Autores

Monção, N.B.N. (UFPI) ; Dino Júnior, M.C.C. (UFPI) ; Ferreira, L.N.A. (UFPI)

Resumo

A análise do potencial de textos de divulgação científica (TDC) para uso no âmbito educacional tem sido discutida com frequência por pesquisadores. Nesse tocante, o presente estudo objetivou relatar a possibilidade do uso de TDC para trabalhar aspectos voltados à Química Verde (QV). Para tal, analisou-se um artigo da revista Ciência Hoje considerando a relação dele com algum dos 12 princípios da QV e a evidência de aspectos relacionados à sua aplicabilidade no ensino. O TDC analisado apresentou associação com dois princípios da QV. Quanto aos aspectos didáticos, o texto dispõe de procedimentos explicativos e apresenta-se apoiado no uso de figuras que visam facilitar a compreensão do leitor. Desse modo, aponta-se que o TDC revela potencial de uso como recurso didático no ensino de QV.

Palavras chaves

Divulgação científica; ensino de química; química verde

Introdução

A química é uma ciência de grande importância na sociedade. Entretanto, historicamente, a imagem da área está associada a pautas negativas, especialmente, por conta dos reflexos que certas atividades industriais deixaram no mundo (FERREIRA, ROCHA e SILVA, 2014; PRADO, 2003). Ferreira, Rocha e Silva (2014) apontam que “a Química é feita por humanos, e assim cabe ao mesmo responder a seguinte pergunta: qual modelo de desenvolvimento queremos?”. Neste contexto, destacamos o químico Paul Anastas, pioneiro nesse processo, que na década de 1990 incentivou o uso de rotas sintéticas alternativas para a prevenção da poluição. A partir daí, a Química Verde (QV) emergiu (ANASTAS e EGHBALI, 2010; LUZ et al., 2019). De forma objetiva, a QV estimula práticas que reduzam ou minimizem o uso ou geração de produtos químicos perigosos/prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente e encontra-se apoiada em 12 princípios (ANASTAS e WARNER, 1998). Lenardão et al. (2003) asseguram que para a implementação efetiva da QV, é necessário que esses princípios sejam cumpridos e, para tal, precisam ser estimulados nas mais diversas esferas (indústrias, academia, governos e instituições não-governamentais) (ANASTAS e KIRCHHOFF, 2002; SERRANO, 2009). No tocante ao âmbito educacional, Prado (2003) reforça que é necessária a inserção da química verde nos currículos e na prática científica. A partir dessa demanda, levantamos a seguinte questão: o uso de Texto de Divulgação Científica (TDC) permite trabalhar conceitos e habilidades relacionadas à QV no ensino de química? Partimos da hipótese que os TDC, por apresentarem elementos que visam aproximar a sociedade da ciência, representam um recurso potencial para discussões de temas que exemplifiquem “práticas verdes” da química.

Material e métodos

A priori, realizamos uma busca prévia na revista Ciência Hoje a fim de elucidar textos com potencial relação com a química verde. Dentre os textos, selecionamos o artigo “FLORES E FRUTOS NA GERAÇÃO DE ENERGIA RENOVÁVEL” para análise, disponível na edição n° 376 e publicado em maio de 2021 (BARROS, 2021). Na premissa inicial da análise, levou-se em consideração a relação do texto com os princípios da QV que, segundo Anastas e Warner (1998), são: 1°) Prevenção; 2°) Economia atômica; 3°) Sínteses químicas menos perigosas; 4°) Projetando produtos químicos mais seguros; 5°) Solventes e auxiliares mais seguros; 6°) Busca pela eficiência energética; 7°) Uso de matérias- primas renováveis; 8°) Evitar a formação de derivados; 9°) Catálise; 10°) Desenho para a degradação; 11°) Análise em tempo real para a prevenção da poluição; e 12°) Química intrinsecamente segura para a prevenção de acidentes. Após isso, analisamos elementos relacionados à sua aplicabilidade no ensino, considerando os aspectos característicos de didaticidade, conforme indicam Zamboni (2001) e Queiroz e Ferreira (2013).

Resultado e discussão

Ao partirmos da premissa inicial, destacamos a evidência de dois princípios (6 e 7). Informações presentes no título do artigo permitiram fazer a alusão à QV por meio dos termos “flores e frutos”, associados à indicação do uso de matérias- primas (princípio 7) e “geração de energia renovável”, em apoio à busca por eficiência energética (princípio 6). No que concerne à transformação energética, o TDC aborda a energia solar e um componente importante no processo, as células fotovoltaicas. Desse modo, o objetivo central do texto trata sobre o uso de corantes extraídos de espécies vegetais como parte da composição das células solares, de modo a proporcionar uma alternativa de baixo custo e em substituição àquelas que fazem uso de minerais. Quanto aos elementos de didaticidade, o texto apresenta procedimentos explicativos acerca da organização, funcionamento e desenvolvimento de uma célula solar orgânica, bem como aponta o papel do corante e as especificidades quanto aos tipos de substâncias que o corante natural precisar conter para ser eficiente. As evidências dos aspectos didáticos podem ser percebidas no subtítulo dado a um dos tópicos do texto (“Como se fabrica uma célula solar orgânica?”) e no uso de recursos visuais (figuras), que visam facilitar a compreensão do leitor. A Figura 1 reúne parte do acervo de imagens disponibilizado no TDC em questão. A partir dos elementos dispostos nela, ilustra-se a estrutura e componentes que formam uma célula solar orgânica (a); o modo como os corantes atuam na geração de energia (b); e a fórmula estrutural de uma substância eficiente no processo (c). Desse modo, o artigo dispõe de características que revelam o potencial desse material como recurso didático de apoio ao docente na abordagem da QV no ensino de química.




Conclusões

Os TDC são formas de popularização da ciência e não são materiais elaborados para fins educacionais. Mas, ao considerarmos o objetivo central de um TDC, ele pode conter elementos que permitam aliá-lo a propostas de ensino. Desse modo, a análise do material visa revelar possibilidades para tal. O presente estudo, pautado na temática da QV, permitiu analisar um TDC que, apesar de não fazer referência direta à QV ou a algum de seus princípios, apresenta elementos concernentes ao tema, além de fornecer características que apontam seu potencial de apoio como recurso didático.

Agradecimentos

À UFPI pela bolsa de iniciação científica.

Referências

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ANASTAS, P. T.; WARNER, J. C. Green Chemistry: Theory and Practice. Oxford University Press: New York, 1998.

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ZAMBONI, L. M. S. Cientistas, jornalistas e a divulgação científica: subjetividade e heterogeneidade no discurso da divulgação científica. Campinas: Editores Associados, 2001.