Autores
Almeida, L.C.S. (CEEQUIM/UFRJ) ; Ornellas, I.D. (UFRJ) ; Filho, A.M.M. (UFRJ) ; Rocha, A.S. (UERJ) ; Sousa, C. (UFRJ) ; Martinhon, P.T. (UFRJ)
Resumo
O presente trabalho teve como objetivo principal promover a integração entre um aluno com Síndrome de Down e seus colegas durante as aulas de química. Para tal, as experiências adquiridas a partir da prática pedagógica de discentes e docentes intermediaram dinâmicas cujo objetivo foi compartilhar o conhecimento de Si do próprio aluno com Síndrome de Down, com os colegas de turma. Essa ação buscou estimular o aprendizado de todos, a partir do lema “nada sobre nós, sem nós”, proporcionando experiências enriquecedoras a todos os envolvidos, por meio da interdisciplinaridade que deveria estar intrinsecamente ligada aos conceitos que são ensinados em sala de aula. Todos os alunos da disciplina se beneficiaram com a dinâmica pedagógica, por agregarem conhecimento sobre inclusão e cidadania.
Palavras chaves
Síndrome de Down; Conhecer; Desmistificar
Introdução
Introduzir a química no ensino fundamental deveria colaborar para tornar os alunos mais familiarizados com o seu aprendizado. São tantas abordagens possíveis encontradas na vida cotidiana do aluno; tantas alternativas dentro do conteúdo científico que podem ser utilizadas de uma forma contextualizada, que é difícil compreender o motivo pelo qual tantos jovens têm tamanha ojeriza por essa disciplina (ORNELLAS, 2017). O que está acontecendo? Se essa aversão é muito presente entre discentes que não possuem nenhuma necessidade educacional especial (NEE), qual deve ser a opinião de sujeitos deficientes sobre tal temática? Certamente não deve ser muito melhor. Nessa perspectiva, o desenvolvimento deste trabalho foi pautado no lema “nada sobre nós, sem nós” e em fundamentações teóricas contidas nos pressupostos da inclusão escolar a partir de um ensino construtivista. Nessa perspectiva, pensar em inclusão escolar perpassa refletir sobre metodologias didáticas, que por sua vez devem facilitar o diálogo entre os mais diversos conteúdos, ou seja, devem ser simplificadoras da interdisciplinaridade. Assim, de modo geral, o intuito do trabalho foi conseguir influenciar de maneira positiva os colegas de classe de um discente com Síndrome de Down (SD), fornecendo, para tanto, informações sobre como criar melhores oportunidades para que estes sujeitos possam construir um aprendizado significativo, assim como, ferramentas viáveis de serem utilizadas dentro do cotidiano das salas de aula. As características clássicas da SD foram descritas pela primeira vez no ano de 1866 por Jonh Langdon Down. Apesar de existirem descrições anteriores, foi a partir dos estudos deste pesquisador que se tornou possível distinguir crianças com SD daquelas com deficiência mental apenas. Portanto, a relevância do trabalho de Down foi “seu reconhecimento das características físicas e sua descrição da condição como entidade distinta e separada”. Down foi fortemente influenciado pelas teorias evolucionistas de Charles Darwin. Para ele, a SD era um retorno a um tipo racial mais primitivo, defendendo que algumas raças eram superiores a outras. Down criou, de forma infeliz, o termo “idiotice mongoloide” para descrever tais crianças, pois estas possuíam olhos puxados devido à prega entre o nariz e os olhos, dando a elas traços orientais, ou seja, semelhante aos mongois, povo que vive na Mongólia (LISBOA, 2015; PUESCHEL, 2012). O termo mongol foi por muito tempo utilizado para identificar sujeitos de forma pejorativa. Segundo Down, pessoas com SD e mongóis eram pertencentes a uma raça inferior, menos evoluída (ORNELLAS, 2017). Esta terminologia foi substituída por SD a partir de 1965, quando a Mongólia requereu a eliminação do termo “idiotice mongoloide” à Organização Mundial de Saúde. O requerimento foi baseado nos achados de Jérôme Lejeune, em 1959, que descobriu uma cópia extra do cromossomo 21 no cariótipo de quem tem a síndrome (LISBOA, 2015). Em 1875, os cientistas Frase e Mitchell apresentaram pela primeira vez um estudo científico, fruto da observação de 62 pessoas com SD. Em anos posteriores, outros trabalhos foram publicados descrevendo, prioritariamente, as características físicas desses sujeitos. A descoberta de Lejeune possibilitou que muitas características predominantes nessa desordem fossem explicadas à luz da genética. “Embora muitos dos mistérios envolvendo a SD tenham sido desvendados, ainda existem muitas perguntas sem resposta que exigirão pesquisas futuras para nos fornecer melhor compreensão desta desordem” (apud PUESCHEL, 2012). Estudos na área educacional devem ser cada vez mais incentivados, assim como, os neurobiológicos, a fim de que se possa entender, livre de preconceitos, a capacidade de desenvolvimento cognitivo desses sujeitos.
Material e métodos
A discussão sobre a importância do aprendizado das Ciências na formação de um cidadão crítico, consciente do seu papel no mundo contemporâneo e capacitado para a tomada de decisões, não é uma temática nova. Contudo, essa reflexão deve ser estendida para os alunos com NEE. Estes, também, precisam ter a oportunidade de compreender os fenômenos da natureza, assim como a relação existente entre o desenvolvimento das tecnologias e o crescimento da sociedade. E, para tanto, precisam ter uma formação teórica sobre as Ciências, ou seja, devem aprender, entre outras disciplinas, a química. A pesquisa bibliográfica do presente estudo se baseou em livros sobre inclusão escolar e sobre neurobiologia; artigos acadêmicos que tratavam de forma minuciosa a questão das particularidades do desenvolvimento cognitivo dos indivíduos com SD; incluindo monografias, teses e dissertações; a legislação educacional brasileira; entre outros documentos pertinentes à realização do estudo. A proposta incluiu uma apresentação, feita pelo próprio discente Down, sobre as especificidades de sua síndrome. A apresentação esclareceu aos alunos as especificidades de indivíduos com essa síndrome, e fomentou o processo de aprendizagem colaborativa na turma, que se mobilizou posteriormente a desenvolver material didático que facilitasse o aprendizado de química por todos.
Resultado e discussão
Na sequência será apresentado o material que o aluno apresentou para seus colegas de classe, e que foi embasado no trabalho de Ornellas (2017). Para o desenvolvimento de sua apresentação ele teve a ajuda da mãe e da professora, contudo, a pedido do filho, que não soube explicar o motivo, a mãe não autorizou a publicação das fotos tiradas durante a apresentação. A repercussão de sua apresentação foi tão boa que ele reapresentou o trabalho em uma reunião de pais. Introduzindo a temática: A Síndrome de Down é diagnosticada logo nas primeiras horas após o nascimento devido à presença de características físicas (fenotípicas). Sua confirmação é feita, posteriormente, através de análises citogenéticas do cariótipo de células em metáfase (HERCULANO et al., 2010). Entretanto, assim como todas as pessoas, cada indivíduo com SD é único. As Causas: As células humanas normais possuem 23 pares de cromossomos, totalizando 46 cromossomos. Em indivíduos com SD, o cromossomo 21 apresenta uma cópia extra, o que resulta no total de 47 cromossomos. Assim, essa desordem genética também é conhecida como trissomia 21. Em pesquisas posteriores, geneticistas descobriram outros problemas cromossômicos em crianças com SD: a translocação e o mosaicismo. Os cromossomos são minúsculas estruturas em forma de barras que portam os genes; estão contidos no núcleo de cada célula e só podem ser identificados durante uma certa fase da divisão celular utilizando-se um exame microscópico. Os cromossomos estão dispostos em pares conforme seu tamanho, sendo 22 pares de cromossomos regulares (autossomos) e dois cromossomos do sexo, que são XX para o feminino e XY para o masculino (PUESCHEL, 2012). As células germinativas, espermatozoides e óvulos, possuem 23 cromossomos. Em condições normais, no momento da concepção, a união do óvulo e do espermatozoide resulta na formação da primeira célula com 46 cromossomos. Esta, por sua vez, inicia o processo de divisão, formando gerações subsequentes, em que cada célula tem 46 cromossomos. Na SD, o cromossomo 21 possui uma cópia extra no óvulo ou no espermatozoide, gerando a primeira célula com 47 cromossomos. A célula original com 47 cromossomos começa a se dividir para formar duas cópias exatas dela mesma, de tal forma que cada célula gerada tem um conjunto idêntico de 47 cromossomos. Esta divisão celular falha permite a entrada do cromossomo extra na célula, podendo ocorrer em um dos três lugares: no espermatozoide, no óvulo ou durante a primeira divisão da célula após a fertilização; esta última possibilidade é extremamente rara. Estimativas indicam que em 70% a 80% dos casos, o cromossomo 21 extra é derivado da mãe e que em 20% a 30% dos casos, vem do pai (PUESCHEL, 2012; SCHWARTZMAN, 2003). No caso da trissomia 21, presente em 95% dos casos de SD, ocorre uma falha no processo de separação dos dois cromossomos 21, que ficam “colados” e não se separam de forma adequada. Já na translocação, observada em 3% a 4% dos casos, o cromossomo 21 está ligado ou translocado a outro cromossomo, geralmente ao cromossomo 14 ou 22; logo o número total de cromossomos nas células é 46, mas como o cromossomo 21 extra está ligado a outro cromossomo, novamente, há um total de três cromossomos 21 presentes em cada célula. Pais de crianças com SD de translocação possuem dois dos cromossomos ligados um ao outro, o que resulta em um total de 45 cromossomos em vez de 46. “Tal pessoa é denominada de portador balanceado ou portador de translocação” e os “cromossomos ligados não alteram as funções normais dos genes e nem causam anormalidades” (PUESCHEL, 2012). O mosaicismo, presente em torno de 1% dos casos de crianças com SD, ocorre devido a um erro em uma das primeiras divisões celulares, após a concepção. O termo mosaicismo é proveniente da presença de células tanto com 47 cromossomos quanto outras com 46. Estudos defendem que algumas crianças com SD do tipo mosaicismo apresentam melhor desempenho intelectual e traços físicos menos marcantes quando comparadas com aquelas com trissomia 21, alguns indivíduos as vezes são diagnosticados com a síndrome apenas na vida adulta. Seja qual for o tipo de SD - trissomia 21, translocação ou mosaicismo - a presença do cromossomo extra 21 é responsável pelas características físicas específicas e pelas especificações cognitivas presentes nessas crianças (PUESCHEL, 2012). Os fatores que levam a uma divisão celular falha, originando a SD, ainda permanecem sem maiores explicações. Apesar de existirem muitas teorias, como exposição ao raio X; administração de certas drogas; problemas hormonais ou imunológicos; e infecções virais específicas, não existem evidências definitivas que comprovem que algumas dessas situações estejam relacionadas a uma maior incidência desta desordem genética. Entretanto, é consenso entre os pesquisadores que a idade avançada da mãe pode ser um fator de risco para gerar bebês com SD (PUESCHEL, 2012). Esta teoria se baseia em dados estatísticos que indicam que o número de crianças que nascem com SD num certo conjunto aumenta com o aumento da idade da mãe, sugerindo que, quanto maior a idade materna maior a probabilidade do feto ter SD. No Brasil, não existe um censo específico para verificar com exatidão o número de crianças com SD. Logo, para estimar este valor, utiliza-se como parâmetro a incidência da SD na população geral, ou seja, a cada 600 a 800 nascimentos, um recém-nascido vivo apresenta esta desordem genética (SCHWARTZMAN, 2003). As Características Físicas: O cromossomo extra 21 nas células de quem tem SD é o responsável pelas características físicas, como o formato dos olhos; o tamanho da cabeça; a largura do pescoço; entre outras. Entretanto, não é o intuito deste trabalho pormenorizar esses atributos, que podem variar de acordo com o indivíduo, ou seja, alguns sujeitos apresentam determinados aspectos da SD, enquanto outros não. Um exemplo disso é a incidência de defeitos cardíacos congênitos nessa população, ficando em torno de 40%. O fato é que os atributos físicos não devem ficar em evidência em detrimento do seu desenvolvimento cognitivo. Estes servem para que os médicos possam diagnosticar a SD logo nas primeiras horas após o nascimento. Diagnóstico este que deve ser confirmado com um estudo cromossômico, o exame de cariótipo. Segundo Schwartzman (2003), “o diagnóstico sempre é feito pelos achados fenotípicos, mormente pela aparência facial. De fato, é a associação de sinais discretos observados nas faces dos pacientes que permitem o diagnóstico, principalmente nos recém-nascidos”, mas a projeção da língua que normalmente é protusa e malformações dos órgãos também podem ser evidências da presença da síndrome. É importante salientar que a aparência não deve ser uma barreira para socialização e para a educação, inclusive no ensino regular. É muito fácil, até para um completo leigo, reconhecer quando um indivíduo é portador da SD. E por que isto acontece? Ora esses sujeitos ficaram muito marcados pelos atributos de sua aparência física ao invés do reconhecimento de suas outras capacidades, sejam essas emocionais ou intelectuais; ou mesmo do desenvolvimento de suas potencialidades. Mas este pensamento já está mudando em várias sociedades contemporâneas e a integração de indivíduos com necessidades especiais de aprendizado, as mais diversas, deve ser fomentada, e acreditamos que a escola é o espaço ideal para promover esta inclusão, servindo como núcleo disseminador desta prática.
Conclusões
Os educadores devem olhar para além do aspecto físico de seus discentes, não permitindo que este seja um empecilho para a educação. Em uma situação hipotética em que dois discentes possuam a SD, mas apenas um apresente traços característicos da SD, será que o docente presumiria que o desenvolvimento cognitivo dos dois é semelhante? Estas barreiras que foram socialmente construídas em torno da SD, principalmente devido a seu fácil reconhecimento, devem ser combatidas por meio de informações corretas e atualizadas sobre essas especificações cognitivas. O educador e a escola têm um papel fundamental na desconstrução desses mitos. O professor deve, baseado em estudos, sejam eles utilizando pesquisas, ou mesmo em cursos de atualização, criar oportunidades que facilitem o processo de ensino-aprendizagem. A instituição, por sua vez, deve incentivar a participação da família na vida educacional dessas crianças; ações inclusivas; o diálogo entre os membros da comunidade escolar, criando oportunidades que incentivem uma maior interação social entre os estudantes, entre os docentes, enfim entre os participantes desse ambiente tão diversificado e tão complexo – a escola. Como a própria inclusão escolar determina, incluir significa rejeitar o tradicionalismo, inovando as metodologias didáticas. Escolas inclusivas devem priorizar a interdisciplinaridade, o diálogo entre os membros da comunidade escolar. Este trabalho faz um convite a estas reflexões e apresenta informações sobre a SD que foram abordadas em aulas de química do curso regular de uma turma com um indivíduo com a síndrome. Este aluno foi plenamente integrado ao grupo por meio de atividades didáticas que beneficiaram o aprendizado de todos, tanto em termo da química quanto da convivência humana.
Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio e financiamento do Grupo Interdisciplinar de Educação, Eletroquímica, Saúde, Ambiente e Arte (GIEESAA).
Referências
HERCULANO, Cláudia Vieira de Castro; RAMOS, Maria Alice de Moura e CORRÊA, Maria Ângela Monteiro. Tópicos em educação especial. Volume único. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2010.
LISBOA, Margarida Vieira. Mongólia e os mongoloides. Revista Frontal, 2015.
ORNELLAS, Iara Déniz. Desenvolvimento de ferramentas de apoio didático para o ensino inclusivo de química. 110f. 2017. TCC. UFRJ, 2017.
PUESCHEL, Siegfried. Síndrome de Down. Campinas: Papirus, 2012.
SCHWARTZMAN, José Salomão. Síndrome de Down. SP: Memmon, 2003.