Autores
Sousa, A.P.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ) ; Silva, M.G.V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ) ; Rodrigues, B.S.F. (IFCE)
Resumo
Quintal Químico é um instrumental de ensino-aprendizagem interdisciplinar, desenvolvido em uma práxis com potencial para auxiliar os educandos no entendimento da dualidade teórico-prática do conhecimento, a partir da análise de seu contexto social. Este material educativo é constituído de 10 (dez) sequências didáticas e sua elaboração se deu por intermédio de uma tipologia intercontextual e abordagem qualiquantitativa, após uma pesquisa de campo com estudo de caso comparado entre duas instituições de Ensino Médio: uma regular e outra profissionalizante. Esta proposta de ensino, aplicada em uma das escolas investigadas, possibilitou a reavaliação estruturante do ensino de Química e o despertar da consciência crítico-libertadora e do aprendizado histórico- dialético da Química.
Palavras chaves
Ensino de Química; Química dialética; Práxis intercontextual
Introdução
O Quintal Químico é um espaço pedagógico de aprendizagens. A escolha desse nome se deu por transmitir a ideia de um lugar de descobertas que faz um convite à vivência interdisciplinar do saber complexo. Acredita-se que ele ajuda a desmistificar as ideias equivocadas e ameniza o sentimento repulsivo que muitos discentes têm em relação ao estudo da Química. Foi nessa perspectiva de produzir um material educativo significativo para os jovens educandos e educadores de Química do Ensino Médio regular e profissionalizante que elaborou-se, entre 2019 e 2021, uma proposta de ensino compilada em 10 (dez) Sequências Didático-Metodológicas Intercontextuais (SEDIMI’s). As SEDIMI’s representam uma coletânea de dados teórico-práticos voltadas para o ensino de Química. Caracterizam-se como um instrumental de ensino- aprendizagem sociocientífico das realidades materiais docentes e discentes. Visa a melhoria do ensino de Química nas escolas públicas estaduais de Fortaleza-CE. É uma Práxis Químico-Intercontextual (PQI) que surge a partir da análise do contexto social dos sujeitos educativos e que pode ser capaz de enfrentar a dualidade teórico-prática do conhecimento. Essa proposta de ensino sustenta-se nas concepções de aprendizagem do ensino de Química do século XXI e são pautadas nas ideias de Freire (1987, 1995, 1996) sobre a pedagogia crítico- libertadora da realidade; Fazenda (1999, 2011) e Japiassu (1976) acerca da interdisciplinaridade do saber; Morin (2015) a respeito da complexidade do conhecimento planetário e totalizante; e de Engels e Marx (1998, 2011), Konder (2008), Malagodi (1988) e Bottomore et. al. (2012) no tocante ao método histórico-dialético da realidade dos sujeitos educativos. Foi um trabalho organizacional dos processos de (re)construção do conhecimento que teve como base estrutural: fatos históricos contextualizados com momentos de interdisciplinaridade dialética entre os sujeitos educativos, práxis intercontextual e aprofundamento teórico-prático do conhecimento químico. O Quintal Químico é uma categoria epistemológica que emana da emancipação social, crítica e histórica do sujeito enquanto construtor do saber articulado e transformador das injustiças sociais do mundo opressor. Ele contribui com a formação de um sujeito dialético, interdisciplinar e omnilateral.
Material e métodos
O itinerário metodológico do Quintal Químico, que resultou na estruturação das 10 (dez) Sequências Didático-metodológicas Intercontextuais (SEDIMI’s), tem um ponto de partida que apetece um ponto de chegada. Foi das dificuldades de ensino-aprendizagem dos jovens educandos e educadores no estudo da Química até às concepções propositivas de inovação desse componente curricular numa perspectiva intercontextual: interdisciplinar e contextualizada da realidade. A sua elaboração se deu por intermédio de uma tipologia intercontextual e abordagens qualitativas e quantitativas, consoantes com as ideias de Bardin (2002) e de Lüdke e André (1986), após uma pesquisa de campo com estudo de caso comparado (BARTLETT; VAVRUS, 2017) entre duas instituições de Ensino Médio: Escola Estadual de Ensino Médio Mariano Martins e Escola Estadual de Educação Profissional Joaquim Moreira de Sousa, localizadas em Fortaleza-CE. Cada sequência didática foi proposta de acordo com os conteúdos de Química a serem estudados e sua aplicação tem duração de 5 h/aula distribuídas em 3 (três) etapas: •1.ª Etapa: Fato histórico contextualizado com momentos de interdisciplinaridade dialética entre os sujeitos educativos – Momento de confrontação coletiva de ideias para analisar um fato material histórico com discussão opinativa entre os educandos e análise dialética de um acontecimento da atualidade, dialogando com os saberes complexos por meio de questionamentos e argumentações; •2.ª Etapa: Práxis intercontextual – Momento inter-relacional, mediado pelo(a) professor(a), onde os jovens educandos vivenciam experimentos presenciais, com o suporte do detalhamento da aula teórico-prática, elaboração do relatório da aula teórico-prática e da partilha permanente do E-book Quintal Químico (E-Boquin) – Um recurso midiático digital que funciona como uma ferramenta de apoio para a implementação dessa proposta de ensino; •3.ª Etapa: Aprofundamento teórico-prático do conhecimento químico – Momento de consolidação das bases conceituais, procedimentais e atitudinais do conhecimento químico, conforme Zabala (1998), com leituras coletivas, explicações coletivas e individuais, resolução e correção de exercícios, visualização de vídeos complementares, colóquios, seminários, dentre outros.
Resultado e discussão
O Quintal Químico consiste em 10 (dez) artigos científicos que explanam ideias e
discussões técnico-científicas, baseando-se em processos de pesquisa, métodos,
análise de resultados e conclusões acerca de cada fenômeno investigado; 30
(trinta) charges que são estilos ilustrativos que se popularizaram, nos últimos
anos, por abordarem de forma crítica, satírica e bem-humorada os acontecimentos
cotidianos; 12 (doze) documentos legais, ou seja, materiais jurídicos escritos,
formalmente, para nortear a vida em sociedade; 10 (dez) estudos de casos
químico-intercontextuais como um método investigativo de abordagem científica;
10 (dez) representações visuais que registram momentos marcantes e relevantes de
uma época histórica; 8 (oito) músicas capazes de instigarem os sujeitos
educativos a pensarem, criticamente, suas realidades adversas; 30 (trinta)
notícias jornalísticas que evidenciam a realidade histórico-dialética dos atores
educacionais; 16 (dezesseis) podcasts, ou melhor, formatos multimídias de áudio
estilo programa de rádio que tratam de temáticas específicas da atualidade; 10
(dez) tirinhas – um gênero textual que ensina o aluno a interpretar a realidade
do conhecimento químico de forma contextualizada e interdisciplinar; e 11 (onze)
vídeos que, com o advento dos smartphones, são atrativos pedagógicos capazes de
atenderem às demandas dos ciberdiscentes e ciberdocentes químico-
intercontextuais.
O processo de avaliação e validação do Quintal Químico foi realizado com os
sujeitos educativos investigados e a banca de professores do Mestrado
Profissional em Educação Profissional e Tecnológica – ProfEPT-IFCE. Após essa
fase, foi socializado com os educadores e jovens educandos de Química da EEEM
Mariano Martins e da EEEP Joaquim Moreira de Sousa, localizadas em Fortaleza-CE,
no começo do ano letivo de 2021. Como os discentes e docentes ainda estavam
vivenciando o período pandêmico da Covid-19, ele foi aplicado de forma parcial e
adaptativa durante as aulas remotas, via Google Meet, com alunos do 1.º Ano, 2.º
Ano e 3.º Ano da EEEM Mariano Martins.
No ano letivo de 2022, foi aplicado, de forma integral, com os discentes de duas
turmas do 1.º Ano, durante a regência da disciplina eletiva “Práticas
Laboratoriais de Química” na EEEM Mariano Martins.
A figura 1, a seguir, mostra as etapas das Sequências Didático-Metodológicas
Intercontextuais (SEDIMI’s). Ela compendia, em um esquema, o processo
sistemático de aplicação de cada sequência didática no contexto de Sala de Aula,
Laboratório de Ciências e Laboratório de Informática ou Sala de Inovação
Tecnológica.
É importante salientar que durante o processo de avaliação do Quintal Químico,
ao engendrar uma adaptação das orientações propostas por Leite (2018),
estabeleceu-se 7 (sete) critérios de análise distribuídos em 16 (dezesseis)
afirmações-chave.
As assertivas foram empregadas para facilitar o entendimento das opiniões
apresentadas. No primeiro critério, o foco foi na estrutura estética e
organizacional do material educativo e teve 3 (três) quesitos apreciados
(linguagem do conhecimento complexo e dos recursos pedagógicos disponíveis,
capacidade de atratividade educativa e estruturação do Quintal Químico). No
segundo critério, o ponto principal foi o estilo e a escrita e teve 2 (dois)
quesitos (recursos pedagógicos e experimentos intercontextuais). No terceiro
critério, a base de análise foi a compreensão dos conteúdos interdisciplinares e
teve 2 (dois) quesitos (nível de acessibilidade à aprendizagem e essencialidade
do conhecimento químico). No quarto critério, o bojo da verificação foi a
capacidade de despertar o envolvimento do sujeito educativo e teve 2 (dois)
quesitos (nível do ensino proposto e adaptação à idade discente). No quinto
critério, o fundamento averiguado foi a eficácia das propostas pedagógicas e
teve 1 (um) quesito (facilidade do processo de ensino-aprendizagem da Química).
No sexto critério, focou-se na mudança de postura e ação e contou com 3 (três)
quesitos (adoção de uma nova concepção diante do conhecimento químico,
construção do pensamento crítico e contribuição para a formação omnilateral). E
no sétimo critério, avaliou-se o nível de aceitação das etapas dessa proposta de
ensino com ênfase em 3 (três) quesitos (aprovação da 1.ª Etapa, aprovação da 2.ª
Etapa e aprovação da 3.ª Etapa das SEDIMI’s).
A tabela 1, a seguir, traz os resultados sucintos da avaliação do Quintal
Químico, a partir das respostas apresentadas por 21 (vinte e um) sujeitos
participantes desse processo.
Na média percentual geral dos 7 (sete) critérios avaliados do Quintal Químico
alcançou-se 77% de adequação, ou seja, inferiu-se que esta proposta de ensino
materializada no formato de um E-Boquin teve uma avaliação positiva.
Ao analisá-lo seguindo uma escala de relevância e concordância com 4 (quatro)
alternativas que proporcionaram um equilibrado nível de escolhas entre a
avaliação negativa e a avaliação positiva (inadequado – 0 ponto; parcialmente
adequado – 1 ponto; adequado – 2 pontos; totalmente adequado – 3 pontos),
adotou-se como parâmetro a Escala Likert que, embora não seja infalível, é capaz
de mensurar, com um certo nível de confiabilidade, posturas e ideias que vão
desde uma menor até uma maior intensidade ou nuances de opiniões.
O gráfico 1, a seguir, apresenta os epítomes dos resultados avaliativos por
critérios de análise, levando em consideração os limites inferiores de adequação
e os limites superiores de adequação e as médias ponderadas desses quesitos
(calculada a partir do quociente entre os somatórios dos produtos dos números de
respostas das alternativas com as pontuações estabelecidas pelo total de
sujeitos participantes).
Etapas e avaliação do Quintal Químico
Conclusões
Essa Práxis Químico-Intercontextual (PQI) apresentou-se como uma proposta de ensino alternativa. Ela promoveu um novo diálogo entre professores e alunos das escolas públicas estaduais, a partir da intercontextualidade do conhecimento químico - uma inter-relação crítico-libertadora, de natureza histórica, entre a interdisciplinaridade (ato emancipatório e dialético do ser) e a contextualidade (descortinação conjuntural do ser no mundo) capaz de promover o desenvolvimento multidimensional dos sujeitos da pesquisa. A socialização do Quintal Químico com todos os professores e alunos envolvidos na sua construção teve um propósito: aplicar as SEDIMI’s para que, cada docente com a aquiescência dos discentes, pudesse readequá-las às suas realidades educativas e torná-las um material educativo exequível e uma metodologia eficaz de ensino em permanente aperfeiçoamento.
Agradecimentos
Agradeço a SME, a Prof.ª Dra. Bárbara Suellen do ProfEPT-IFCE e a Prof.ª Dra. Maria Goretti do RENOEN-UFC por me possibilitarem a continuidade desse trabalho acadêmico.
Referências
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