Autores
Ribeiro, D.C.A. (UFRGS) ; Passos, C.G. (UFRGS) ; Salgado, T.D.M. (UFRGS)
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo analisar a opinião de estudantes do curso Técnico em Química referentes à utilização da Metodologia da Resolução de Problemas (MRP), contextualizando a temática ambiental agrotóxicos. O estudo foi desenvolvido com 29 alunos do curso Técnico em Química de uma escola pública da cidade de Porto Alegre/RS. Foi utilizado um questionário como instrumento de coleta de dados depois da realização das atividades, numa perspectiva metodológica de pesquisa qualitativa. O exame do questionário mostrou que a MRP possibilitou aos sujeitos da pesquisa um aperfeiçoamento acerca das habilidades de investigação, raciocínio, análise e classificação. A proposta pedagógica em questão promoveu mudanças na aprendizagem e estimulou a pesquisa por parte dos alunos.
Palavras chaves
Resolução de Problemas; Ensino Técnico em Química; Agrotóxicos
Introdução
Hoje percebemos, gradativamente, uma grande quantidade de informações que nem sempre são devidamente tratadas. Assim sendo, entendemos que essas informações só são válidas quando transformadas em conhecimentos, por isso a escola tem a obrigação de se atualizar e atender a essa demanda de alunos rodeados de informação. Nesse sentido, grande parte desse trabalho cabe ao professor que, no desenvolvimento do conhecimento técnico-científico, tem de desenvolver cada vez mais habilidades em seus educandos, o que requer, em muitos casos, uma tarefa ampla e contextualizada (NUNES e ADORNI, 2010). Nesse contexto, Lipman (1995) identifica quatro grupos de habilidades que se fazem necessárias para o processo de ensino e aprendizagem, indicando que os educandos podem consolidá-las e desenvolvê-las através de propostas pedagógicas oportunizadas pelos educadores em suas aulas: habilidade de investigação, habilidade de raciocínio, habilidade de organização de informações, habilidade de tradução. Relacionando essas afirmações ao ensino de Química, muitas vezes, os alunos não conseguem aprender, não são capazes de associar o conteúdo estudado com seu cotidiano, tornando-se desinteressados pelo tema. Isso indica que esse ensino está sendo feito de forma descontextualizada e não interdisciplinar (NUNES e ADORNI, 2010). Não obstante, nem sempre o professor está preparado para atuar de forma interdisciplinar e contextualizada, relacionando o conteúdo com a realidade dos aprendizes. De uma maneira geral, os livros didáticos são utilizados como instrumentos educacionais que auxiliam os educadores a organizarem suas ideias, assimilar os conteúdos e proceder à exposição aos alunos, entretanto, o professor deve usar outros recursos didáticos em suas aulas, tentando subsidiar melhor seus alunos, para que os mesmos consigam relacionar os conteúdos químicos com a vida (LOBATO, 2007). Entre as diferentes modalidades do ensino médio, temos o curso Técnico em Química que deve preparar o estudante diretamente para o mercado de trabalho em vários setores de empresas, instituições e órgãos públicos em que se realizam procedimentos químicos. A formatação do ensino profissional técnico de nível médio deve ser norteada pelo perfil de habilidades e competências ditadas pelas necessidades do setor produtivo, procurando estabelecer interlocução com as indústrias de processos químicos, buscando selecionar competências e habilidades que atendam às necessidades atuais projetadas para o futuro. Acreditamos que a Metodologia da Resolução de Problemas (MRP) possa ajudar a melhorar o processo de ensino e aprendizagem. Essa proposta pedagógica é capaz de contextualizar e abordar variados temas dentro do espaço escolar, colocando o aprendiz como protagonista do processo de aprendizagem. Pesquisadores das didáticas das ciências afirmam que as atividades baseadas na Resolução de Problemas (RP) podem favorecer os estudantes a aprender a aprender, desenvolvendo habilidades fundamentais para os propósitos educacionais e variados conhecimentos, beneficiando o processo de aprendizagem (GOI e SANTOS, 2009; VASCONCELOS et al., 2007). Consoante os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as Orientações Curriculares Nacionais (OCN) uma das finalidades do ensino de Química é desenvolver estratégias centradas na RP, visando a uma aprendizagem de conceitos químicos articulada com a realidade natural, social e cultural e como forma de aproximar os educandos de atividades de investigação científica no contexto escolar (BRASIL, 2002; BRASIL, 2006). Sobre nosso tema ambiental, abordado nesta pesquisa, existe uma complexidade em avaliar o comportamento de um agrotóxico em seguida à sua aplicação. Deve-se levar em conta a influência dos agentes que o compõem, ocasionando seu deslocamento físico e sua transformação química e biológica. Isso se deve ao fato de as substâncias passarem por processos físicos, ou químicos e até mesmo biológicos, os quais podem alterar as suas propriedades e influenciar no seu comportamento, podendo, inclusive, formar subprodutos com propriedades totalmente diferentes do produto inicial, causando diversificados danos à saúde humana e ao meio ambiente (SANTOS e MÓL, 2013; PERES e MOREIRA, 2003). Esses produtos químicos acabam provocando alterações nos ciclos bioquímicos dos animais e vegetais que se deseja combater, provocando a sua morte ou diminuição do seu ciclo reprodutivo (SANTOS e MÓL, 2013; PERES e MOREIRA, 2003). O objetivo desta pesquisa é analisar a opinião de estudantes do curso Técnico em Química referentes à utilização da MRP, contextualizando a temática ambiental agrotóxicos. Os alunos vivenciaram a MRP em uma proposta didática interdisciplinar entre professores de Química e Português que abordaram o tema agrotóxicos, enfatizando os problemas ambientais que essas substâncias químicas podem causar.
Material e métodos
O estudo foi desenvolvido com 29 alunos das 3 etapas existentes no curso Técnico em Química, turno noturno de uma escola pública estadual da cidade de Porto Alegre/RS. Foi utilizado um questionário como instrumento de coleta de dados depois da realização das atividades, numa perspectiva metodológica de pesquisa qualitativa. Os problemas elaborados e utilizados na proposta pedagógica sobre a RP são apresentados na íntegra em Ribeiro, Passos e Salgado (2019), entretanto, para a compreensão de como o tema agrotóxicos foi abordado através de problemas, a seguir descreveremos as características dos 3 problemas utilizados: O Problema 1 começava descrevendo a ideia de que, do ponto de vista produtivo, os agrotóxicos podem ser utilizados para a manutenção e o aumento da produtividade agrícola. Através de seu uso, muitas perdas são evitadas, reduzindo grandemente as causadas por insetos, plantas daninhas e fungos. Entretanto, pretendia que os alunos, na sua resolução, percebessem que essas substâncias químicas podem causar graves problemas à saúde humana, e que para amenizar esse problema, recomendam-se: treinamento dos usuários desses produtos, utilização de equipamentos e vestuário adequados (máscaras, botas, luvas etc.), escolha criteriosa dos insumos, administração em dosagens corretas, cuidados com o armazenamento, descarte das embalagens e, principalmente, práticas de agricultura orgânica (SANTOS e MÓL, 2013). O Problema 2 iniciava relatando sobre os graves problemas ambientais que o uso dos agrotóxicos pode causar. Essas substâncias químicas não causam danos somente às “pragas”, mas também aos demais seres vivos. O seu uso pode afetar de forma significativa tanto a saúde humana quanto a de muitos outros animais e vegetais silvestres. O problema se agrava com a utilização indiscriminada dessas substâncias químicas, aumentando drasticamente os efeitos danosos ao meio ambiente. Pedimos que os alunos investigassem as diferentes classes de agrotóxicos, suas características e usos. Nossa intenção era que eles percebessem como alguns desses produtos são altamente persistentes à degradação ambiental, e que vários estudos demonstram que muitos tipos de agrotóxicos são cancerígenos (PERES e MOREIRA, 2003). O Problema 3 visava mostrar aos educandos que diversas alternativas para o controle de insetos na lavoura têm sido desenvolvidas, como: uso de predadores naturais, método chamado controle biológico; esterilização por radiação nuclear; rodízio de culturas; desenvolvimento de novas espécies por engenharia genética e controle químico com o uso de feromônios. Além disso, quando solicitamos que os alunos pesquisassem sobre a agricultura orgânica, foi para que os mesmos entendessem que a produção com o uso de agrotóxicos pode comprometer a saúde e o ambiente. Já a agricultura orgânica busca melhorar a qualidade dos alimentos sem contaminar produtores e consumidores, respeitando e preservando o ambiente.
Resultado e discussão
As opiniões dos estudantes a respeito da proposta que foi apresentada foram
colhidas através das perguntas 1, 2 e 3 do questionário aplicado após o
término da sequência didática, utilizando a MRP. Todos os 29 participantes
da pesquisa responderam ao questionário.
Na questão 1, foram apresentadas aos alunos algumas afirmativas que dizem
respeito a habilidades, conceitos e capacidades que pretendíamos desenvolver
ou aprimorar com a MRP: 1- Desenvolvi minha habilidade de investigação na
busca de soluções para resolver o problema; 2- Desenvolvi minha habilidade
de organizar informações; 3- Desenvolvi minha habilidade de raciocínio; 4-
Desenvolvi minha habilidade de análise; 5- Desenvolvi minha habilidade de
classificação; 6- Desenvolvi minha capacidade de solucionar problemas e
tomar decisões diante de problemas da vida real; 7- A RP contribuiu para a
aprendizagem de conhecimentos de Química.
Na figura 1, mostramos o grau de concordância dos alunos com as afirmações
apresentadas: CT = concordo totalmente; CP = concordo parcialmente; I =
indeciso; DP = discordo parcialmente; DT = discordo totalmente.
A análise da Figura 1 permite afirmar que nos itens 1, 2, 3, 4 e 5, que
dizem respeito ao desenvolvimento das habilidades de investigação,
raciocínio, análise e classificação, respectivamente, a maioria dos alunos
registrou respostas favoráveis à contribuição da RP para o seu
aprimoramento. Tais habilidades são relevantes para se alcançar objetivos
educacionais, como a educação científica para o exercício da cidadania
(LIPMAN, 1995). Apesar de alguns itens apresentarem algumas respostas
desfavoráveis à contribuição da metodologia, o resultado geral aponta para a
efetividade da proposta de ensino no desenvolvimento das referidas
habilidades, na opinião dos alunos. No item 6, 27 alunos concordaram com a
contribuição da metodologia para o desenvolvimento da capacidade de
solucionar problemas e tomar decisões diante de problemas da vida real;
apenas 1 aluno discordou nesse item e 1 estudante ficou indeciso. E no item
7, que diz respeito às impressões dos estudantes sobre a contribuição da
metodologia para a aprendizagem de conhecimentos de Química, todas as
respostas foram favoráveis à sua aplicação. Acreditamos que os resultados
refletem o envolvimento e a participação dos alunos durante a atividade
proposta, e o trabalho que foi realizado em grupo contribuiu para a formação
dos alunos.
A questão número 2 do nosso questionário solicitava que os alunos do curso
Técnico em Química relatassem outras habilidades que eles acreditavam ter
desenvolvido com as atividades pedagógicas propostas pelos pesquisadores,
utilizando a MRP. Analisando as respostas dessa indagação, verificamos que 8
estudantes afirmaram terem aprimorado a habilidade de trabalharem em grupo,
respeitando opiniões para que juntos desenvolvessem uma resposta:
“participação em grupo e a interatividade”; “debate de opiniões,
interatividade entre os colegas e trabalho em grupo”; “Outra habilidade foi
o consenso em grupo para chegar a um raciocínio e interpretar melhor o
problema para chegar a um raciocínio”; “Desenvolvi a habilidade de ouvir as
outras opiniões e juntos chegar a uma conclusão dos problemas”; “compreensão
do assunto discutindo sobre o tema com os demais do grupo”.
Outros 5 alunos usaram termos como “interpretar”, “resumir”, “argumentação”,
“comunicação”, “dialogar”: “Habilidade de argumentação e oratória de
formação de conhecimento através de pontos contrários”; “Resumir o contexto,
ajudando a identificar a melhor solução”; “Creio ter aprimorado a questão de
dialogar e comunicação de opiniões em meio a uma elevada quantia de pessoas,
assim como a leitura parcial visando maior verbalização do conteúdo
aprendido em uma apresentação”.
De acordo com Goi e Santos (2009), durante as práticas de investigação a
construção de conhecimento ocorre tendo em vista que a MRP abrange fases
como observações, preparação de questões e hipóteses, exame a fontes de
informação, planejamento e realização de planos, coleta, análise e
interpretação de dados, proposição de explicações, compartilhamento de
informações. Dessa forma, os educandos são motivados e participam de maneira
mais eficaz das atividades de aula.
A pergunta número 3 do questionário indagou aos estudantes se eles gostaram
de trabalhar com a MRP e por quê. Todos os 29 participantes disseram que
sim, que gostaram de trabalhar com essa proposta pedagógica: “Sim, pois
reflete a realidade onde as necessidades e problemas impulsionam pesquisas e
construção de conhecimentos”; “Sim, pois demonstra uma aula comunicativa com
mais aprendizagem”; “Sim, pois podemos debater sobre o assunto proposto,
solucionando os problemas”; “Sim, gostei bastante do desenvolvimento e como
se resolveu o problema”; “Sim, ele torna a pesquisa e o desenvolvimento da
pesquisa mais dinâmica”.
Verificando algumas repostas dessa questão, 6 alunos expressaram como a MRP
foi capaz de “melhorar o raciocínio”, de “ajudar a pensar”, de “refletirmos
sobre o assunto”: “Sim, acho que contribui para melhorar o raciocínio”;
“Sim, eu gostei porque temos que ler um texto bem informativo e criar um
raciocínio próprio, assim fixa mais a informação”; “Sim, ajuda no raciocínio
e na pesquisa em busca de resposta. ”; “Sim, pois desenvolve uma outra
maneira de pensar a respeito do assunto abordado, não somente explicando o
mesmo, mas procurando meios de solução”; “Sim, faz nós refletirmos sobre o
assunto, não só raciocinar respostas e sim raciocinar sobre aquilo”; “Sim,
porque faz com que a gente force nosso raciocínio a ser mais rápido e
eficaz.”
Nessa linha de pensamento, Vasconcelos et al., (2007) atribui às atividades
que utilizam a MRP uma função de “motor do ato de pensar”, considerando
essas atividades didáticas essenciais para a promoção da aprendizagem dos
alunos na educação científica. Dessa maneira, podendo melhorar a qualidade
do ensino de Ciências.
Analisando a mesma questão, 3 alunos acreditam que o trabalho em grupo e o
respeito a opiniões diferentes favoreceu o processo de ensino e
aprendizagem: “Sim, pois estimulou a busca em conjunto de um problema,
usando diferentes pontos de vista e assim criando uma conclusão. ”; “Sim,
por ser trabalho em grupo e por testar minha habilidade de interpretação e
leitura. “; “Sim, a dinâmica do grupo foi muito boa, boa compreensão do
assunto, e de fácil entendimento. ”
Ainda analisando as respostas sobre a aceitação dos alunos em trabalhar com
a MRP, um estudante afirmou que contextualizando um tema, partindo de um
problema, a construção do conhecimento fica mais evidente: “Sim, pois a
partir de um problema dado torna-se mais fácil a compreensão, fixação e a
geração do interesse sobre o que foi ou será estudado”.
Farias (2005) explica que uma boa maneira de os alunos perceberem que a
Química não existe apenas nas indústrias e laboratórios é utilizar os
exemplos do cotidiano como ponto de partida para a abordagem dos conteúdos.
Pensando dessa maneira, entendemos que a MRP é uma proposta pedagógica que
permite fazer essa associação do cotidiano dos aprendizes com os conteúdos
escolares. É preciso que os estudantes passem a entender as implicações das
Ciências e da tecnologia na sociedade e no ambiente, associando o que se
aprende dentro do espaço escolar com o seu dia a dia.
Grau de concordância dos alunos em relação às afirmações apresentadas nos itens que vão de 1 a 7.
Conclusões
O objetivo desta pesquisa foi analisar a opinião de estudantes de um curso Técnico em Química referente à utilização da MRP, contextualizando a temática ambiental agrotóxicos. Assim sendo, o que se verificou foi um retorno positivo no que tange à aplicação da metodologia em questão junto a esse grupo de educandos, já que percebemos pela análise das respostas dadas ao questionário aplicado que a MRP promoveu mudanças na aprendizagem e estimulou a pesquisa por parte dos alunos. Além disso, o exame do questionário mostrou que a MRP possibilitou aos sujeitos da pesquisa um aperfeiçoamento acerca das habilidades de investigação, raciocínio, análise e classificação. Da mesma forma, ressaltamos a afirmação dos aprendizes em relação ao aporte que a MRP forneceu-lhes para que eles pudessem desenvolver a capacidade de resolver um problema proposto e, a partir disso, deliberarem sobre uma situação-problema da vida real. Outrossim, cabe-nos destacar que todos os alunos foram favoráveis à aplicação da MRP em sala de aula devido aos benefícios para a aprendizagem que ela proporciona, aprimorando a habilidade de trabalharem em grupo, de ouvirem opiniões divergentes, respeitando-as para que juntos pudessem desenvolver uma resposta adequada à questão proposta. Acreditamos que as respostas concordantes, em sua totalidade, relativas à aplicação da MRP por parte dos alunos, está relacionada a essa metodologia ser entendida como uma estratégia de ensino- aprendizagem que leva em consideração as particularidades concernentes à vivência e ao contexto dos alunos na proposição e no processo de RP. Dessa maneira, viabiliza uma maior aproximação dos problemas elaborados, particularmente nas aulas de Química, com a realidade dos educandos em seu cotidiano e com os problemas reais que os rodeiam.
Agradecimentos
Referências
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