Autores

Pires, N.R. (UFC) ; Silva, M.G.V. (UFC)

Resumo

O ensino remoto emergencial imposto durante a pandemia de COVID 19 estimulou a adoção de novas estratégias metodológicas aliadas às Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação como o uso de vídeos de aulas experimentais. Nesse contexto, a produção de vídeos com experimentos de química pelo Departamento de Química Analítica e Físico-Química-UFC, oportunizou a alunos de diferentes cursos o suporte a componentes curriculares de Química Analítica de caráter experimental, para o alcance dos objetivos de aprendizagem, durante esse período. Os vídeos analisados encontram-se disponíveis plataforma YouTube e foram avaliados à luz das métricas apresentadas por essa plataforma, visando uma reflexão sobre a utilização dos vídeos à época da emergência de COVID 19, atual e futuramente.

Palavras chaves

vídeos de experimentos; Química Analítica; ensino híbrido

Introdução

A pandemia de COVID 19 trouxe consigo quebras de paradigmas no campo da educação. O ensino remoto emergencial se impôs visando mitigar os danos à educação causados pela interrupção repentina de aulas presenciais. Nesse cenário, as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) são protagonistas, principalmente quando se trata do desafio de realizar remotamente as aulas experimentais (ROCHA et al., 2022). Os vídeos como recurso para o ensino e a aprendizagem caracterizam-se como materiais multimídia, e a aprendizagem alcançada a partir de sua utilização pode ser compreendida pela Teoria Cognitiva da Aprendizagem Multimídia (TCAM) desenvolvida por Richard E. Mayer (MAYER, 2009). A teoria destaca um maior aprendizado a partir do uso conjugado de palavras e imagens, respeitando aspectos que coadunem com os três objetivos essenciais à produção de material multimídia apresentados por Mayer: 1) Redução do processamento de conteúdo supérfluo, 2) Gerenciamento do entendimento essencial e 3) Promoção do processamento criativo (MESSER, 2019). No ensino de Química, mesmo antes da popularização das plataformas digitais de compartilhamento de vídeo, quando o acesso a recursos de produção de vídeos era dificultado pelo custo, algumas instituições de ensino nos Estados Unidos, propuseram a utilização de imagem de experimentos em vídeo como ferramenta pedagógica em sala de aula por meio de gravação ou em tempo real (O'CONNOR, BARNAR e LAGOWSKI, 1968). O uso de vídeos no ensino de Química facilita a demonstração dos fenômenos estudados, esclarecendo o que muitas vezes é difícil de explicar textual ou oralmente (FEIJÓ et al., 2022). Ademais, as mídias fazem parte do universo do aluno o que proporciona meios para uma aprendizagem mais significativa (FIGUEIREDO et al., 2020). Nesse contexto, destaca-se a plataforma YouTube como recurso acessível capaz de contribuir com diferentes propostas pedagógicas, e motivando os alunos. O YouTube é a segunda rede social mais utilizada no Brasil (FORBES, 2023) o que facilita divulgação e acesso à informação. Pesquisas foram e vêm sendo realizadas com o intuito de investigar a produção e utilização de vídeos para o YouTube com fins educacionais, para o ensino de diferentes conteúdos e em diferentes níveis de ensino (VALENÇA et al., 2021; ALVES NETO e LEITE, 2023). O presente trabalho justifica-se pela importância de pensar os frutos da incorporação de novas metodologias e tecnologias durante a pandemia de COVID 19, e seu impacto no contexto atual com o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2023). A pesquisa objetiva analisar métricas do YouTube para os vídeos de experimentos de Química Analítica produzidos no Departamento de Química Analítica e Físico-Química da Universidade Federal do Ceará (DQAFQ-UFC). Utilizou-se um recorte temporal que se inicia no ensino remoto emergencial, segundo semestre de 2020 e finda no primeiro semestre de 2023, período no qual as aulas presenciais já foram retomadas, realizando uma apreciação crítica para a utilização dos vídeos em um contexto pós-pandemia.

Material e métodos

Os vídeos analisados foram produzidos pela equipe técnica do Departamento de Química Analítica e Físico-química da UFC (DQAFQ-UFC) sob a supervisão do corpo docente do departamento (PIRES, 2021). Foram analisados dados de acesso dos vídeos produzidos para as turmas de diferentes cursos: Farmácia, Engenharia de Alimentos, Química, Biotecnologia, dentre outras. Os vídeos foram disponibilizados em plataforma gratuita (YouTube), com acesso por meio do link de uma lista de reprodução (https://bit.ly/qaaplicada) contendo todos os vídeos correspondentes a experimentos adotados nos manuais de práticas e disponibilizado pelo professor ou professora de cada turma. Foram analisadas as métricas de 15 vídeos que abordavam os seguintes experimentos: 1 – Uso da balança analítica; 2 – Preparo de solução de NaOH; 3 – Padronização de solução de NaOH; 4 – Preparo de solução de HCl; 5 – Padronização de solução de HCl; 6 – Análise de bromato, iodato e ferro; 7 – Análise de Fósforo; 8 – Análise da água do mar; 9 – Determinação de acidez em leite; 10 – Determinação de acidez em vinagre; 11 – Determinação de acidez em refrigerante; 12 – Determinação de cloretos em água; 13 – Determinação de peróxido de hidrogênio em água oxigenada; 14 – Determinação de Dureza total em água; 15 – Análise gravimétrica por volatilização. A análise dos vídeos foi realizada por meio da ferramenta “YouTube Analytics” disponível na própria plataforma do YouTube, que viabiliza a análise de métricas dos vídeos utilizados. Foram considerando intervalos semestrais, que correspondem ao regime de oferta das disciplinas. O período analisado compreende semestres que vão de 01 de julho de 2020 a 30 de junho de 2023. A seleção de dados contemplou: número de visualização e tempo médio de visualização para cada um dos vídeos, e os dispositivos utilizados para acesso.

Resultado e discussão

O período de implementação dos vídeos de experimentos de Química Analítica corresponde ao segundo semestre do ano de 2020, cerca de 6 meses após a pandemia de COVID 19 ser decretada pela OMS. Nesse semestre, foram publicados apenas quatro vídeos: 1 – Uso da balança analítica; 2 – Preparo de solução de NaOH; 3 – Padronização de solução de NaOH e 4 – Preparo de solução de HCl. Os demais vídeos foram publicados no semestre seguinte. Na Figura 1a observa-se um valor de 1.625 que equivale ao número de visualizações dos quatro vídeos produzidos no semestre 2020.2, correspondendo assim a uma média de 406 visualizações por vídeo e um total de 103 horas em tempo de exibição. No mesmo período destaca-se o vídeo “Preparo de solução de HCl” como o mais assistido em número de visualizações (540) (Figura 1d) e em tempo de exibição (31,7 h). No semestre seguinte, 2021.1, tem-se a incorporação dos demais vídeos na lista de reprodução e a expansão do uso dos vídeos para outras turmas, o que reflete no aumento do número de visualizações, sendo cerca de três vezes maior que os valores de visualização no semestre anterior (Figura 1a). A partir do retorno às aulas presenciais no âmbito da UFC, tem-se uma queda no número de visualizações e no tempo de exibição dos vídeos, segundo os dados dos semestres seguintes. Esse comportamento pode ser entendido por uma perspectiva de abandono de novas tecnologias e metodologias com o retorno das aulas presenciais, mas também por um ponto de vista mais otimista pode-se refletir sobre a utilização dos vídeos, ainda que em menor extensão, mesmo após o retorno das aulas presenciais. Assim, pode-se vislumbrar um futuro voltado para um ensino com caráter mais híbrido (DE SOUZA, DE LEMOS, DOS SANTOS, 2022). Um destaque deve ser dado aos dados apresentados na Figura 1c, com valores que variam de 41 a 66% que representam a porcentagem de tempo de vídeo que os alunos permanecem assistindo, ou seja, em geral os vídeos não são reproduzidos até o final e os alunos não entram em contato com a apresentação do experimento em sua completude. Segundo Duffy (2008) a interação entre o aluno e o vídeo com fins na aprendizagem não deve ser meramente passiva, e nesse momento o professor torna-se fundamental para estabelecer estratégias para manter os estudantes atentos e direcionados, como: Solicitar anotações durante o vídeo coletivamente ou individualmente; reexibir o vídeo em sala de aula pausando o vídeo em alguns momentos e solicitar que os alunos lembrem o que acontece no momento seguinte; questionar ou indicar itens a procurar ao longo do vídeo, dentre outras (VALENÇA et al., 2021). Foram averiguados os dispositivos utilizados para acessar os vídeos (Figura 2a) e percebe-se uma predominância do uso do computador seguida do uso de dispositivos móveis, como celulares. A produção de material em vídeo deve levar em consideração o tipo de dispositivo de acesso para nortear a escolha de tamanho das ilustrações e fontes de textos a ser utilizadas, principalmente considerando que 29% das visualizações ocorreram pela tela de um celular. Também foram identificados os vídeos com maior número de visualização em cada semestre (Figura 2b). Observa-se uma predominância de vídeos relacionados a experimentos de volumetria de neutralização e precipitação. Destaca-se que esses experimentos são realizados no início de cada semestre e comuns à maioria das turmas que cursam componente curriculares de Química Analítica.

Figura 1

Figura 1 - Informações sobre visualização dos vídeos

Figura 2

Figura 2 - Dispositivos (a) e vídeos mais vistos (a)

Conclusões

A redução do número de visualizações dos vídeos após o retorno das aulas presenciais inspira um pensamento reflexivo sobre a utilização de vídeos de experimentos não como substitutos das aulas presenciais, mas sim como complementar ao processo de ensino e aprendizagem, independente da modalidade de ensino. Os acessos aos vídeos nos últimos semestres revelam um interesse por parte dos docentes em manter o uso de tecnologias e novas metodologias no pós-pandemia, buscando estratégias híbridas para o ensino e incorporando-as à sua prática docente mesmo em regime presencial.

Agradecimentos

Aos Técnicos e Técnicas dos Laboratórios Didáticos do Departamento de Química Analítica e Físico-Química - UFC.

Referências

ALVES NETO, F. A.; LEITE, B. S. Análise dos tipos de engajamentos em vídeos produzidos para o ensino de química no YouTube em 2021. Revista REAMEC, v. 11, n. 1, 2023.

DE SOUZA, A.; DE LEMOS, L. F.; DOS SANTOS, A. P. F. Um desafio pandêmico: uma leitura sobre a Educação Híbrida durante e após a pandemia do COVID-19. Revista Concilium, v. 22, n. 5, p. 912-921, 2022.

DUFFY, P. Engaging the YouTube Google-eyed generation: Strategies for using Web 2.0 in teaching and learning. Electronic Journal of E-learning, v. 6, n. 2, 2008.

FEIJÓ, A. L. R. et al. Ambiente Virtual de Ensino em Laboratórios de Química (AQuí): Expandindo o Ensino no YouTube. EaD em Foco, v. 12, n. 1, e1623, 2022.
FIGUEIREDO, F. et al. O YouTube como ferramenta de educomunicação para o ensino laboratorial de química. Anais do Salão Internacional de Ensino, Pesquisa e Extensão, v. 11, n. 1, 14 fev. 2020.

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MAYER, Richard E. Multimedia learning. 2 ed. Nova Iorque: Cambridge, 2009.

MESSER, A. T. “APRENDI NO YOUTUBE!”: INVESTIGAÇÃO SOBRE ESTUDAR MATEMÁTICA COM VIDEOAULAS. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro. 2019.

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PIRES, N. R. P. VÍDEOS DE EXPERIMENTOS COMO OBJETOSDIGITAIS DE APRENDIZAGEM(ODAs)EM DISCIPLINAS DE QUÍMICA ANALÍTICA NO ENSINO SUPERIOR. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Química) –
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ROCHA, R. C. M.; CORRÊA, R.P.; ARAÚJO-JORGE, T. C.; FERREIRA, R. R. Possibilidades na educação durante a pandemia de covid-19: as tecnologias digitais da comunicação e informação (tdics). Revista Humanidades e Inovação, v. 9, n. 5, 2022.

VALENÇA, B. A.; WEBER, C.; KRUPCZAK, C.; AIRES, J. A. Uma análise de vídeos para o ensino de Química. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, v. 20, n. 2, 2021.