17° SIMPEQUI - INVESTIGA MENINA! ESTUDOS SOBRE A DIVULGAÇÃO DE CIENTISTAS NEGRAS NA CONSTRUÇÃO DA REPRESENTATIVIDADE

Autores

Assis Faustino, G.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS (UFG)) ; Bernardes, C.A.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS (UFG)) ; Quintanilha, A.F.T. (INSTITUTO FEDERAL GOIANO - CAMPUS TRINDADE) ; Vargas, R.N. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS (UFG)) ; Bastos, M.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS (UFG)) ; Oliveira, M.C. (GRUPO DE MULHERES NEGRAS DANDARA NO CERRADO) ; Silva, W.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS (UFG)) ; Ruela, B.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS (UFG)) ; Benite, C.R.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS (UFG)) ; Benite, A.M.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS (UFG))

Resumo

A escola sendo um microcosmo da sociedade reproduz visões estereotipadas de mulheres mantendo-as longe do universo científico e tecnológico. Quando o recorte racial é considerado as oportunidades no ramo das ciências exatas diminuem. Assumidos esses pressupostos e com características de uma pesquisa participante, o presente trabalho tem como objetivo apresentar aos estudantes do ensino médio a historiografia de pesquisadora negra brasileira da contemporaneidade. Nossos resultados evidenciam que o Youtube é uma ferramenta contra o epistemicídio e evidência o papel do ciberfeminismo na luta por representatividade. Portanto, a divulgação de vídeos se faz necessário para mostrar sua existência e permanência no espaço acadêmico apresentando uma nova figura representativa.

Palavras chaves

Investiga Menina!; Representatividade; Mulheres Negras

Introdução

A escola é responsável pela capacitação de sujeitos para atuarem no mercado de trabalho e pela formação de cidadãs e cidadãos capazes de intervir de maneira crítica em sua realidade (FRANCISCO JR., 2008). A escola também desempenha papel ímpar na socialização dos sujeitos de modo a promover o conhecimento social e o desenvolvimento de suas capacidades cognitivas que reflete na sua compreensão do mundo social (BORSA, 2007). Sendo a escola um microcosmo da sociedade, ou seja, estando ela permeada pelas relações de poder existentes em nossa sociedade. Assim na escola persistem visões estereotipadas de mulheres e negros/as tanto nos livros didáticos utilizados em sala de aula quanto no próprio ambiente. Reflexo disso, na escola há a divisão de disciplinas consideradas ‘masculinas’ e ‘femininas’, como a matemática que logo cedo tem seu aprendizado desestimulado para as meninas, sendo considerada como uma disciplina masculina (VELHO e LEÓN, 2012). Como resultado, as mulheres são estimuladas a procurarem por atividades ligadas ao cuidado (BENITE et al., 2018). Uma vez que a ciência e a tecnologia foram construídas em consonância com parâmetros masculinos, e tendo excluído historicamente as mulheres (CARVALHO, 2012), essas áreas se consolidaram como espaços hostis a elas e a seu destaque. Assim, podemos considerar estes fatores como influentes para as escolhas pessoais dessas mulheres de permanecerem longe do universo científico e tecnológico (STANCKI, 2003). Quando o recorte racial é considerado as oportunidades no ramo das ciências exatas diminuem. A mulher negra traz consigo as marcas do racismo e do sexismo, o que torna as suas chances de sucesso ainda menores. Desse modo, como resultado da luta das diferentes representações do movimento negro organizado, em 09 de janeiro de 2003 a Lei 10.639/03 é assinada pelo então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. As alterações feitas pelas leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08 ao art. 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) introduzem a demanda sobre as contribuições africanas na constituição da sociedade multirracial brasileira nos currículos escolares e referencia o combate ao racismo e às discriminações raciais no âmbito escolar (VARGAS et al, 2018). Assim, ao estudar estas temáticas entendemos que isto não é unicamente para dar representatividade as/os negras/os, mas para romper com o epistemícidio que currículos monocromáticos nos impõem. Para romper com essas crenças inadequadas, defendemos a inserção nos cursos de formação inicial e continuada de professores/as de ciências de debates e discussões que priorizem a relação entre história e cultura afro-brasileira, sexismo e educação, para que assim cada vez mais mulheres negras sejam atraídas para este campo predominantemente branco e masculino. A sociedade encontra-se em um processo de midiatização, ou seja, está conectada em redes sociais interativas, consequentemente a isto, a maneira como vivemos foi-se modificando (DAL PIAN, 2015). Diante disso, se faz necessário à divulgação da produção científica ao ‘público leigo’, para que assim estes possam compreender a relação sólida existente entre sociedade e ciência, visto que todo o conhecimento e a pesquisa desenvolvida dentro do espaço científico têm como finalidade central garantir um retorno à sociedade (SILVA NETO, 2018). Considerando o aspecto descrito anteriormente, para que essa divulgação seja eficaz e eficiente é necessário que se utilize dos meios de comunicação que estão presentes no cotidiano populacional, como a televisão, e principalmente usufruir de meios midiáticos alternativos, como as redes sociais interativas, dentre essas em especial o Youtube - visto que a plataforma promove mais autonomia ao/a autor/a do conteúdo, e por possibilitar o uso de variados recursos para atrair a atenção do público alvo (CARVALHO, 2016). Através deste comportamento o Youtube acabou por se tornar um espaço onde a comunicação abrange a militância social e o diálogo se torna objetivo e democratizador, sendo capaz de mostrar a realidade vivida pelas classes oprimidas e promover o debate sobre a opressão sofrida (MORAES, 2007). Embora as desigualdades econômica, racial, social e de gênero sejam presentes nas dinâmicas do Youtube, as minorias sociais possuem mais representatividade dentro da plataforma que na televisão brasileira. Entretanto, se os meios digitais forem utilizados para dar visibilidade às/aos cientistas essa realidade pode ser transformada, uma vez que a comunicação é capaz de instituir o mundo, de criar a realidade e de construir o imaginário dos indivíduos e da realidade (SODRÉ, 2003). Nessa perspectiva surge o Projeto Investiga Menina! que busca instigar meninas negras a seguirem a carreira das exatas mostrando a elas uma ciência que também é negra, feminina e brasileira.

Material e métodos

Esta pesquisa foi desenvolvida através da parceria entre membros da comunidade escolar do Colégio Estadual Solon Amaral da Região Oeste de Goiânia, membros do Coletivo CIATA do Laboratório de Pesquisas em Educação Química e Inclusão - LPEQI da Universidade Federal de Goiás (UFG) e membros da ONG feminista negra Grupo de Mulheres Negras Dandara no Cerrado. Este trabalho possui elementos de uma pesquisa participante, uma vez que convida os/as sujeitos pertencentes desta comunidade à reflexão sobre a estrutura do racismo existente nela, à tomada de decisões, à troca de conhecimentos de forma que esses/as sujeitos possam examinar suas próprias histórias baseadas em suas crenças, saberes e valores (DEMO, 2004; FAERMANN, 2014). A pesquisa foi desenvolvida com todo o colégio composto por (1º A, B, C, D e E; 2º A, B, C e D; 3º A, B e C), 472 alunas/os, sendo todos/as do Ensino Médio. Esta intervenção pedagógica (IP) denominada “A produção de vídeo como meio de construção da representatividade negra nas ciências exatas”, corresponde a uma carga horária de 120 minutos e foi desenvolvida no turno matutino, sendo o critério de participação a volitividade dos/as estudantes. Esta investigação obedeceu às seguintes etapas: 1º fase: Desenvolveu-se o planejamento entre a professora formadora, professoras/es em formação continuada e professoras/res em formação inicial com o intuito de estabelecer a estratégia de formação e ampliação da divulgação das mulheres negras nas ciências contemporâneas. 2º fase: Identificação dos sujeitos participantes sendo estudantes de escola pública, alto percentual de alunas/os negras/os e baixo índice de motivação escolar. 3º fase: Problematização da falta de representatividade negra e feminina nas exatas. A construção de vídeos para a divulgação científica e o combate dos preconceitos de gênero, raça e classe no ambiente escolar. 4º fase: Planejamento em conjunto da ida da pesquisadora negra contemporânea na escola pública de Goiânia como estratégia de apresentar às/aos alunas/os uma ciência negra, feminina e não eurocêntrica, com mais representatividade do real cenário brasileiro.

Resultado e discussão

Visando uma aproximação entre as cientistas negras e as estudantes da educação básica, o projeto Investiga Menina! em colaboração com o Colégio Estadual Solon Amaral, o Grupo Mulheres Negras Dandara do Cerrado e algumas pesquisadoras negras promoveram no ano de 2018 algumas vivências Interculturais sendo elas: I Vivência Intercultural com Drª Sonia Guimarães (ITA) e Drª Vera Lúcia Gomes Klein (UFG); II Vivência Intercultural com Drª Nicea Quintino Amauro (UFU) e Drª Lucely Morais Pio (UnB); III Vivência Intercultural com Drª Joana D'Arc Félix de Sousa (ETEC – Escola Agrícola de Franca) e Drª Jaqueline Araújo Civardi (UFG); IV Vivência Intercultural com Drª Natália Cybelle Lima Oliveira (IGFEC/PE) e Drª Janice Pereira Lopes (UFG); V Vivência Intercultural com Drª Zélia Maria da Costa Ludwig (UFJF) e Drª Anna M. Canavarro Benite (UFG); VI Vivência Intercultural com Drª Bárbara Carine Soares Pinheiro (UFBA) e Drª Nyuara Araújo da Silva Mesquita (UFG). A Figura 01 apresenta o panfleto produzido para a divulgação do encontro ocorrido em abril de 2018. Além de se fazer presente em sala de aula, o projeto “Investiga Menina!” criou seus próprios canais de comunicação visando combater o paradigma hegemônico que descreve a ciência como unicamente masculina e eurocêntrica, de forma a promover a maior aproximação entre as/os alunas/os do Ensino Médio e as cientistas negras contemporâneas. Neste contexto foi criado o canal do Investiga Menina! no YouTube, uma plataforma que permite a divulgação e compartilhamento de conteúdos, pelo qual difundimos uma ciência construída por mulheres e que se distingue da ciência universal existente nas escolas. Neste canal projetamos os Objetos Virtuais de Aprendizagem (OVAs), pequenos vídeos (de 3 a 5 minutos) que tem como objetivo abordar a historiografia de mulheres negras cientistas contemporâneas, por entender que esses espaços de socialização são mais eficazes na sua divulgação. A seguir, apresentaremos a produção de um vídeo narrando à trajetória de uma pesquisadora negra brasileira da contemporaneidade Drª Vera Lúcia Gomes Klein (UFG) e as suas relações com o ensino de ciências nas produções tecnológicas. Cabe esclarecer que o vídeo é apenas um dos momentos proposto para a Vivência Intercultural com a pesquisadora e os outros momentos será disponibilizados nos canais de divulgação do projeto e com o andamento da pesquisa. Dessa maneira, o vídeo totaliza 4 minutos e 37 segundos, foi transcrito e analisado conforme a técnica da análise da conversação (MARCUSCHI, 2003). A seguir, apresentamos um extrato da entrevista realizada (quadro 01). A pesquisadora negra brasileira da contemporaneidade inicia a sua fala apresentando alguns aspectos da trajetória de uma mulher negra nas exatas, como, por exemplo: “Nós, mulheres e negras, temos potencial e somos capazes. Seja insistente e tente ser a melhor possível”. Tal resultado nos remete ao trabalho de Souza (2014), no qual a autora relata o histórico social da mulher e evidência o papel do feminismo e do ciberfeminismo na luta por mais direitos e pela asseguração dos já existentes. Visto que vivemos em uma sociedade desigual, cujos direitos básicos de mulheres não são respeitados, a luta feminista se faz necessária. Souza (2014) também se refere à disparidade entre os diferentes contextos existentes em um mesmo globo terrestre, onde em um hemisfério a educação possui investimentos e é de boa qualidade, enquanto no outro meninas ainda são proibidas de ingressarem nas escolas. No que tange a educação pública brasileira Hasenbalg (1997, p. 64) afirma que “o sistema educacional no Brasil funciona como um grande filtro ou peneira em matéria de distribuição de oportunidades sociais”. Essa desigualdade perpetuada pela educação ainda contribui para a desigualdade étnico-racial, pois segundo Hasenbalg (1997) esta começa na fase preparatória e continua até o ingresso no mercado de trabalho. Na construção deste processo desigual e excludente que se formou a educação pública brasileira, as oportunidades de acesso, permanência e êxito se fazem mais presentes para os grupos favorecidos e quase inexistentes para os grupos menos favorecidos. Inserida neste contexto de exclusão, a mulher negra constitui os contingentes de maior pobreza e indigência do país, com os menores graus de escolaridade, analfabetismo três vezes maior quando comparado às mulheres brancas e uma menor expectativa de vida (DIAS e LUZ, 2014). Além disto, elas encontram-se na pior posição na escala social, por representarem um número significativo de trabalhadoras que estão sem ocupação, sem acesso a previdência, residem em ambientes precários, são responsáveis pelo cuidado e sustento familiar (DIAS e LUZ, 2014) e ainda representam 21,4% das empregadas domésticas e apenas 23,3% possuem carteira assinada (IPEA, 2011). Neste cenário que a identidade da mulher negra se constrói, em meio à inferioridade do aspecto intelectual (sem inteligência) e à desigualdade de gênero e racial/étnica (DIAS e LUZ, 2014; OLINTO, 2011). No que tange a desigualdade de gênero dentro do espaço acadêmico podemos destacar dois mecanismos supressivos: a segregação horizontal e a segregação vertical (OLINTO, 2011). A segregação horizontal institui mecanismos que determinam que as escolhas profissionais sejam seccionadas por gênero; já a segregação vertical trata-se de um mecanismo social de permanência e perpetuação das mulheres em posições subordinadas e sem chances de progredirem em suas escolhas profissionais (OLINTO, 2011). Além destas estruturas supressivas, a cientista entrevistada relata, como, por exemplo: “você precisa gostar muito do que você faz ter prazer porque são muitas dificuldades né, que a gente encontra na vida acadêmica, na vida profissional, como mulher como negras então algumas portas se fecharam, mas eu tenho perfil sou muito persistente e como eu falei eu tenho prazer”, a dificuldade em relação à jornada de trabalho da mulher que, usualmente, é maior que a do homem, visto que elas são tidas socialmente como as responsáveis pela organização do lar e precisam conciliar sua vida profissional a essas responsabilidades (SILVA e RIBEIRO, 2014). Essa pressão social em torno da mulher pode implicar em jornadas parciais de trabalho e até o adiantamento e recusa da maternidade (SILVA e RIBEIRO, 2014). Por outro lado, aquelas mulheres que abraçam a maternidade e decidem conciliá- la com sua vida acadêmica acaba por ter inúmeras dificuldades e barreiras, como o baixo rendimento, o que coloca sua carreira em jogo. Neste caso, algumas optam pela interrupção da vida acadêmica e deste modo nem sempre retornam. Deste modo concordamos com Tabak (2002) quando afirma “que é muito mais difícil para a mulher seguir uma carreira científica numa sociedade ainda de caráter patriarcal e em que as instituições sociais capazes de facilitar o trabalho da mulher ainda são uma aspiração a conquistar” (p. 49). Na busca por lugares em que estas temáticas possam ser abordadas, o ciberespaço tornou-se não apenas um lugar de manifestação social, mas também configura um meio para auxiliar na disseminação do conhecimento e também da aproximação da realidade científica da sociedade, visto que o ciberespaço é um meio onde todos/as e todas possuem voz e suas lutas ganham visibilidade e força. Neste contexto, a população negra, em especial as mulheres negras, têm encontrado dentro da plataforma um lugar de acolhimento para compartilhar experiências e promover debates acerca do racismo e do machismo, promovendo questionamentos sobre as representações hegemônicas da população, e em especial das mulheres negras.

Figura 01: Atividade de Abril de 2018.

Quadro 01. Investiga Menina! apresenta a pesquisadora Drª Vera Lúcia K

Quadro 01. Investiga Menina! apresenta a pesquisadora Drª Vera Lúcia Klein.

Conclusões

O projeto Investiga Menina! contribui para a desconstrução da visão de cientista que impera em nossa sociedade, o sujeito branco e do sexo masculino. A partir da divulgação de vídeos sobre a historiografia de uma pesquisadora negra brasileira da contemporaneidade e suas produções tecnológicas, se faz necessário para mostrar sua existência e permanência no espaço acadêmico e, em especial para as jovens negras, uma nova figura representativa, que se configura como uma mulher que apesar de todos os desafios conseguiu superá-los e conseguir seu lugar de sucesso.

Agradecimentos

Ao Grupo de Mulheres Negras Dandara no Cerrado, ao Colégio Estadual Solon Amaral, ao CNPq e a UFG.

Referências

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