Autores

Silva Gonçalves, A.C. (UFRJ) ; Tamiasso-martinhon, P. (UFRJ) ; Sanches Rocha, A. (UERJ) ; Leite Agostinho, S.M. (USP) ; Sousa, C. (UFRJ)

Resumo

O presente trabalho apresenta a prática discente-docente de uma licencianda em química. A motivação surgiu a partir da busca por materiais didáticos capazes de facilitar o aprendizado de alunos do ensino médio no que se refere a conceitos de eletroquímica. Para tal, foram realizados alguns experimentos sobre pilhas - dentre os quais: (i) pilha de compartimento único, PCU; (ii) pilha de Daniell, (PD); (iii) pilha de concentração, PC; e (iv) pilha de temperatura, PT. As ferramentas adotadas dialogaram com referenciais teóricos epistemológicos previamente escolhidos. A análise destaca a importância da experimentação - contextualizada e crítica - no processo de aprimoramento de competências e habilidades almejadas individual e coletivamente pelos discentes.

Palavras chaves

Experimentação; Pilhas; Ensino de Química

Introdução

É recorrente, docentes do ensino médio pontuarem o desinteresse e distanciamento discente no que concerne ao conteúdo específico das disciplinas por eles ministradas, fato muitas vezes evidenciado pelo índice de reprovações. No caso de disciplinas como química, física e matemática a situação é ainda mais crítica, por se tratarem de disciplinas historicamente estigmatizadas como sendo difíceis. Freire, Silva Júnior e Silva (2011) destacam que no processo de ensino e aprendizagem, o estudante deve ser levado a mobilizar constantemente seu conhecimento, realizando uma interrelação contínua entre teoria e aplicação prática. Nesse sentido, alguns autores recomendam que o professor comece trabalhando com os conhecimentos prévios dos alunos, fazendo disso o ponto de partida de temas a serem trabalhados experimentalmente, de modo que o aluno comece a se apropriar do conhecimento científico, conseguindo desta forma construir seu saber (GONÇALVES, 2016). Não se tratar apenas de realizar os experimentos em sala de aula ou em laboratório, é necessário fazer a investigação científica dos experimentos com os alunos, para que eles questionem o que está sendo observado e estabeleçam a correlação de causa e efeito observados durante sua experiência discente. Nessa perspectiva, os trabalhos em grupo devem ser valorizados, pois o olhar de um complementa e colabora com o olhar do outro, além de proporcionar um ensino-aprendizado coletivo. Ou seja, os experimentos podem vir a ser utilizados como a ferramenta base, e outras estratégias serão aplicadas a partir das associações com o interesse prévio do aluno. Além disso, a partir da metodologia científica incluímos a vivencia prática de um ciclo que se inicia por observações e medidas experimentais; estas podem conduzir – ou não - à formulação de um modelo ou de uma teoria expressa em linguagem matemática, da qual se podem extrair previsões sobre novos fenômenos que, se confirmadas, justificam a validez da teoria (MACDOWELL, 1988). A eletroquímica mobiliza habilidades que vão além dos processos quantitativos e qualitativos trabalhados experimentalmente. Existe um grande número de exemplos no cotidiano, na natureza e da tecnologia desenvolvida recentemente que contempla essa área de saber. Seu aprendizado, como o de qualquer outra ciência, deve fazer com que o aluno seja inspirado a novas descobertas a partir dos conceitos básicos já aceitos pela comunidade científica, de forma que ele possa entender razoavelmente as bases científicas atualmente aceitas, e, depois, independentemente, devotar algum tempo para se aprofundar nos assuntos que mais lhe interessem. As reações redox estão entre as reações químicas mais importantes de nosso dia- a-dia, e estão presentes em grande variedade de processos, como por exemplo, a ferrugem do ferro, a fabricação e ação de alvejantes, a respiração animal, entre outros. Elas ainda podem ser utilizadas para explicar outros fenômenos muito populares, tais como a mudança de coloração em lentes de óculos fotossensíveis, a formação de cárie dentária, a fermentação, a maresia, a combustão, a ação da vitamina C no organismo, o transporte em membranas biológicas, o funcionamento de airbags e do bafômetro, entre outros. Assim, o presente trabalho revisita estratégias didáticas que potencializam o aprendizado do discente, bem como fornece ao professor ferramentas que o auxiliem na abordagem de eletroquímica em sala de aula. Este foi realizado no CIEP 199 Charles Chaplin, em Duque de Caxias, tanto com os alunos do ensino regular, quanto com os da modalidade Novo Ensino de Jovens e Adultos (NEJA). Com base nesta ideia, foram desenvolvidos materiais didáticos pedagógicos, dentro do contexto do ensino de eletroquímica. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, com delineamento bibliográfico- experimental, que, a partir de uma temática específica, no caso pilhas, apresenta ideias centrais do que concerne ao aprendizado eficiente e estratégias de ensino, a partir de aulas teórico-experimentais. Para tal foram realizados alguns experimentos sobre pilhas, quais sejam: (i) pilha de compartimento único (PCU), (ii) pilha de Daniell (PD), (iii) derivações com pilha de concentração (PC) e (iv) pilha de temperatura (PT).

Material e métodos

Os procedimentos experimentais serão descritos individualmente. Foram utilizados fios condutores com um crocodilo na extremidade para ligar o eletrodo ao multímetro em todas as montagens. PCU: Em um copo colocar 20 mL de solução de NaCl, adicionar duas gotas de fenolftaleína e duas gotas de ferrocianeto. Unir um eletrodo de Zn ao fio preto (COM) do multímetro e um eletrodo de ferro ao fio vermelho. Inserir os dois eletrodos na solução sem encostá-los. Observar o que ocorre e explicar o aparecimento da cor. Verificar a tensão gerada. PD: Para preparação da ponte salina colocar uma solução de 3% de NaCl em um tubo de borracha e vedar com algodão, de maneira a impedir que a solução saia. O tubo não deve apresentar bolhas de ar, pois o desempenho da ponte salina pode ser seriamente prejudicado. Em um copo de vidro colocar 20 mL de solução de sulfato de cobre e em outro copo de vidro adicionar 20 mL de solução de sulfato de zinco. Ligar um eletrodo de Zn à posição COM do multímetro e um eletrodo de Cu à posição vermelha. Inserir cada uma das extremidades da ponte salina nas soluções de sulfato de zinco e sulfato de cobre. O sistema não funciona se a ponte salina não estiver bem imersa. Inserir o eletrodo de zinco na solução de sulfato de zinco. Inserir o eletrodo de cobre na solução de sulfato de cobre. Verificar se o multímetro apresenta alguma diferença de potencial e anotar este valor, pois será necessário para cálculos futuros. PC: Monte outra ponte salina como descrito antes, tomando os mesmos cuidados. Em um copo de vidro coloque 20 mL de solução de sulfato de cobre 1 mol/L e em outro copo de vidro adicione 20 mL de solução de sulfato de cobre 0,01 mol/L. Unir o fio preto (COM) do voltímetro ao eletrodo de Cu que vai ser imerso na solução menos concentrada e o fio vermelho ao outro eletrodo de Cu que vai ser imerso no eletrólito mais concentrado. Coloque cada uma das extremidades da ponte salina nas soluções de sulfato de cobre. Coloque os eletrodos nas soluções de sulfato de cobre respectivas. Mude a escala do multímetro para mV. Observe a diferença de potencial marcada no multímetro. PT: Monte outra ponte salina como descrito antes. Em dois copos de vidro, coloque em cada 20 mL de solução de sulfato de cobre 1 mol/L. Una o fio preto (COM) do multímetro ao eletrodo de Cu que vai ser imerso na solução que não vai ser aquecida e o fio vermelho ao eletrodo de Cu que será mergulhado no eletrólito que vai ser aquecido. Verificar se o multímetro indica alguma ddp, explicando o porquê. Colocar cada uma das extremidades da ponte salina nas soluções. Alterar a escala do voltímetro para mV e verificar se o multímetro continua marcando alguma ddp. Colocar um banho de água quente debaixo do copo que será aquecido. Verificar de que maneira a ddp apresentada no voltímetro se modifica à medida que a temperatura do eletrólito aumenta. Em seguida trocar o conjunto (fio condutor + eletrodo) de posição no multímetro e verificar o que ocorre com a ddp marcada.

Resultado e discussão

No processo avaliativo dos alunos, foram desenvolvidos experimentos de células galvânicas, empregando as células de Daniell, temperatura, concentração e compartimento único. As dificuldades observadas foram analisadas em relação ao desenvolvimento dos roteiros das práticas, correlacionando os conteúdos com assuntos que fazem parte da vivência dos sujeitos e também questões interdisciplinares além do assunto central, contemplando uma transversalização de conteúdo. A análise proposta destaca a importância da experimentação - contextualizada e crítica - no processo de empoderamento de competências e habilidades, não somente aquelas que os Parâmetros Curriculares Nacionais orientam os professores a trabalhar com seus alunos, mas principalmente as almejadas individual e coletivamente pelos discentes. Nessa perspectiva é feita uma reflexão crítica sobre experienciação discente por meio da prática docente de uma licencianda em química, durante sua formação docente. A motivação surgiu a partir da busca por materiais didáticos capazes de facilitar o aprendizado de alunos do ensino médio no que tangencia conceitos de eletroquímica, sua contextualização e transversalidade. A primeira etapa consistiu no desenvolvimento de roteiros tanto para o professor, quanto para o aluno. Os roteiros desenvolvidos buscaram alcançar determinadas habilidades e competências nos discentes. Durante sua confecção surgiram algumas discussões, tais como: O roteiro ensina conceitos ou familiariza os alunos com os mesmos? Como educador essa pergunta deve existir? Quais valores quero agregar com esses experimentos? De fato, muitos questionamentos são necessários quando se desenvolve um roteiro, (i) se ele estimula a discussão entre os alunos, com a defesa de diferentes pontos de vista; (ii) se estimula o desenvolvimento das noções de método científico; (iii) as habilidades necessárias para o trabalho coletivo; (iv) se faz uso de raciocínio lógico ou de aspectos investigativos na ciência; (v) se estimula a pesquisa bibliográfica, etc. A segunda etapa foi feita com base em cada roteiro, tendo sido produzido um vídeo dos experimentos descritos, excetuando a pilha de compartimento único. Como mostra a figura 1, o vídeo produzido e postado no youtube fornece aos alunos material de consulta, além de poder ser utilizado durante as aulas quando não é possível realizar a atividade experimental. Dentre os vários exercícios teóricos de fixação aplicados após a aula expositiva e após aula experimental, foi observado que houve uma melhora significativa na compreensão ao se compararem as respostas após as aulas experimentais. Por exemplo, após a aula experimental os alunos majoritariamente responderam com relação ao conceito de: (i) catodo, que “trata-se do eletrodo que sofre redução”, “ocorre ganho de massa, pois o metal resultante da redução do cation em solução se deposita sobre a superfície do metal”, “o cátion é o agente oxidante” enquanto após a aula expositiva apenas 40 % dos discentes deram essa resposta; (ii) anodo, “eletrodo que sofre oxidação”, “neste eletrodo ocorre a perda de massa do metal”, “o metal deste perde elétron fazendo com que seus cátions migrem para solução”, “o metal é o agente redutor” , enquanto após a aula expositiva apenas 40 %; (iii) ponte salina, “fecha ou completa o circuito da pilha”, “mantém a neutralidade das semi-células”, “a pilha só funciona se tiver uma”, após a aula expositiva apenas 20 % deram alguma resposta nesse sentido, enquanto após o experimento 100 % sabiam alguma coisa sobre a questão. Fica tácito que o professor tem um papel fundamental no desenvolvimento dos experimentos, este atua como mediador e orientador, estimulando os alunos a levantarem hipóteses sobre o que está sendo observado e estudado, fazendo com que o experimento não seja uma mera reprodução da teoria, mas que esta atividade sirva para estimular a curiosidade e criatividade dos alunos. Torná-los capazes de correlacionar o que está sendo estudado com o cotidiano é muito importante e motivador, pois identificar utilidade prática na vida diária do conteúdo estudado instiga os estudantes a buscarem o conhecimento e se interessarem pelas aulas. É de extrema importância que por trás de cada experimento sejam incutidos alguns valores éticos, culturais, ambientais e de saúde. A responsabilidade de promover um ambiente dialógico é do professor, que deve além de construir os conceitos, auxiliar os discentes a contextualizar, dentro de possibilidades do cotidiano. O filósofo e educador Mario Portella, afirma que o bom professor tem a humildade pedagógica, isto é, a capacidade de saber que o educador não sabe tudo o tempo todo e de todos os modos, e que ninguém o sabe, por isso é preciso juntar as competências para só então construir o que é necessário em direção ao futuro, de forma a evitar a estagnação. É preciso dar continuidade ao processo de vitalidade que vem da capacidade de aprendizado contínuo de renovação, de abrir a mente e de ser capaz entre outras coisas de nunca se considerar completo e pronto, mas sempre à procura de algo, ou seja, em processo de construção. O desenvolvimento de qualquer material didático deve ter adequação da linguagem escrita e falada às demandas sociais, tentar um melhor entendimento da ciência e tecnologia, suas aplicações apropriadas e consequências potenciais. O professor deve decidir quais experimentos serão melhores para seus alunos, conhecer o nível da turma, pois ao abordar assuntos de química, que é bastante amplo, e que ainda estão inseridos sobreposições de física e utilização de linguagem matemática. Sabemos hoje que o ensino médio é composto por várias faixas etárias. A tentativa de roteiro deveria prever se o material desenvolvido seria igualmente adequado para os alunos de qualquer faixa etária, dentro de um mesmo nível de ensino. A familiaridade com as tecnologias recentes pode ser uma dificuldade para os mais velhos.

Figura 1

Foto do vídeo desenvolvido para auxiliar o material didático dos experimentos sobre a célula de Daniell, de concentração e de temperatura.

Conclusões

O desenvolvimento de um material didático visa a colaborar para o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias para que o indivíduo se constitua como um cidadão consciente dos seu direitos e deveres. O fator motivacional é essencial, pois para construção do saber, é necessário que o aluno esteja inspirado e queira aprender. O fato de utilizar um contexto ao qual este já tem algum conhecimento possibilita a construção das ideias de forma lógica e racional, pois sabemos que o aluno precisa de ferramentas que o permita construir seu saber, para que este esteja capacitado para a vida, para que possa atuar de forma adequada diante de situações e problemas que demandem a mobilização destes conhecimentos adquiridos nas instituições de ensino. É importante que o discente consiga utilizar o seu conhecimento em sua vida, isto se trata de uma questão de sobrevivência tanto pessoal quanto profissional. A experiência deve ser colocada como forma de investigação, observação e análise de maneira a despertar no aluno o caráter questionador, nesse contexto o professor atua como mediador e orientador do processo de aprendizagem. Durante o desenvolvimento dos roteiros foi possível avaliar as dificuldades nas realizações dos experimentos, como por exemplo, a busca por materiais metálicos e reagentes que se enquadrassem no orçamento do professor ou da escola. Alguns cuidados a serem tomados para que o experimentos fossem bem sucedidos são: o lixamento dos metais para remoção de possíveis óxidos; observação que apenas o eletrodo e a ponte salina deveriam estar em contato com o eletrólito e não o fio condutor nem o crocodilo, pois o potencial lido seria diferente do esperado; testar o multímetro e conhecer seu funcionamento e; não deixar bolhas na ponte salina pois diminui a eficiência da pilha, como fazer o descarte dos reagentes e materiais utilizados, importância de dar um destino correto para os resíduos, para evitar a poluição dos rios e solo.

Agradecimentos

Referências

FREIRE, Melquesedeque da S.; SILVA JÚNIOR, Geraldo A.; SILVA, Márcia G. L. Panorama sobre o tema resolução de problemas e suas aplicações no ensino de química. Acta Scientiae. v. 13 n.1 p.106-120 jan./jun. Canoas – 2011.

GONÇALVES, Ana Carolina Silva. O PAPEL DA EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE ELETROQUÍMICA: Investigação da pilha de compartimento único, pilha de Daniell com derivações da pilha de concentração e pilha de temperatura. TCC (Licenciatura em Química) – IQ, UFRJ, Rio de Janeiro, 2016.

MACDOWELL, Samuel. Responsabilidade social dos cientistas: natureza das ciências exatas. Estudos Avançados, v. 2, n. 3, p. 67-76, 1988.