Autores

Grando, S.R. (IFRS-CAMPUS VIAMÃO) ; Diehl, V. (IFRS-CAMPUS FELIZ) ; da Silva, R.G. (IFRS-CAMPUS VIAMÃO)

Resumo

Este trabalho apresenta uma proposta de contextualização e (re)significação dos conteúdos de química estudados em um curso superior em Gestão Ambiental, utilizando como tema gerador a cultura indígena e a produção de cerâmica Guarani. Durante a execução do projeto foram realizadas diferentes atividades, como a visita a uma aldeia indígena Guarani, oficinas alternativas de produção e de queima de cerâmica e visita à uma indústria de cerâmica vermelha, que permitiram um novo olhar para a química. O conhecimento sobre aspectos da cultura indígena também oportunizou uma experiência significativa em outras áreas, como artes, história e meio ambiente, contribuindo para o reconhecimento da responsabilidade social e ambiental e de percepções sobre a interculturalidade do povo brasileiro.

Palavras chaves

Cerâmica guarani; Ensino de química; Produção artística

Introdução

A forma com que os conteúdos de química são comumente trabalhados nos diversos níveis de ensino tem contribuído para uma visão fragmentada e descontextualizada dessa ciência. Temas como conservação da biodiversidade, gestão territorial e ciência e tecnologia, quando estudados de forma integrada e contextualizada podem contribuir significativamente para reflexões e ações diferenciadas no ensino de química, com ênfase na área ambiental (CHARLOT, 2005). Buscando incluir também a interculturalidade no ensino, este trabalho trouxe à tona os modos de ver e pensar a cerâmica indígena e sua potencialidade educativa (MARTINS, 2013). O projeto foi aplicado no componente curricular química geral, com os alunos do primeiro semestre do Curso Superior em Gestão Ambiental, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), campus Viamão. No município localizam-se três aldeias indígenas Guarani, o que torna o tema sobre a cultura indígena e a produção de cerâmica Guarani bastante relevante. Os conteúdos sobre ligações e reações químicas, funções inorgânicas e termoquímica foram estudados ao longo do semestre conforme as atividades foram sendo desenvolvidas, possibilitando o estudo de forma menos fragmentada e com mais significado para os alunos. A visita a uma aldeia indígena e a produção artística utilizando técnicas alternativas promoveu experiências no campo da cerâmica indígena, contextualizando abordagens curriculares no ensino de química e ampliando o conhecimento sobre a formação intercultural do povo brasileiro, bem como a importância das suas relações com o meio ambiente. Posteriormente, a visita aos modos de produção em uma indústria de cerâmica vermelha localizada na região possibilitou a aplicação de conceitos de produção mais limpa.

Material e métodos

O projeto foi desenvolvido entre os meses de abril e julho de 2017, em uma turma ingressante do Curso Superior em Gestão Ambiental do IFRS - campus Viamão. As atividades foram realizadas em conjunto com outros docentes, com a integração dos componentes curriculares “química geral” e “produção mais limpa”. No mês de abril, com a colaboração do Núcleo de Ações Afirmativas do campus Viamão (Naaf), foi realizada visita a uma aldeia indígena Guarani localizada no município de Viamão, onde os alunos participaram de uma série de atividades e rituais, incluindo o plantio de árvores. No mês de maio ocorreram as atividades conjuntas ao projeto de extensão “Ceramicando na Escola”, com duas oficinas desenvolvidas em conjunto com uma professorartista e ceramista do IFRS- campus Feliz: uma oficina de produção e outra de queima de cerâmica, utilizando-se técnicas da cultura guarani. As oficinas foram realizadas no espaço do campus, possibilitando as práticas com os recursos disponíveis. A primeira oficina propôs a contextualização de conteúdos a partir da apresentação expositiva sobre o tema, seguida da criação e da produção cerâmica dos alunos, com a orientação dos processos básicos para a modelagem de uma peça e a representação de referenciais culturais. A segunda oficina envolveu a queima alternativa das peças já secas utilizando um forno de tijolos construído pelos alunos, tendo como combustível o resíduo de madeira. Os conteúdos ligações e reações químicas, funções inorgânicas e termoquímica foram estudados em conjunto com as atividades propostas, a partir de aulas expositivas, discussões, pesquisas, seminários e leitura de artigos. No mês de junho ocorreu a visita uma indústria de cerâmica vermelha para conhecer os fluxos do processo de produção industrial.

Resultado e discussão

A visita à aldeia indígena proporcionou uma experiência singular, observada pelas descrições dos alunos nos relatórios, como a que segue: “A visita oportunizou não apenas observar, mas interagir com uma cultura diferente, guardiã de valores em muitos aspectos opostos aos nossos, como em sua visão sobre o papel da educação e suas relações com o meio ambiente”. Os indígenas de tradição guarani compõem um dos principais grupos do Brasil e no RS a ocupação Guarani data de 906 d.C., a partir dos achados de cerâmica e outros fragmentos na região do Rio Taquari (MACHADO et all, 2008). A produção de cerâmica dos guarani caracteriza-se pela mistura do pó de argila cozida e moída (chamote) e da modelagem “acordelada”, onde são usados cordões de argila sobrepostos para moldar as peças (Figura 1). O cozimento da argila é realizado em queima redutora de oxigênio, em uma “queima primitiva”, que era utilizada no início da produção de cerâmica, em buracos cavados na terra (COSTA et all, 2012) e que produz manchas escuras nas peças (Figura 2). “Quais as interações que conferem plasticidade as argilas? Quais as substâncias presentes nas argilas? O que ocorre com as ligações químicas nos materiais após a sinterização? Como explicar as mudanças nas propriedades das peças, como a resistência mecânica, após a “queima”? Há influência das variações de energia nos processos? Por que as peças ficam pretas após a queima alternativa? Como se dá o fluxograma de entradas de insumos e saídas de resíduos dos processos produtivos em uma indústria de cerâmica vermelha?” A curiosidade e a dificuldade em responder a estas e outras questões possibilitou a introdução dos conteúdos de química e de produção mais limpa, que ocorreu de forma contextualizada, interdisciplinar e muito mais interessante.

Figura 1

Peça cerâmica após a moldagem "acordelada".

Figura 2

Peça cerâmica após a queima, com manchas escuras.

Conclusões

Avaliações realizadas com os alunos demonstraram que as atividades desenvolvidas foram muito enriquecedoras, possibilitando a eles perceber a importância da química no currículo do curso. Além disso, as ações do projeto foram constituídas como um lugar de liberdade para experimentações ampliando significados e sentidos pela cultura indígena a partir da produção da cerâmica. Pode-se inferir então que a abordagem do projeto foi facilitadora na aprendizagem de conceitos químicos, utilizando-se a investigação e experimentação como forma de conhecimento e permitindo as relações interculturais.

Agradecimentos

Ao IFRS pelo auxílio financeiro na execução do projeto.

Referências

CHARLOT, B. Relação com o saber, formação dos professores e globalização: questões para a educação hoje. Porto Alegre: Artmed, 2005.
COSTA, G.; OLIVEIRA, L.; FIGUEREDO, R. A cerâmica tupiguarani. Material de aula. Universidade Federal de Pernambuco. Mai 2012. Disponível em https://pt.scribd.com/presentation/98129834/Ceramica-Tupiguarani. Acesso em 06 jul 2018.
MACHADO, N. T. G.; SCHNEIDER, P.; SCHNEIDER, F. Análise parcial sobre a cerâmica arqueológica do Vale do Taquari, Rio Grande do Sul. Cerâmica [online]. vol.54, n.329, p.103-109, 2008.
MARTINS, A. M. D. Narrativas: uma inspiração metodológica para as escolas Guarani. In: BENVENUTI, J.; BERGAMASCHI, M. A.; MARQUES, T. B. I. (orgs). A Educação Indígena sob o ponto de vista de seus protagonistas. Porto Alegre: Evangraf, p 277-290, 2013.