Autores
Nascimento, C. (UFRJ) ; Moreno, E. (UFRJ)
Resumo
A aplicação das metodologias ativas no ensino de Química tem ganhado especial relevância em função da necessidade crescente de repensarmos o papel do aluno e do professor. Aliado a esse cenário, a produção de material audiovisual tem se mostrado cada vez mais acessível, tanto em custo quanto na variedade de recursos e acesso. O resultado dessa conjunção encontra-se em potencializar a produção de recursos audiovisuais como parte de uma metodologia ativas. Neste trabalho exploramos a realização da produção de multimídia sob o tema “a festa dos elementos químicos”. Observamos que a troca de conhecimentos entre professor-aluno teve um engajamento diferenciado, além de sobre a exposição e a percepção dos conteúdos.
Palavras chaves
multimídia; metodologias ativas; química
Introdução
Se formos analisar as escolas do país, encontraremos um grande número seguindo linhas tradicionais de ensino, voltadas para a centralidade no docente, em que os estudantes não são estimulados a desenvolverem suas habilidades. Em nossas salas-de-aula, raras são as atividades que promovem maior engajamento dos estudantes, a ênfase recai quase sempre sobre uma visão conteudista. “As metodologias predominantes no ensino são as dedutivas: o professor transmite a teoria e o aluno depois deve aplicá-la a situações mais específicas” (BACICH; MORÁN, 2018). Para mudar o quadro do ensino tradicional, são necessárias mudanças que visem qualificar os educadores, como também a implementação de procedimentos que viabilizem auxiliar na superação dos problemas encontrados em sala de aula. Uma das principais estratégias para enfrentar esses desafios é o uso das metodologias ativas de ensino e aprendizagem. As Metodologias Ativas inserem o estudante como protagonistas na aprendizagem, isso é, em práticas interativas com outros estudantes, nas quais aprendem e aprimoram-se de maneira colaborativa (Camargo e Daros, 2018). Nessa perspectiva, as escolas precisam progredir, a fim de obter um ponto de vista criativo e empreendedor de aprendizagem, possibilitando assim oportunidades estimulantes de aprendizagem. As instituições de ensino têm o papel fundamental de disponibilizar mecanismos que abranjam essa visão. Também no âmbito da química, conforme destaca o educador Chassot: “As aulas de Química devem ser espaços privilegiados nos quais se estabeleçam diálogos que conduzam a descobertas” (CHASSOT, A., 2018, p. 160). Oportunizar aos alunos momentos de reflexão, diante dos conteúdos, permitem que as aulas se tornem ativas e dialógicas. Um dos instrumentos de aplicação das metodologias ativas é a produção de audiovisuais. Estes, segundo Silva et al (2012), são materiais didáticos que promovem um ensino voltado para a cidadania. A elaboração de audiovisuais exige uma organização e envolvimento tanto dos alunos como do professor, a fim de colaborar para a conexão dos conteúdos. “É ele, com sua criatividade, bom senso, habilidade, experiência docente, que deve ser capaz de perceber ocasiões adequadas ao uso do vídeo” (SILVA, et al, 2012, p.191). Essa colaboração é especialmente necessária para alguns dos conteúdos da química, tidos como maçantes e que requerem do aluno e do professor maior cuidado. Exigir esse conhecimento sem oferecer meios que possibilitem alcançá-los produz um sentimento de frustração. O professor, nesses casos, deve dedicar-se a promover a reflexão e o engajamento. “O professor que reconhece o valor da voz do aluno e o papel que isso pode desempenhar no aprendizado provavelmente terá muito sucesso” (STUMPENHORST, 2018, p. 64). E a criação de um audiovisual que aborde tais conteúdos pode favorecer tanto na percepção, como na investigação de novos conceitos, colaborando para o envolvimento do aluno na disciplina. “Um uso verdadeiramente poderoso da tecnologia é aquilo que ela permite os alunos criar” (STUMPENHORST, 2018, p. 103). Esse processo de criação contribui para a sua autonomia, no momento em que a compreensão dos conteúdos passa a ser descentralizada da figura docente. A colaboração torna-se a palavra-chave na aprendizagem, e o aluno adquire uma visão diferenciada do ensino, ou seja, sua relação com os conteúdos, com o professor e com os outros alunos não seguem uma linha tradicional de ensino. E a “aprendizagem torna-se uma reorganização ou um desenvolvimento de uma (r)evolução das concepções dos alunos” (CHASSOT, 2018, p. 86) Todos os anos a IUPAC (União Internacional de Química Pura e Aplicada) propõe um tema mundial de comemoração e em 2019, neste ano, celebramos o ano internacional da Tabela Periódica. Em consonância com essa comemoração, o presente trabalho tem como finalidade investigar a aplicação de metodologias ativas para a aprendizagem dos elementos químicos na tabela periódica. Utilizamos como ponto de partida a apresentação Festa dos Elementos Químicos, disponível em: https://youtu.be/hn9Sbg_bAH8 . Além disso, diversas produções alternativas têm sido produzidas baseadas na Festa dos Elementos Químicos.
Material e métodos
A produção, como atividade didática, da Festa dos Elementos Químicos foi desenvolvida em uma turma da 3ª série do ensino médio, em uma escola particular do município de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. A turma consistia em 28 alunos e foi proposto que estes elaborassem a roteirização, a filmagem e a edição de um vídeo em que houvessem como tema central os elementos químicos da tabela periódica. Os alunos deveriam explorar possíveis interações químicas entre os elementos, suas propriedades, sua ocorrência no cotidiano, entre outros temas. De modo geral, o intuito foi apresentar os conteúdos expostos em aula de maneira inovadora e, para avaliar os resultados, utilizamos como metodologia uma pesquisa exploratória com uma abordagem qualitativa. Em que buscamos observar como os estudantes associaram os assuntos em cada cena do vídeo, além de verificar como sua interação proporcionou ou não benefícios para suas percepções dos assuntos. Na elaboração do roteiro, a turma foi dividida em sete grupos e cada um deles ficou responsável pela elaboração de uma cena do vídeo. Os grupos reuniram as carteiras em formato de círculo e dispuseram de quatro aulas, na duração de dois tempos de 50 minutos em cada aula. Cada cena deveria abordar um dos conteúdos estudados durante os dois bimestres iniciais do período escolar letivo. Foi solicitado, também, que os alunos apresentassem informações referentes à caracterização dos personagens e quais seriam os personagens de cada cena do vídeo. Os estudantes tiveram acesso aos conteúdos através do material didático escolar, em fontes de sites escolares e puderam consultar, em todas as aulas, o docente quanto a escrita ou a associação dos conceitos químicos. Os alunos também pesquisaram algumas das diferentes versões Festa dos Elementos elaboradas em outras escolas. Os ensaios ocorreram em duas aulas e durante estes momentos, os estudantes compartilharam suas ideias de como poderiam treinar a encenação. A filmagem ocorreu em duas aulas e a edição foi realizada em duas semanas. A turma dispôs de dois bimestres para a elaboração do projeto, no primeiro bimestre foram elaborados os roteiros, assim como sua reescritura, com as orientações do professor. No segundo período ocorreram os ensaios, a filmagem e a edição final do vídeo. Para a disponibilização das imagens no youtube, foram colhidas autorizações dos pais ou responsáveis de cada aluno.
Resultado e discussão
Inicialmente, na proposta de elaboração do roteiro, a turma apresentou a
ideia de construir uma Tabela Periódica, em tamanho ampliado, para utilizar
como parte do cenário do vídeo A Festa dos Elementos Químicos. Diante desse
desafio, foi apresentada a página (www.tabelaperiodica.org) com o material
que poderia ser utilizado para construir a Tabela, com os elementos químicos
dispostos de acordo com suas aplicações no cotidiano, disponível em
Os alunos dispuseram de duas aulas para a construção da Tabela e se
estruturam autonomamente:: dividiram-se em grupos com tarefas definidas,
organizaram os elementos, e construíram um grande painel. Nesse momento,
notamos que a turma comentou sobre as aplicações dos elementos químicos no
cotidiano, além de demonstrarem o conhecimento sobre outras aplicações.
Percebemos assim, que “Alunos e alunas já não são mais tratados como vazio
de ideias quando iniciam seus estudos de Ciências, mas são considerados
aqueles conhecimentos que eles já detêm” (CHASSOT, p. 86, 2018). Ou seja,
quando os estudantes discutiram acerca da presença dos elementos químicos em
outros contextos, daqueles que estavam no molde do trabalho, possibilitou-se
uma discussão acerca de informações coerentes ou não com a disciplina.
Camargo e Daros (2018, p. 3) reforçam que “problematizar a realidade como
estratégia de ensino e aprendizagem viabiliza a motivação do discente.”
Durante a elaboração dos roteiros, notamos a dificuldade dos alunos quanto à
escrita. Ou seja, para desenvolverem suas ideias era necessário elaborá-las
de maneira compreensível para si e, principalmente, para o público externo.
Eles indagavam: “Como posso associar esse conceito em uma ideia?”, “Não
consigo descrever o que estou pensando?”, “Professora pode me ajudar a
escrever essas frases?”. Diante das dificuldades, foram utilizadas quatro
aulas ao total para a construção de cada cena.
A proposta dos alunos em desenvolver sua escrita abrange não só uma
necessidade de compreender os conteúdos da disciplina, mas também de
possibilitar que eles aprimorem suas habilidades na escrita e que reflitam
sobre a necessidade de associar suas ideias na elaboração de um texto. Como
bem defende Chassot (2018), as aulas devem conduzir ao desenvolvimento de
estratégias de ensino que permitam os estudantes expor suas ideias.
Durante a elaboração de cada cena, os grupos estavam responsáveis por
associar algum conceito químico e nesse momento a criatividade foi um fator
preponderante na escrita. Bacich e Morán (2018) destacam a importância de
estimular a criatividade de cada estudantes, enfatizando que todos podem
evoluir como pesquisadores ou descobridores. Com essa característica há a
possibilidade de motivar os discentes a enxergarem a disciplina de maneira
significativa em um contexto da realidade e não somente como mais um
conteúdo a ser decorado.
Outra dificuldade percebida inicialmente eram os erros conceituais
apresentados em algumas cenas, tais como:
“O carbono chegará na festa de casaco, com muito frio. Pois ele é um ametal
e não é um bom condutor de calor.”
Nessa frase percebe-se que grupo associou todos os ametais à propriedade de
serem maus condutores de calor e, ademais, sem considerar algumas das
características específicas do carbono, como a supercondução do grafeno. Na
intenção de explorarem um conceito usualmente apresentado nos livros de que
ametais não conduzem calor, eles expressaram tal conceito e não buscaram em
outras fontes a reais características do carbono. O docente teve que atuar
como mediador no processo de escrita dos estudantes, a fim de esclarecer
suas dúvidas e propor sugestões. Após a intervenção do professor, o grupo
alterou as frases para:
“Carbono: Aparecerá dançando sozinho na festa.”
“Oxigênio: Dois oxigênios aproximam-se do carbono, representando a formação
da molécula CO2.”
Nessa recorte de cena, nota-se a como o grupo associou outros conceitos além
das características dos elementos da Tabela Periódica, ao citar a fórmula de
um exemplo de uma ligação covalente e de expôr a junção do elemento carbono
a outros elementos formando uma molécula.
Em outra cena do roteiro, a respeito dos gases nobres, os alunos descreveram
como seriam os personagens e como estariam caracterizados. Nessa frase pode-
se perceber como eles associavam a palavra nobre no sentido literal.
“O hélio, o argônio, o neônio, o criptônio, o radônio e o xenônio estarão de
roupa social, com acessórios de ouro para demonstrar que são nobres.”
Após a orientação do professor, o grupo optou utilizar menos personagens
“nobres” para dar espaço a outros protagonismos. No reescrita do roteiro, os
alunos demonstraram uma melhoria significativa na qualidade do roteiro,
apesar de ainda apresentarem alguns erros gramaticais. Houve também um
envolvimento maior dos grupos para pesquisarem em outras fontes além do
livro didático.
Outro recorte de cena que nos chamou especial atenção foi: “Hélio e Argônio:
O hélio e o argônio estarão caracterizados como a realeza, para demonstrar
que são nobres. (Irão ficar isolados de todos na festa, pois são “ricos” e
não interagem com o “povão”.)”
Ele ilustra uma percepção social dos alunos projetada nos elementos.
Durante os ensaios e a gravação do vídeo, os alunos dividiram as tarefas em
grupos, separando os alunos que iriam encenar, os que estariam filmando e os
que montariam as placas com os símbolos dos elementos químicos. Nessa etapa
percebeu-se a necessidade da organização da turma diantes das tarefas
apresentadas. Como toda metodologia ativa, para que o aluno tenha uma maior
participação, é necessária a utilização de estratégias que um aprendizado
mais interativo. Nesse sentido, mais do que apenas transmitir um conteúdo é
de fundamental importância que os alunos sejam estimulados a desenvolverem
suas aptidões (Camargo e Daros, 2018) .
Na encenação final, os estudantes demonstraram forte compromisso com a turma
e, para facilitar o aprendizado, sentiram a necessidade de desenvolver uma
cena que explicitasse os conceitos expostos em cada parte do roteiro. Além
disso, eles foram motivados a expressarem suas percepções diante de cada
cena e a utilizarem e refletirem sobre suas concepções prévias da química.
Os alunos foram orientados a associarem os conceitos químicos a questões do
seu cotidiano e, durante suas pesquisas, havia a explicação sobre as dúvidas
que surgiam ao longo da escrita do roteiro ou da encenação. Chassot
explicita que “a escola está muito preocupada em cortejar o saber que não
produz do que se vincular aos conhecimentos da realidade em que está
inserida (CHASSOT, 2018, p.37).”
Também foi presenciado o engajamento dos alunos mais tímidos nas encenações,
demonstrando seu desejo participar da “festa”. Observamos que os alunos que
não estavam como atores nas cenas, realizaram tarefas importantes para a
produção e a filmagem, sem as quais o projeto não poderia ser finalizado. A
interação entre os alunos foi lúdica e criativa ao longo de toda a etapa da
criação do vídeo.
O professor atuou como mediador em toda a trajetória, intervindo nos
momentos de pesquisa dos alunos ou nas situações em que percebia alguma
dificuldade deles. A turma não precisou ser encorajada em persistir no
projeto e o erros conceituais ou gramaticais não foram apontados como um
caminho de fracasso. Isso porque “os alunos precisam sentir-se seguros para
arriscar-se a errar e aprender com os erros” (STUMPENHORST, 2018, p.29).
Incentivá-los a prosseguir nas pesquisas, em aprimorar o roteiro e a mostrar
sua criatividade foram passos importantes para comprovar como as
Metodologias Ativas adequaram-se a atividade proposta. E tais
características foram valorizadas em ao longo de todas as etapas da
atividade, pois os alunos produziram um material, participaram dele e
refletiram sobre os assuntos apresentados, a importância da escrita e sobre
como o trabalho em equipe possibilitou a elaboração do vídeo.
Conclusões
As Metodologias Ativas aqui praticadas demonstraram uma mudança na visão de como a Química é representada pelo alunos e como o protagonismo influencia nesse aspecto. E mesmo compreendendo que ao longo da produção do vídeo algumas divergências podem ocorrer, o incentivo dos estudantes para desenvolver a atividade foi um aspecto essencial na percepção da metodologia utilizada. “A aprendizagem ativa é a atitude ativa da inteligência, em contraposição à atitude passiva geralmente associada aos métodos tradicionais de ensino” (BARBOSA; MOURA; 2018, p. 56). Nesse sentido, mais do que apenas apresentar um assunto e exigir dos alunos somente uma receptividade, a motivação do parte do professor é uma característica importante na elaboração de uma aprendizagem ativa.
Agradecimentos
Referências
BACICH, L.; MORÁN, J. Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre, Editora: Penso, 2018.
BARBOSA, E.; MOURA, D. Metodologias Ativas de aprendizagem na Educação Profissional e Tecnológica. Boletim Técnico do SENAC, RJ, v. 39, n. 2, p.48-67, mai./ago. 2013.
CAMARGO, F; DAROS, T. A sala de aula inovadora: estratégias pedagógicas para fomentar o aprendizado ativo. Porto Alegre, Penso, 2018.
CHASSOT, A. Pra que(m) é útil o ensino? Editora UNIJUÍ, 4 ed, RS, 2018.
SILVA, J. L. et al. A utilização de vídeos didáticos nas aulas de Química no ensino médio para abordagem histórica e contextualizada do tema Vidros. Química Nova Escola, v. 34, n. 4, p. 189-200, nov. 2012.
STUMPENHORST, J. A nova revolução do professor: Práticas pedagógicas para uma nova revolução de alunos. Editora Vozes, RJ, 2018.