas e discutidas pelos estudantes, mostrando que além do conteúdo Concentração, outras propostas são possíveis de serem trabalhadas, inclusive como revisão de conteúdos anteriores. A proposta de discussão ao final permitiu a todos extrapolarem a sala de aula e conectarem-se com suas experiências diárias e pessoais, ressignificando o aprendizado obtido. Desse modo, compreendemos que a experimentação através da simulação cumpriu a função de alimentadora desse processo de significação do mundo, da criação de modelos mentais que servem de sistemas intermediários entre o mundo e sua representação e possibilitou que o educando visse o fenômeno com clareza, por repetidas vezes, compreendendo em muitos casos conceitos abstratos e complexos, que nem sempre podem ser realizados em razão da escassez de laboratórios, materiais e equipamentos, infelizmente, uma realidade comum no espaço escolar brasileiro.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Faperj e Proppi pelo apoio financeiro

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