Autores
Lima, J.R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ) ; Soares, L.F. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ) ; Silva, M.G.V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ)
Resumo
Os produtos e processos biotecnológicos estão presentes no cotidiano de todos e a escola tem papel fundamental de incentivar o desenvolvimento crítico e intelectual dos estudantes frente a essas tecnologias. Nesse contexto, este estudo buscou identificar a frequência com que a Biotecnologia é citada nas pesquisas em Ensino de Química, no âmbito do Simpósio Nacional de Educação Química (SIMPEQUI). Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, de natureza mista e caráter exploratório. A coleta de dados ocorreu com base nos Anais deste evento, de 2012 a 2022. A análise temática foi utilizada para a análise dos dados. Os resultados apontaram que a abordagem da Biotecnologia na Educação Básica está em fase de expansão, no entanto, ainda é considerada insuficiente e incipiente.
Palavras chaves
Biotecnologia; Produtos biotecnológicos; Ensino de Química
Introdução
A Biotecnologia é uma ciência multidisciplinar que combina conhecimentos sobre Biologia, Química, Engenharia Genética, Bioquímica, Informática, entre outras áreas, para a obtenção de produtos, processos e tecnologias com as mais diversas aplicações. Na Convenção sobre Diversidade Biológica, a Organização das Nações Unidas (ONU) definiu Biotecnologia como “qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilização específica” (BRASIL, 2000, p. 9). Já a International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC) conceitua a Biotecnologia como “a integração das Ciências Naturais e Ciências da Engenharia no intuito de aplicar organismos, células, suas partes e análogos moleculares para produzir produtos e serviços” (IUPAC, 2012, p. 167). As aplicações biotecnológicas estão incluídas nos setores energético, industrial, ambiental, alimentício e da saúde. Comprovadas através do desenvolvimento de transgênicos, biogás, bioetanol e outros combustíveis a partir de biomassa, plásticos biodegradáveis, detergentes mais eficientes e atóxicos, processos de despoluição de águas, produção de medicamentos, vacinas e antibióticos, por exemplo (MALJOVICH, 2016). Não se trata de uma perspectiva futura, os bens e serviços da Biotecnologia estão presentes no cotidiano de todos nós e a escola tem papel fundamental de incentivar o desenvolvimento crítico e intelectual dos estudantes frente aos avanços da ciência, da tecnologia e de seus impactos nas vidas desses. A análise de fenômenos biotecnológicos aproxima a comunidade escolar, as pesquisas científicas e a produção tecnológica e industrial (KRASILCHIK, 2019). Nesse sentido, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias para o Ensino Médio, estabelece como competência específica “investigar situações-problema e avaliar aplicações do conhecimento científico e tecnológico e suas implicações no mundo, utilizando procedimentos e linguagens das Ciências da Natureza” (BRASIL, 2019, p. 558). Dessa forma, o ensino de Química é fundamental para a compreensão do conhecimento sobre Biotecnologia na Educação Básica. Isso inclui o detalhamento de conceitos como estrutura molecular, reações químicas, propriedades dos elementos e compostos químicos, das enzimas, assim como os princípios de equilíbrio químico (MALAJOVICH, 2016). Em vista disso, a partir da hipótese de que as temáticas biotecnológicas ainda são pouco discutidas nas pesquisas em Ensino de Química, a questão que norteou esta pesquisa foi: com que frequência Biotecnologia tem sido explorada nas pesquisas em Ensino de Química? Com a intenção de responder a tal questionamento, este estudo buscou identificar a frequência com que a Biotecnologia é citada nas pesquisas em Ensino de Química, no âmbito do Simpósio Nacional de Educação Química (SIMPEQUI) de 2012 a 2022. O referido simpósio é um evento organizado pela Associação Brasileira de Química (ABQ) desde 2003 e tem grande relevância no cenário científico nacional e fomenta debates entre pesquisadores, professores e estudantes acerca de temáticas relacionadas ao Ensino de Química entre outros eixos de pesquisa.
Material e métodos
O estudo é caracterizado como uma pesquisa mista e exploratória. Esses modelos de pesquisa combinam informações de natureza qualitativa e quantitativa, bem como aproveitam a sinergia metodológica para elucidar as questões de pesquisa (CRESWELL; CRESWELL, 2021). No aspecto teórico-metodológico, a pesquisa adota os pressupostos da pesquisa bibliográfica, pois é desenvolvida com base em materiais previamente publicados (GIL, 2021). Para a coleta de dados, realizou-se uma busca nos Anais do SIMPEQUI, desde 2012 até 2022, a fim de localizar trabalhos que tratavam de assuntos relacionados à Biotecnologia. O processo de busca foi conduzido, inicialmente, pela leitura dos títulos, do resumo e palavras-chave dos artigos, posteriormente, pela leitura na íntegra dos trabalhos selecionados. A seleção dos estudos foi feita com base em critérios específicos, que incluíam a abordagem de conceitos e/ou produtos e processos biotecnológicos, consoante Malajovich (2016). Para a análise e o tratamento dos dados, foi utilizada a análise temática que, conforme Gil (2021), refere-se a um processo que se dedica ao estudo de temas e à análise das relações que existem entre eles.
Resultado e discussão
A busca e seleção dos estudos foram realizadas empregando os procedimentos
metodológicos estabelecidos na seção anterior, com o objetivo de responder à
questão de pesquisa. A seguir, serão apresentados os resultados e a análise do
estudo.
Contatou-se que 1762 trabalhos foram publicados nos Anais do SIMPEQUI de 2012 a
2022. Dentro desse conjunto de dados, foram identificados trinta artigos (Quadro
1) relacionados à Biotecnologia, o que representa, aproximadamente, 1,7% do
total de publicações recebidas pelo evento em suas últimas dez edições.
O Gráfico 1 mostra o número de trabalhos por edição do evento. De acordo com
esses resultados, pode-se observar que o 12º SIMPEQUI, ocorrido em 2014 em
Fortaleza, Ceará, foi a edição que apresentou o maior número de estudos
publicados (13) associados à Biotecnologia. As demais edições registraram
números que variam entre 0 e 3 trabalhos.
Dessa forma, é possível que o total de trabalhos registrados em 2014 seja
explicado devido à temática do evento - “Sustentabilidade e Ensino de Química”.
Tal fato pode ter favorecido a publicação de artigos sobre Biotecnologia,
considerando as inúmeras aplicações biotecnológicas no setor ambiental. Quanto à
maneira da inserção da Biotecnologia nas pesquisas em Ensino de Química, todos
os trabalhos evidenciaram, apenas, os produtos e processos biotecnológicos, sem
mencionar a Biotecnologia e seus aspectos conceituais.
Os estudos trataram de temáticas como biocombustíveis (77%), bioplásticos (7%),
biodigestores (7%), biorremediação (3%), biopesticidas (3%) e biocola (3%). Em
relação aos biocombustíveis, os artigos discutiram o etanol e o biodiesel, a
partir de biomassa, em contextos voltados ao Ensino de Química na Educação
Básica e no Ensino Superior, com destaque para os aspectos teóricos e
experimentais. A maioria dos trabalhos analisados, 87%, apresentou como
estratégia de ensino, a experimentação, que leva a uma aprendizagem
significativa e contextualizada aliada ao protagonismo e interesse do educando
(SANTOS, MENEZES, 2020).
As temáticas biodigestores e biorremediação foram trabalhadas de forma
interdisciplinar com outras áreas do conhecimento, a exemplo da Biologia, e
abordaram questões ambientais como a poluição e os resíduos sólidos. Os
biopesticidias foram debatidos a partir de uma atividade de ensino investigativo
para o Ensino Fundamental, enquanto a biocola foi apresentada a partir de uma
experiência apoiada na caseína do leite.
De acordo com Malajovich (2016), os produtos e processos biotecnológicos têm
inúmeras aplicações e contemplam os diversos setores da sociedade. Logo, esses
resultados reforçam o que Marcelino e Marques (2017) apontaram ao investigarem
as relações que os professores estabeleceram com o ensino de Química ao
destacarem que a abordagem da Biotecnologia na Educação Básica, mesmo em
expansão, ainda é insuficiente e incipiente. Os autores afirmaram que existem
diversos desafios que dificultam a inclusão da Biotecnologia no ensino, os quais
podem estar relacionados tanto à estrutura do conhecimento biotecnológico quanto
a questões contextuais, com destaque para os aspectos políticos. Pedrosa e Costa
(2020) apontam que a formação do professor deve ser revista em face às atuais
mudanças socioambientais e a necessidade de divulgação dos avanços da ciência e
da tecnologia no contexto escolar.
Lista de trabalhos que abordam temáticas \r\nbiotecnológicas nas últimas edições do SIMPEQUI
Quantidade de trabalhos que abordam temáticas \r\nbiotecnológicas nas últimas edições do SIPEQUI
Conclusões
Este estudo visou identificar com que frequência a Biotecnologia é citada nas pesquisas em Ensino de Química, no âmbito do Simpósio Nacional de Educação Química (SIMPEQUI), desde 2012 até 2022, concluindo-se que os biocombustíveis estiveram presentes na grande maioria dos relatos. A justificativa se dá pela característica interdisciplinar desta temática que permite envolver vários aspectos do Ensino em sala de aula, e que integra a Química, a Biologia e os processos tecnológicos na obtenção de um produto de grande importância no contexto econômico e ambiental. Por meio desse cenário de pesquisas no Ensino de Química, é possível inferir que a abordagem sobre Biotecnologia na Educação Básica e no Ensino Superior está em fase de expansão, no entanto, ainda é considerada insuficiente e incipiente. Apesar dos esforços para a inclusão desta temática no currículo escolar, ainda há uma lacuna no ensino dessa área que não é explorada de maneira abrangente nem aprofundada. Isso pode ser atribuído a diversos fatores tais como a falta de recursos e de materiais didáticos adequados, contudo, a formação do docente em Biotecnologia e seu ensino ocupam papel central nessa discussão. Por conseguinte, é necessário um maior investimento em pesquisas que fortaleçam o debate entre o Ensino de Biotecnologia e a formação do professor, especialmente nas relações entre Química e Biologia, para que haja uma compreensão mais completa e significativa desse campo do conhecimento e sua abordagem na Educação Básica.
Agradecimentos
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/#medio>. Acesso em: 01 jul. 2023.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB. Brasília: MMA, 2000. Disponível em: <https://www.gov.br/mma/pt-br/textoconvenoportugus.pdf>. Acesso em: 01 jul. 2023.
CRESWELL, J. W.; CRESWELL, J. D. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 5 ed. Porto Alegre: Penso, 2021.
GIL, A. C. Como fazer pesquisa qualitativa. Barueri: Atlas, 2021.
IUPAC; Compendium of Chemical Terminology Gold Book, version 2.3.2, p. 167, 2012.
KRASILCHIK, M. Prática de Ensino de Biologia. 4 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2019.
MALAJOVICH, M. A. Biotecnologia. 2 ed. Axcel: Rio de Janeiro, 2016.
MARCELINO, L. V.; MARQUES, C. A. Compreensões de professores sobre abordagens das Biotecnologias no Ensino de Química. Alexandria: R. Educ. Ciên. Tec., Florianópolis, v.10, n. 1, p. 119-142, maio 2017. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.5007/1982-5153.2017v10n1p119>. Acesso em: 01 jul. 2023.
PEDROSA, S. M. P. A.; COSTA, L. F. Biotecnologia, Alfabetização Científica e Formação de Professores face às urgências da Educação Contemporânea. RECM, v. 10, n. 3, p. 42-54, 2020. Disponível em: <http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/recm/article/view/6563/3316>. Acesso em: 01 jul. 2023.
SANTOS, L. R.; MENEZES, J. A. A experimentação no ensino de Química: principais abordagens, problemas e desafios. Revista Eletrônica Pesquiseduca, v. 12, n. 26, p. 180, 2020. Disponível em: <https://periodicos.unisantos.br/pesquiseduca/article/view/940>. Acesso em: 01 jul. 2023.