Autores

Rodovalho, F.M. (UFG) ; França, F.A. (UFG) ; Benite, C.R. (UFG)

Resumo

O vidro é um material muito utilizado na produção de instrumentos culturais da Química, como as vidrarias de laboratório. A pipeta, tubo longo e estreito com abertura nas extremidades é um equipamento usado para medidas precisas de volumes de substâncias em experimentos, contudo impróprio para ser manuseado por pessoas com deficiência visual, pois a precisão está atrelada a acuidade visual conferida pela posição do menisco em relação à marcação do volume no instrumento. Contendo elementos da pesquisa participante, este estudo se fundamenta na formação docente em Química para a inclusão escolar e trata do design e prototipagem de um adaptador para um pipetador manual visando a inclusão de alunos com deficiência visual em experimentos que envolvam medidas de volume.

Palavras chaves

Ensino de Química; Prototipagem; Tecnologia Assistiva

Introdução

O vidro é um material que contém diversas propriedades e composições sendo muito utilizado nas atividades humanas. Na Química, há séculos “é o material usado como suporte para uma infinidade de operações” (SILVA e FILGUEIRAS, 2023, p.491) e no período da Renascença “penetrou maciçamente nos instrumentos e recipientes dos laboratórios alquímicos e químicos” (SILVA e FILGUEIRAS, 2023, p.493). E foi Joseph Louis Gay-Lussac (1778-1850), químico e físico francês, que pela primeira vez adotou a expressão “pipeta” (derivada de pipe que significa flauta em francês) numa prática de padronização de soluções (OLIVERIA et al., 2018). A pipeta é um instrumento de vidro muito usado em experimentos auxiliando na medida e transferência de substâncias líquidas com precisão. A pipeta graduada “é um tubo longo e estreito, aberto nas duas extremidades, marcado com linhas horizontais que constituem uma escala” (PINTO, 2015, p.1), possibilitando medidas variadas de volumes. Já a pipeta volumétrica permite medir com precisão apenas uma quantidade específica de volume. Para obter uma medida precisa, a substância deve ser sorvida pela pipeta com a ajuda de um pompete, também conhecido como pera, até alcançar a quantidade necessária que é aferida visualmente à parte inferior da curva formada pelo líquido, conhecida por menisco (efeito provocado pela atração intermolecular entre as moléculas do vidro e do líquido). No entanto, devido à necessidade de observação visual para a obtenção de precisão na medida de volume numa pipeta, como um aluno com deficiência visual conseguirá obter êxito nessa atividade? Este estudo versa sobre como um adaptador de pipetador manual pode contribuir para a inclusão de alunos com deficiência visual em experimentos envolvendo a pipetagem de substâncias.

Material e métodos

A Química é uma Ciência experimental que usa de instrumentos culturais específicos (vidrarias, equipamentos e modelos) para os estudos e desenvolvimento de habilidades técnicas. Contendo elementos da Pesquisa Participante (LE BOTERF, 1999), o plano de fundo deste estudo foi compreender as barreiras que dificultam a ação de DV em experimentos que envolvam pipetagem como pressupostos para o planejamento de ações que contribuam para a inclusão escolar. Considerando que a pipetagem de substâncias exige precisão que se sujeita a observação visual da posição do menisco em relação à graduação da pipeta, realizamos neste estudo o design e construção de um adaptador para pipetador manual comercializado que atue como tecnologia assistiva (TA) em experimentos que exijam medidas precisas e transferências de líquidos. A TA é uma área interdisciplinar do conhecimento que engloba produtos, recursos, estratégias, serviços que “objetivam promover a participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social” (BENITE et al., 2017, p.99). O estudo foi desenvolvido por professores em formação inicial (PFI) e continuada (PFC), numa parceria com uma Instituição pública de Apoio ao ensino regular que atende aos DV e contou com 8 alunos com variados graus da deficiência à cegueira total. O equipamento foi criado no Núcleo de Tecnologia Assistiva do nosso Laboratório de Pesquisas e contou com o auxílio de uma equipe multidisciplinar que dá suporte ao ensino e a formação de professores de Química, numa abordagem STEAM (acrônimo de Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática), integrando à formação de professores conhecimentos de áreas afins como proposta multidisciplinar, tecnológica e inclusiva.

Resultado e discussão

Por meio da atividade, o indivíduo se apropria das criações históricas da humanidade transformando a realidade objetiva em imagem subjetiva contribuindo para a constituição de novos elementos culturais possibilitando a conversão dessa imagem em nova realidade (LEONTIEV, 1978). Dessa forma, o conhecimento é apreendido nos contextos sociais por meio de relações e interações estabelecidas com os outros, permitindo compreender a realidade e determinar meios e recursos adequados que contribuam para alcançar objetivos propostos. No entanto, a aprendizagem do conhecimento não pode estar condicionada apenas a visão, pois no caso dos DV o professor precisa incentiva-lo a interatividade com o uso da linguagem (conjunto de signos, como as fórmulas e equações químicas), preferencialmente, com o apoio de instrumentos culturais que permitam o acesso à informação pelos demais sentidos, atuando como TA. Para a medida de volumes foi criado por PFI um adaptador para pipetadores manuais (Figura 1) que controla o volume que será sorvido pela pipeta, como apresentado por PFC aos DV no extrato 1 (Figura 2). A limitação visual dificulta a ação dos DV, como dito por A1 sobre o controle do enchimento de um copo d’água com o dedo e diante do desafio identificamos no tato o sentido adequado para a criação de um protótipo que atendesse a especificidade (OLIVEIRA et al., 2020), apresentado por PFC. O adaptador foi criado em software modelador de código aberto, confeccionado em impressora 3D e, preso ao pipetador, permite o professor definir previamente a quantidade de volume a ser sorvida pelos DV (considerando o limite da pipeta), dúvida apresentada por A1, que pelo tato sente o momento em que a sucção foi concluída.

Figura 1

Imagem do adaptador (em verde) de pipetador sendo \r\nmanuseado por DV.

Figura 2

Extrato do diálogo de aula sobre o uso do pipetador \r\ncom adaptador.

Conclusões

A Química é uma Ciência teórico-prática e um dos papéis do professor é facultar propostas que possibilitem um ensino igualitário, inclusivo e de qualidade a todos os estudantes. Os resultados deste estudo salientam que apesar dos experimentos convencionais dependerem, majoritariamente, do sentido visual como principal canal de coleta e interpretação teórica dos dados obtidos, a criação de instrumentos acessíveis e adaptados que atuem como tecnologia assistiva pode contribuir para participações autônomas de alunos com deficiência visual nessas atividades que há tempos tem caráter excludente.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal de Goiás.

Referências

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LE BOTERF, G. Pesquisa participante: propostas e reflexões metodológicas. In: BRANDÃO, C.R. (Org.). Repensando a Pesquisa Participante. 3. Ed. São Paulo: Brasiliense, pp.52-81, 1999.
LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.
OLIVEIRA, I.T.; ZUCCHERATTO, K.M.C.; GRANADO, I.Z.; HOMEM-DE-MELLO, P. e OLIVEIRA, H.P.M. De onde vêm os nomes das vidrarias de laboratório? Química Nova, v.41, n.8, p.933-942, 2018.
OLIVEIRA, M.S.G.; FRANÇA, F.A.; FARIA, B.A.; BENITE, A.M.C. e BENITE, C.R.M. Estudos acerca da participação guiada de alunos cegos ou com deficiência visual em experimento sobre destilação alcoólica. In: ADAMS, F.W.; FALEIRO, W. e SILVA, L.C. (Orgs.). Processos educativos em Ciência da Natureza na Educação Especial. Goiânia: Kelps, 2020.
PINTO, J.R. Pipeta de graduada. Revista de Ciência Elementar, v.3, n.1, 2015.
SILVA, W.T. e FILGUEIRAS, C.A.L. O vidro e a sua importância na vida e na Química. Química Nova, v.46, n.5, p.491-501, 2023.