Autores
Emidio-silva, C. (UNIFESSPA) ; Souza, A.D.V. (UNIFESSPA) ; Ferreira, E.F. (UNIFESSPA)
Resumo
O ensino de química se constitui em grande desafio, que foi agravado ainda mais com a pandemia do Covid-19. A pesquisa buscou investigar o papel do professor de química na atualidade. A partir da Pesquisa Qualitativa, com entrevistas com perguntas subjetivas, foi construído o escopo desse trabalho. Como resultados, as entrevistas permitiram vislumbrar quatro questões principais sobre o professor de química: 1) a formação do professor, e sua inserção nas escolas da cidade de Marabá; 2) os materiais didáticos utilizados; 3) as práticas escolares; 4) o diálogo da universidade com os professores da rede de educação. A escola e o professor precisam refletir sobre seu papel na atualidade para que haja uma possível transformação social, e para que possam superar os obstáculos existentes.
Palavras chaves
Ensino de Química; Contextualização; Alfabetização Científica
Introdução
O ensino-aprendizagem de química constitui, na atualidade, na Amazônia, um grande desafio. Para Beltran & Ciscato (1991) que realizaram uma pesquisa em uma escola pública no final do século passado onde mostraram que professores de química preocupados com os rendimentos dos alunos que não atingiam o esperado, passando pelo Ensino Médio sem nenhuma base de química, começaram a levantar o porquê dessa situação. Segundo os autores até meados do século passado a química trabalhada nas escolas era meramente descritiva de atividades farmacêuticas ou descrições da obtenção e produtos provenientes da indústria. Depois dos anos cinquenta com o desenvolvimento da era espacial e das disputas pela ocupação do espaço especialmente pela União Soviética e Estados Unidos, os países europeus e os da América do Norte começaram a investir mais em ciência e reformular o ensino nessa área. Isso influenciou muito as mudanças que viriam para o ensino de química tanto no Brasil como nos países latino-americanos. Nesse período grande importância foi dado ao livro didático nas áreas de ciências (Química, Física e Biologia), passando a ser quase que unicamente a referência do professor. No final do século passado, os problemas relacionados ao ensino- aprendizagem de Química (BELTRAN & CISCATO,1991) estão relacionados basicamente a infraestrutura da escola (falta de laboratórios, salas com muitos alunos, falta de bibliotecas, espaços para estudo), aos baixos salários dos professores, a falta de uma formação continuada e espaços de discussões para o aprimoramento da profissão, o próprio livro didático (que se por um lado facilita a vida do professor por outro traz um forma de ensino reprodutivista, de pouca contextualização e fixado em apenas o parâmetro do livro didático utilizado). A Química tem sido trabalhada de forma a não promover a alfabetização científica, impedindo o acesso ao conhecimento e de como usar da melhor forma esse conhecimento, por parte dos estudantes. Para Paulo Freire (Freire, 2081) que denuncia a concepção bancária de educação esse era um dos principais impedimentos dos educandos serem “mais”. Mais ativos na sociedade, mais crítico na sua compreensão da realidade e de seu papel na sociedade capitalista e opressora. Para isso ele propunha uma educação libertadora. Segundo Freire (2007) para haver aprendizagem é preciso haver ensino, mas tão pouco há ensino se não houver aprendizagem. São duas faces da mesma moeda, indissociáveis, por isso tratamos aqui o termo unido por hífen: ensino-aprendizagem de química. No ensino-aprendizagem de química parece ser preciso superar muitas barreiras. Algumas delas como a educação bancária precisa ser superada em todo o ensino, inclusive no de Química. Para essa superação podemos recorrer a outros teóricos para nos ajudar a pensar na educação como um todo ou no ensino- aprendizagem específico de química, como a Alfabetização Científica discutida por Áttico Chassot (CHASSOT, 2003) e a Contextualização no ensino de química discutido por Silva (2007). Além disso é importante que o professor de química na atualidade, na Amazônia, procurar se inserir nas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) (NASS & FISCHER, 2016). Na cidade de Marabá as escolas públicas apresentam um número elevado de estudantes por turma (mais de 40 alunos), e ainda o professor de química muitas vezes precisa se inserir em mais de uma escola para ter um salário melhor, que lhe proporcione uma boa qualidade de vida. Dessa forma, parece ficar muito difícil se inserir em produções de materiais didáticos próprios, investir mais em sua formação, bem como realizar projetos de químicas contextualizados, com a realidade local. A pandemia do Covid-19, com o primeiro caso registrado em 26 de fevereiro trouxe significativas mudança para todo o país em todo as áreas. A educação, depois da saúde, foi um dos setores mais atingidos, fazendo com que mudanças drásticas fossem colocadas em prática. Logo após os primeiros meses de Pandemia os professores foram “incentivados” a retornarem as aulas em modo remoto, onde deveriam ministrar as suas aulas em salas virtuais, para continuar a trabalhar os conteúdos e atividades de química Então, no segundo semestre de 2020 já estavam todos com os alunos em sala de aula virtual, ministrando aulas e ao mesmo tempo aprendo a operar as novas tecnologias. É preciso salientar que isso se deu em condições bem precárias, onde nem sempre a internet do professor funcionava ou ainda a internet dos alunos, havendo um descompasso nesses momentos síncronos. O professor enviava materiais (vídeos, aulas gravadas, links) que muitas vezes o aluno não conseguia acessar devido a conexão de internet ou ao seu pacote de dados.
Material e métodos
A pesquisa foi realizada no município de Marabá, onde procurou-se levantar o número de escolas disponíveis para o Ensino Médio, sua distribuição entre escolas públicas do estado, escolas públicas federal e escolas privadas. O tipo de pesquisa aqui empregado foi a Pesquisa Qualitativa onde utilizamos a observação direta e entrevistas (ROBAINA, et al., 2021). As entrevistas foram realizadas a partir de um questionário com perguntas subjetivas, que os entrevistados deveriam responder e devolver após concluírem. Houve uma boa adesão a pesquisa onde os entrevistados responderam a quase todas as perguntas feitas. Cada professor também assinou um termo de autorização para participar da pesquisa, embora foi garantido a eles que seus nomes não apareceriam nos trabalhos produzidos. Foram contactados dez professores que lecionam química em escolas públicas da cidade de Marabá, mas apenas 6 devolveram os questionários. Dos questionários devolvidos cinco foram do sexo feminino e apenas um do sexo masculino. Para preservar as identidades dos professores estes receberam códigos alfanuméricos de PRF01 a PRF06. As falas dos sujeitos da pesquisa (entrevistas) foram organizadas em temáticas e daí retiradas as palavras/termos chaves como se fosse uma síntese das falas para serem comparadas e ou organizadas em discursos sobre o que se deseja saber. São palavras ou termos chaves significativos do discurso dos professores de química que nos ajudam a elucidar alguns aspectos da realidade local, motivações, percepções, entre outros, para compreender essa mesma realidade a partir de um grupo local, que enfrentam os mesmos problemas, passaram por uma formação semelhante e são sujeitos de sua história em um determinado espaço de significância. Dois dos entrevistados lecionam em três escolas e os demais em apenas uma. O número total de turmas em que os entrevistados atuam variam 5 a 20. Os entrevistados PRF01 e PRF02 atuam apenas com turmas do primeiro e do segundo anos. O entrevistado PRF05 atua apenas com turmas do segundo e do terceiro anos. Os demais atuam em todos os anos do Ensino Médio. O número de escolas relacionadas aos professores entrevistados é igual a seis. No entanto algumas delas aparecem em mais de um dos entrevistados e as respostas das entrevistas foram organizadas dentro das seguintes temáticas: a) Formação do professor de química e sua inserção nas escolas da cidade de Marabá; b) Materiais didáticos utilizados pelos professores de química; c) Práticas escolares dos professores de química; d) Diálogo da universidade com os professores da rede pública de ensino.
Resultado e discussão
Caracterização das escolas no município de Marabá
O município de Marabá apresenta 37 escolas com Ensino Médio,
distribuídas em estaduais (23), federais (2) e privadas (12). As escolas
estaduais públicas de ensino médio representam praticamente o dobro das escolas
privadas. Quanto as escolas federais existem apenas duas, ambas pertencentes ao
Instituto Federal do Pará (IFPA), sendo uma urbana, ligada as áreas da indústria
e uma rural, que atua na formação das pessoas do campo, indígenas e quilombolas.
A formação dos professores na cidade de Marabá e sua inserção na escola
Quanto a formação dos professores apenas uma professora, a que está a mais tempo
formada, cursou Licenciatura Plena em Química. Os demais formaram em
Licenciatura em Ciências Naturais com Habilitação em Química.
A maioria dos professores apresentaram pós-graduação em nível de
especialização, na área de Educação, com exceção da PRF01 que já tem mestrado em
ensino de química.
Quase todos os professores apontam para uma formação inicial fraca
especialmente em ciências no Ensino Fundamental e de química no Ensino Médio.
Considerando que alguns tem mais de 20 anos de docência, parece que as
dificuldades apontadas permanecem ao longo do tempo. Entre as maiores
dificuldades encontradas pelos entrevistados na formação inicial estão
relacionadas com professores não qualificados para o ensino de química, a falta
de livros, a necessidade de trabalhar e estudar ao mesmo tempo, a falta de
relacionar a teoria com a prática, a falta de laboratórios e de atividades
práticas, turmas grandes no início do curso e uma menção, por um dos
entrevistados, de ter feito um curso intervalar, não considerado ideal, por ele,
para a formação.
Materiais didáticos utilizados pelos professores de química
Com relação aos materiais didáticos para o ensino de química os
entrevistados apontaram a grande falta de materiais de uma maneira geral, nas
escolas e todos utilizam bastante os livros didáticos sendo que a maioria
utiliza mais de um livro. A coleção “Ser Protagonista” apareceu em três dos
entrevistados, provavelmente por ser um livro distribuído pelo estado do Pará. O
uso de livro com os autores Mortimer & Machado, que propõem uma química mais
contextualizada, foi indicado por apenas uma das professoras.
Para os professores o uso dos livros didáticos é uma prática difícil de
ser superada, e todos o utilizam. No entanto eles são sabedores de seus
benefícios e desvantagens. Entre as vantagens foram citadas: contextualização
dos conteúdos; propicia a leitura e a interpretação; propicia a leitura de
química com outras áreas e ou disciplinas; sistematização dos conteúdos,
propostas de exercícios e atividades exequíveis e compatíveis com o que está
sendo ensinado; evita-se ter de tirar xerox para os alunos; os textos trazem uma
conexão com o movimento CTS (Ciência Tecnologia e Sociedade). Entre as
desvantagens foram citadas: conteúdos resumidos; aumento do grau de dificuldade
de forma abrupta; exercícios e atividade difíceis de serem realizados;
descompasso com a BNCC; produzido para um público de outras regiões e não para a
região amazônica.
Sobre a produção de seus próprios materiais didáticos os professores
possuem uma certa dificuldade nesse quesito, de uma forma geral. Mas alguns
produzem slides com animações; videoaulas; materiais de leitura; áudios
explicativos; jogos; atividades experimentais; modelos atômicos, entre outros. O
mais comum mesmo são as aulas com experimentos como uma metodologia mais
dinâmica, o que ficou mais difícil no momento da Pandemia do Covid-19. A solução
empreendida por alguns professores foi se inserir no contexto virtual para
produção de atividades, utilização de laboratórios virtuais de química, o uso de
vídeos e a experimentação em casa realizada pelos alunos. Se por um lado os
professores passaram a utilizar as TIC, aprendendo a usar novas ferramentas e
aprenderam novas formas de pensar o ensino-aprendizagem de química, a partir
delas, isso foi um ganho; mas por outro lado, o distanciamento entre professores
e alunos provocou perdas gigantescas de conteúdos que deixaram de ser
trabalhados/aprendidos.
A questão que ficou patente foi que com a Pandemia do Covid-19, as
relações na educação mudaram drasticamente, e os professores ainda não conseguem
compensar o que foi perdido. Devido as dificuldades em se inserir em um meio
virtual para o ensino-aprendizagem de química, os professores ainda estão
correndo atrás do prejuízo, por assim dizer
Práticas escolares dos professores de química
Quanto a dinâmica do trabalho realizado durante a Pandemia do Covid-19,
o que mais se ressaltou foi as dificuldades em realizar aulas de forma remota e
a inserção compulsória nas TIC. Um dos professores citou a questão das
metodologias ativas, ajudando nesse momento. As atividades práticas se tornaram
mais difíceis, no momento da Pandemia do Covid-19. As ferramentas mais
utilizadas são as comumente conhecidas: Google Classroom; Google Meet; WhatsApp.
Um destaque para o uso intenso do WhatsApp. Além disso, quando questionados
especificamente sobre as atividades práticas durante a pandemia, todos foram
unânimes em citar as ferramentas digitais, demonstrando a importância dessas, na
atualidade, na vida do professor de química.
“Os alunos são orientados a realizarem as práticas (com materiais não perigosos)
eles filmam e transmitem. Podcasts são produzidos, vídeos em menor proporção
[tamanho], pois a internet sempre trava com esse recurso” (PRF06).
Há algumas tentativas de se reproduzir o que se fazia no presencial, mas a
maioria está tentando se adaptar as novas ferramentas virtuais (TIC). Como não é
possível realizar as avaliações de retenção de conhecimentos (provas) como
antes, os professores estão se permitindo utilizar de uma avaliação mais de
acompanhamento, das participações e uso de respostas nas ferramentas online.
Diálogo da universidade com os professores da rede pública de ensino
A universidade tem se mantido bem afastada da sociedade em que está
inserida. O fato de se ter uma universidade pública com vagas de amplo acesso,
na cidade de Marabá e de outras regiões, não garante que esta seja reconhecida
como de grande importância, ainda mais em tempos de negação da ciência e de
reconhecimento que a escola pública e de qualidade pode ser um agente
transformador na vida das pessoas. O desmantelamento da universidade no Brasil e
da escola pública é algo que se deseja, para que as classes dominantes possam
dominar as classes subalternas com mais facilidade. Em seu livro “Pedagogia do
Oprimido”, o educador Paulo Freire faz justamente essa denúncia, indicando ainda
que a escola pode ser uma forma das classes dominantes manterem os oprimidos em
sua condição de oprimidos (FREIRE, 1981). Nesse contexto está a Unifesspa, uma
universidade recém-criada (10 anos em 2023) para atender a região do Sul e
sudeste do Pará, com um excelente curso de Licenciatura em Química, presencial,
semestral, para ser concluído em no mínimo em 4 anos, mas que na percepção dos
professores ainda muito precisa ser feito para uma maior aproximação dessa
universidade as escolas públicas.
Com relação ao ensino, pesquisa e extensão alguns citaram algumas
participações pontuais, o PIBID, o PRP, a Mocisspa e orientação de TCC. Apesar
de algumas especificidades citadas e inclusão em políticas do Estado, o que se
percebe ainda é um grande distanciamento da universidade (de uma forma geral e
de forma específica da Unifesspa) da escola pública. Os professores participam
de programas institucionais, recebem estagiários e pesquisadores de uma forma
geral, mas não há uma política de aproximação mais contundente entre a escola
pública e a universidade.
Conclusões
Neste trabalho foi percebido que os professores de química têm buscado uma melhoria por conta própria, buscam aperfeiçoar e atualizar a sua prática didática na escola com atividades e metodologias que sejam mais interessantes e contextualizadas (mesmo que ainda uma contextualização superficial) apesar de todas as dificuldades que lhes são impostas. Em tempos de Pandemia do Covid-19, os professores buscam se aperfeiçoar nas novas tecnologias e produzem muitos materiais didáticos para uso nessa forma de interação, impactando os alunos de forma positiva. Os professores buscam uma formação continuada apesar de todas as dificuldades, com especializações pagas, e começam sua inserção em mestrados na Unifesspa. O que precisa ser feito é uma potencialização do que já se tem e uma organização melhor das formações continuada bem como abrir fóruns de diálogos entre a universidade e a escola (professores de química) sobre as melhores práticas, metodologias e didática e inserções na sociedade local de forma que seja efetivamente transformadora no sentido que já foi discutido neste trabalho. É preciso que novas e constantes pesquisas sejam implementadas nas escolas públicas do município de Marabá. Esse trabalho mostrou como pode ser rica as informações que a investigação científica mostra a partir dos professores de química, suas angústias, suas deficiências, suas potencialidades, enfim, sua experiência nos contextos da educação e da escola pública. O que se busca é um Ensino de Química de qualidade que seja realmente importante e transformador para o educando. Investigações sobre o Ensino de Química deve ter o professor como um dos agentes principais, pois é a partir dele que a transformação técnico-científica-social começa.
Agradecimentos
Agradecemos a Faculdade de Química (FAQUIM), do Instituto de Ciências Exatas (ICE), da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), pela apoio no desenvolvimento do projeto.
Referências
BELTRAN, N. O.; CISCATO, C. A. M. Química. São Paulo. Cortez Editora. 1991. 243p. (Coleção Magistério 2º Grau. Série Formação Geral).
CHASSOT, A. Alfabetização Científica: uma possibilidade para a inclusão social. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro: ANPEd; Campinas: Autores Associados, v. 8, n. 22, p. 89-100, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n22/n22a09. Acesso em: 25 de maio de 2020.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 10ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1981. 218 p. (O mundo hoje, v. 21)
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 36ª ed. São Paulo. Paz e Terra. 2007. 148 p. (Coleção Leitura).
NASS, S.; FISCHER, J. Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC): Possibilidade de uma aprendizagem significativa. Curitiba. Appris. 2016. 125p.
ROBAINA, J. V. L.; FENNER, R. dos S.; MARTINS, L. A. M.; BARBOSA, R. de A.; SOARES, SOARES, J. R. (Orgs.). Fundamentos teóricos e metodológicos da pesquisa em educação em ciências. Curitiba. Bagai. 2021. 157p. (Volume 1-Recurso eletrônico).
SILVA, E. L. da. Contextualização no ensino de química: idéias e proposições de um grupo de professores. São Paulo. Dissertação de Mestrado. Mestrado em Ensino de Ciências. Faculdade de Educação. Universidade de São Paulo. 2007. 143p.