Autores

Oliveira, T.M. (UFRJ) ; Guerra, A.C.O. (UFRJ)

Resumo

Este trabalho consiste em um jogo de tabuleiro, do tipo trilha, que foi aplicado em uma escola da rede privada de ensino do Estado do Rio de Janeiro para alunos das três séries do Ensino Médio. O objetivo foi avaliar a capacidade de uma atividade lúdica em proporcionar um ambiente de ensino que seja capaz de conduzir a uma aprendizagem mais significativa. Dividindo as turmas em grupos e mediando a construção das respostas em função das perguntas do jogo, foi possível constatar a eficácia do jogo didático na construção de um ambiente de ensino que usa a interação entre os alunos para o desenvolvimento de novas formas de pensamento, capazes de expandir a estrutura cognitiva dos estudantes.

Palavras chaves

Jogo didático; Aprendizagem ; Ensino de química.

Introdução

A abordagem da disciplina química nas escolas de Ensino Básico vem sendo, de maneira geral, reduzida a uma abordagem simplificada de diversos conteúdos através de aulas expositivas, que muitas vezes não são capazes de estimular a atenção ou de despertar o interesse dos alunos em sala de aula. Segundo Pelizzari (2002) a utilização desta metodologia enrijecida de ensino acaba por desencadear uma aprendizagem receptiva, ou memorística, nas salas de aula. Nesse contexto, os alunos não são conduzidos a relacionar o conteúdo ministrado em aula com outros conhecimentos prévios, mas sim submetidos a um processo mecânico de aprendizagem, baseado em memorizações de grandes blocos de conteúdo, os quais muitas vezes serão descartados após um determinado período. Frente a esse cenário de ensino, a Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS), cujas primeiras formulações foram elaboradas pelo psicólogo norte americano David P. Ausubel, surge como uma alternativa para romper este ciclo mecânico de aprendizado. Segundo Moreira (1999), a aprendizagem significativa é um processo através do qual todo novo conhecimento se incorpora à estrutura cognitiva do indivíduo de maneira substantiva e não arbitrária. Tal apropriação se dará através de uma relação do novo conhecimento com um conceito ou ideia prévia relevante, denominada subsunçor, que atuará como uma âncora para fixação do novo saber. Para Pelizzari (2002) a TAS não está ligada a quantidade de conceitos que o aluno é capaz de memorizar, mas sim ao número de relações que o aluno é capaz de estabelecer entre seus conhecimentos prévios e o novo saber. O conhecimento construído a partir desta relação entre o novo saber e o subsunçor apresenta vantagens em relação ao conhecimento adquirido mecanicamente, uma vez que com a aprendizagem significativa, os novos conceitos apreendidos se tornam mais duradouros, concretos e relevantes para o aluno. Neste contexto, o jogo didático ganha espaço como uma ferramenta potencial para auxiliar na quebra do ciclo mecânico de aprendizagem, uma vez que representa um recurso pedagógico diferente dos materiais padrão (livro didático e quadro negro, por exemplo) utilizados regularmente. Para que o jogo possa exercer seu papel educativo de maneira adequada, ele deve ser construído de maneira a levar em consideração duas funções específicas: A função lúdica e a função educativa (SOARES, 2004). Inicialmente, o jogo terá um aspecto mais educativo, haja vista que esta primeira etapa da utilização de um jogo em sala de aula envolve a adaptação dos alunos à metodologia do jogo proposto pelo professor e à maneira como esta atividade abordará o conteúdo programado. Em um segundo momento, durante a prática do jogo em si, a função lúdica se mostrará presente na mesma proporção da função educativa, resultando em um equilíbrio entre essas funções, sendo assim capaz de criar um ambiente de ensino motivador. Esse ambiente estimula o interesse do estudante pelo conhecimento, possibilitando assim a construção de novas formas de pensamento, expandindo a estrutura cognitiva do aluno através de relações entre os conteúdos previamente abordados em sala de aula e situações problemas ou desafios que deverão ser solucionados a cada etapa do jogo, resultando, portanto, em uma aprendizagem mais significativa (CUNHA, 2012). O presente trabalho tem por objetivo avaliar o potencial de uma atividade do tipo jogo didático em estimular os alunos a discutirem entre si os conceitos previamente abordados pelo professor em sala de aula, de modo a construir novas formas de pensamento através de uma atividade interativa, tornando a aprendizagem de química mais significativa dentro do ambiente escolar.

Material e métodos

Um jogo de tabuleiro do tipo trilha foi desenvolvido com o propósito de realizar uma atividade de reforço dos conteúdos previamente ministrados em sala de aula. Para atingir esta meta, as questões do jogo foram divididas de acordo com o conteúdo previsto para o Ensino Médio. Desta forma, os alunos da primeira série responderam apenas questões sobre química geral, os alunos da segunda série responderam questões sobre físico-química e química orgânica, e os da terceira série responderam apenas questões sobre química orgânica. O jogo “Química na realidade” foi aplicado em uma turma de cada série de uma escola da rede privada do Estado do Rio de Janeiro, totalizando 93 alunos. Uma vez abordados os conteúdos previstos, cada turma foi orientada a se dividir em 6 grupos, que iriam constituir as equipes participantes do jogo. Um aluno de cada equipe deveria, inicialmente, jogar o dado para definir a ordem com que as equipes iriam jogar. O andamento do jogo é baseado em uma estrutura padrão de um jogo de tabuleiro, onde após lançar o dado, cada equipe andará sobre o tabuleiro o número de casas correspondentes. Ao longo do percurso do tabuleiro, as equipes podem cair em três tipos de casas distintas: verdes, vermelhas ou azuis, com suas respectivas cartas-pergunta. As cartas verdes, contém perguntas classificadas como fáceis, dispondo de 2 minutos para a resposta. Caso a equipe responda corretamente à pergunta, ganhará o direito de avançar mais uma casa no tabuleiro ou permanecer na mesma casa em caso de erro. As cartas vermelhas contêm perguntas classificadas como difíceis, dispondo de 3 minutos para a resposta. A resposta correta garante o direito de avançar mais duas casas no tabuleiro ou permanecer na mesma casa em caso de erro. As cartas azuis, classificadas como cartas surpresa, apresentam um comando específico a ser cumprido, como andar mais duas casas, jogar novamente ou regressar duas casas. A equipe que conseguir chegar primeiro ao final do tabuleiro será a vencedora. A análise da atividade foi feita através dos erros e acertos dos alunos acerca dos temas abordados no jogo, através da observação, por parte do professor, da interação entre os alunos durante a atividade e a capacidade de discutirem as perguntas propostas, a partir dos seus conhecimentos prévios. Cada uma das cartas do jogo (verdes ou vermelhas) apresentavam um código, o que permitiu ao professor registrar quais das perguntas sorteadas foram respondidas corretamente, para análise posterior do grau de dificuldade.

Resultado e discussão

Inicialmente cada turma foi dividida em 6 grupos, que variavam de 4 a 6 componentes, de acordo com o número de alunos presentes em cada turma. Os resultados observados levam em conta o desenvolvimento de cada turma durante a atividade, em função das respostas fornecidas para as perguntas do jogo e da capacidade dos alunos em trabalhar a construção e uma resposta em equipe, estabelecendo conexões entre o conteúdo envolvido na atividade e o que já foi previamente abordado em sala de aula. Ao longo da aplicação da atividade na 1ª série, foram utilizadas 36 questões, das quais 26 foram respondidas corretamente, representando 72,2% de acerto, sendo 24 cartas verdes (consideradas fáceis), 14 cartas vermelhas (consideradas difíceis). Além das questões, também foram utilizadas 7 cartas azuis (com função lúdica). Os alunos demonstraram um desempenho excelente ao analisarem questões sobre processos de separação de misturas, modelos atômicos e estrutura atômica, além de tabela periódica e suas propriedades. Durante a resolução das questões relativas a esses temas, os alunos foram capazes de discutir o contexto da pergunta e compará-lo a um exemplo já conhecido, a partir de situações do seu cotidiano, como ocorreu nas questões sobre separação de misturas, ou a um exemplo previamente trabalhado em sala de aula, fato também observado nos demais temas. No que diz respeito às questões que abordavam distribuição eletrônica e ligações químicas, os alunos apresentaram uma proporção de erros mais relevante. Um fator que pode ter contribuído para essa discrepância no desempenho dos estudantes pode ser a quantidade de conceitos que estão atrelados às questões destes temas. Para uma questão de distribuição eletrônica, por exemplo, é necessário relacionar reconhecimentos sobre número de elétrons da espécie e sobre configurações de subníveis eletrônicos (em ordem crescente de energia), ou como no caso das questões sobre ligações químicas, onde é necessário observar a quantidade de elétrons nas camadas de valências dos átomos participantes, para em seguida identificar o caráter da ligação que será formada, através das posições destes átomos na tabela periódica. A Figura 1 apresenta uma imagem do tabuleiro do jogo e as cartas utilizadas para a aplicação da atividade na 1ª série. Durante a aplicação do jogo para os alunos da 2ª série foram utilizadas 28 questões, das quais 15 foram respondidas corretamente, representando 53,6% de acerto, sendo 21 cartas verdes (consideradas fáceis), 7 cartas vermelhas (consideradas difíceis). Além das questões, também foram utilizadas 10 cartas azuis (com função lúdica). Foi possível constatar que eles demonstraram um bom desempenho nas questões relacionadas às propriedades coligativas e reconhecimento de processos endotérmicos e exotérmicos, bem como sobre classificação do átomo de carbono e tipos de fórmula química dos compostos orgânicos. Ao desenvolverem as questões dentro destes temas, os alunos demonstraram a habilidade para relacionar as perguntas propostas com temas cotidianos, além de conectar o conteúdo da pergunta com os exemplos abordados pelo professor em sala de aula. Em contrapartida, os estudantes demonstraram uma grande dificuldade para desenvolver temas relacionados a unidades de concentração e cálculo de energia de um determinado processo, assim como para desenvolver questões envolvendo classificação de cadeias carbônicas. Ao longo do desenvolvimento das questões de físico-química, os alunos foram capazes de compreender o contexto em que se enquadrava a pergunta, além de identificar uma situação do cotidiano onde aquela pergunta se aplicava, como no caso das perguntas sobre diluição. Entretanto, a dificuldade em desenvolver algumas operações matemáticas contribuiu para a formulação de respostas erradas. Já nas questões sobre classificação de cadeia carbônica, os alunos foram capazes de associar o contexto da questão aos exemplos trabalhados em sala de aula, porém tiveram dificuldades em classificar a cadeia quanto a sua saturação. Na Figura 2 podemos observar os alunos do segundo ano participando do jogo, enquanto uma das equipes se preparava para responder uma pergunta. No decorrer da aplicação do jogo na 3ª série, foram utilizadas 26 questões, das quais 16 foram respondidas corretamente, representando 61,5% de acerto, sendo 16 cartas verdes (consideradas fáceis), 10 cartas vermelhas (consideradas difíceis). Além das questões, também foram utilizadas 9 cartas azuis (com função lúdica). Os estudantes da turma de 3ª série do Ensino Médio demonstraram um ótimo desempenho ao resolverem questões que abordavam temas como classificação do átomo de carbono, reconhecimento funcional e classificação de cadeia carbônica. Esses alunos foram capazes de formular respostas a partir dos conhecimentos previamente adquiridos, além de relacionar o assunto abordado na questão com exemplos citados em sala de aula, como no caso da classificação do tipo de carbono, e com o cotidiano, como no caso do reconhecimento funcional. Em contrapartida, o reconhecimento e a contagem de ligações do tipo sigma e a isomeria plana foram mais difíceis. A representação das estruturas dos compostos não gerou dificuldades, contudo, os erros associados a estes temas podem ser associados principalmente a dificuldade de reconhecer a presença de ligações do tipo sigma na estrutura do composto, principalmente na presença de ligações duplas ou triplas ao longo da estrutura. No que diz respeito às questões sobre isomeria plana, a dificuldade de reorganizar a estrutura das moléculas, de acordo com o tipo de isomeria presente foi um fator que se destacou, uma vez que mesmo conseguindo representar a estrutura do composto que daria origem ao isômero, os alunos não conseguiam determinar a estrutura de acordo com o tipo de isomeria solicitada. O fato dos alunos terem sido capazes de relacionar o conteúdo de algumas questões do jogo com exemplos citados em sala de aula e também com situações presentes em seu cotidiano sugere que a atividade foi capaz de amenizar o modelo mecânico de ensino, uma vez que através do equilíbrio entre as funções lúdica e pedagógica da atividade, os alunos foram estimulados a trabalhar em equipe para que pudessem construir uma resposta para a questão proposta pelo jogo, utilizando seus conhecimentos prévios de maneira lógica. Apesar das dificuldades apresentadas em determinados temas, o jogo se mostrou eficiente no processo de construção de uma aprendizagem mais significativa ao proporcionar um ambiente de ensino diferenciado e motivador, capaz de conduzir os alunos a construção de linhas de pensamento mais elaboradas e conectadas aos seus conhecimentos prévios.

Figura 1

Tabuleiro do jogo com as cartas utilizadas na 1ª série

Figura 2

Alunos da segunda série desenvolvendo uma questão do jogo

Conclusões

Os resultados sugerem que a atividade didática proposta nesse trabalho foi capaz de gerar um ambiente de ensino diferente do padrão imposto pela metodologia tradicional, uma vez que estimulou os alunos a trabalharem em equipe com o intuito de construir repostas baseadas na associação entre seus conhecimentos prévios acerca de temas previamente ministrados em sala de aula pelo professor. Uma vez capaz de equilibrar as funções lúdica e educativa, o jogo não só proporcionou aos estudantes a chance de relacionar o conteúdo previamente abordado em sala de aula com aspectos do seu cotidiano, mas também gerou discussões sobre diversos temas, instigando os alunos a reformularem seus pensamentos para um mesmo tema, em um trabalho em equipe, antes de estabelecerem uma resposta final para a jogada. Um fator que se mostrou fundamental para a eficácia deste trabalho, no que diz respeito transformar o ensino de química em um processo mais significativo, foi o fato de mesmo não atingindo a resposta correta, os estudantes foram capazes de relacionar conceitos entre si, e discutir de maneira construtiva sobre os fatores que estariam associados a cada conteúdo perguntado. Desta forma, o jogo resultou em processo de aprendizagem interativo, mostrando-se relevante para a formação do aluno e capaz de romper com o processo receptivo de aprendizagem.

Agradecimentos

Referências

CUNHA, M.B. Jogos no Ensino de Química: Considerações Teóricas para sua Utilização em Sala de Aula. Revista Química nova. Vol. 34, Nº 2, p92-98, maio 2012

MOREIRA, M.A. Aprendizagem Significativa. Brasília: UnB editora. 130p.

PELIZZARI, Adriana et al. Teoria da aprendizagem significativa segundo Ausubel. revista PEC, v. 2, n. 1, p. 37-42, 2002.

SOARES, M. H. F. B.; O Lúdico em Química: Jogos e Atividades Aplicados ao
Ensino de Química. Tese de Doutorado. Universidade Federal de São Carlos, 2004.203 f.