Autores

Gomes, L.C.A. (COLÉGIO PEDRO II) ; Moreira, M.C.A. (IFRJ)

Resumo

Este trabalho tem como base de discussão um produto educacional desenvolvido como parte da dissertação de mestrado profissional realizado no Instituto Federal do Rio de Janeiro. O objetivo do produto educacional foi o de desenvolver uma metodologia de ensino e aprendizagem que auxiliasse os professores de química no desenvolvimento de aulas sobre as funções orgânicas. Outras finalidades abrangeram atividades interdisciplinares, emprego de tema gerador com características sociocientíficas e o ensino de química. Procurou- se demonstrar ao aluno e ao professor de química que o ensino dessa disciplina para o ensino médio, além de envolver questões científicas e tecnológicas pode ter cunho social, político e econômico.

Palavras chaves

Ensino de Química; Produto Educacional; Feira livre

Introdução

Não restam dúvidas de que desde a sua criação a modalidade de mestrado profissional tem alcançado dois objetivos pelo menos, o primeiro deles diz respeito à atualização na formação de docentes com experiência na escola básica e o segundo na renovação da prática pedagógica. Portanto, o estudo apresentado volta-se para um produto educacional pensado como renovação do ensino de química, para alunos do ensino médio. Nascimento, Ostermann e Cavalcanti (2017, p. 317) apontam que Um dos critérios de avaliação de um curso de Mestrado Profissional em Ensino é, de acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a transferência e aplicabilidade de um produto educacional em um sistema de ensino (Capes, 2016). O produto educacional, abordado nesse trabalho, foi desenvolvido por dois professores com larga experiência no magistério do ensino básico. No que diz respeito ao ensino de química, a literatura acadêmica tem apontado o desinteresse dos alunos, que em geral, se queixam das “aulas formais” devido a uma sobrecarga de conteúdos, o que acaba exigindo demasiada memorização de nomes e fórmulas (DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNANBUCO, 2002; SANTANA e REZENDE, 2008). Paulo Freire (2001), em um dos seus livros, Pedagogia do Oprimido, cita que a memorização mecânica dos conteúdos faz dos alunos vasilhas que vão sendo preenchidas a partir da narração exclusiva do professor. Para Damasceno, Wartha e Silva (2009), as pesquisas em ensino de química buscam um ensino diferente. Um ensino que não seja focado apenas na transmissão de informações, definições e regras. Segundo os autores é imprescindível a busca de mudanças, onde se considere os aspectos importantes desta ciência, em associação com outros aspectos, como o dia-a- dia do aluno, a inclusão do social entre outros. Essa mudança é ressaltada e advertida em Chassot (2003) uma vez que esse autor entende que, as escolas estão modificando a forma de ensinar ciências, mas a resistência ainda é grande, em relação a um ensino interdisciplinar e que envolva outras questões. O estudo em questão focou na elaboração de um livro (36 páginas) que visou uma proposta para professores de química da 2ª série do ensino médio. Foram citadas pesquisas realizadas sobre o ensino de química, de forma a levar um pouco do que vem sendo desenvolvido nesta área, ao conhecimento deles. Outro ponto abordado foi a necessidade da relação do cotidiano do aluno com as aulas de química. Se o aluno não conseguir associar o conteúdo visto em sala de aula com seu cotidiano, com o tempo ele tenderá a esquecer daquele conteúdo e não terá conseguido fazer correlações que o levem a se tornar um cidadão crítico e responsável. (GOMES e MOREIRA, 2017, p. 5) Em muitas escolas de ensino médio do Brasil, o ensino de química continua descontextualizado, o que de certa forma leva o aluno ao desinteresse pelas aulas. Podemos verificar problemas na formação inicial, falta de formação continuada e baixos salários, o que de certa forma obriga o professor a trabalhar em excesso, e assim não ter tempo para realizar cursos de extensão ou pós-graduação. Ao mesmo tempo podemos verificar algumas iniciativas diferenciadas de professores, que tentam realizar um trabalho de forma interdisciplinar e transdisciplinar, levando os alunos a relacionarem assuntos do cotidiano com o conhecimento abordado em sala de aula. (RUBBA e WIESENMAYER, 1988; SOLOMON, 1993; AIKENHEAD, 1994; IGLESIA, 1995; HOLMAN, 1998). Portanto, o produto educacional produzido, na forma de um livro, buscou desenvolver o conteúdo das funções orgânicas, a partir de um tema gerador, associado a uma visita planejada com base em questões sociocientíficas. Considerar propostas diferenciadas para desenvolver as aulas de química no ensino médio pode fazer com que o aluno se interesse mais pelas aulas de química, e talvez até siga carreiras em áreas afins, Nesse sentido, incentiva-se a utilização de espaço não formal (museus, feiras, visitas técnicas e outros espaços), onde se possa fazer associações com o que é ensinado em sala de aula e o cotidiano do aluno, a utilização jogos didáticos, filmes, séries de TV ou outras metodologias de ensino- aprendizagem. Em geral, pouca importância se dá para educação não formal. Esse aspecto é ressaltado no capítulo um do livro, numa tentativa de levar ao professor de química às outras perspectivas de ensino, de forma que o aluno sinta mais interesse pelas aulas. Num espaço não formal, as atividades propostas devem ter um fim definido, para que os alunos não se dispersem. Por isto, o livro sugere, no segundo capítulo, a visita planejada, que envolve todo um planejamento anterior. Neste aspecto o livro desenvolve uma proposta, para que os alunos se envolvam em todas as decisões, como a escolha do tema gerador, a pergunta mobilizadora que ajudará na escolha dos critérios a serem abordados na visita planejada, sempre com o professor agindo como mediador.

Material e métodos

O produto educacional em questão é um livro intitulado ‘Proposta de aulas temáticas a partir de uma visita planejada à feira livre para o estudo das funções orgânicas’ teve como base o trabalho efetuado ao longo do ano de 2016, numa escola pública federal, localizada na cidade do Rio de Janeiro. Contou com a colaboração de 62 alunos da segunda série do EM e teve autorização do Comitê de Ética do IFRJ (parecer número 1.736.755). A proposta do produto educacional se configurou a partir do resultado da pesquisa de dissertação que buscou: entender as concepções prévias dos alunos sobre os conteúdos das funções orgânicas, relação entre a química e elementos do cotidiano, e associação entre o ensino de química e as questões sociocientíficas por meio de leitura de textos sobre agrotóxicos e conservação de alimentos. O livro foi dividido em seis capítulos (Educação formal ou não-formal, A visita planejada, A visita planejada à feira livre, Abordagem temática, Funções orgânicas e a visita planejada, Considerações e Implicações) e outros como a apresentação da proposta, sugestões e referências. Nos cinco primeiros capítulos do livro, levamos até o professor do EM a ideia de se trabalhar com temas geradores e com visitas planejadas, que promovam o desenvolvimento de aulas temáticas, que associem o cotidiano do aluno com QSC, que tenham relevância para o conteúdo de química a ser desenvolvido naquela série. Um dos capítulos é especialmente dedicado ao tema feira livre como um cenário possível, para o processo de ensino e aprendizagem em química. No capítulo da abordagem temática sugerimos metodologias de ensino a partir de temáticas envolvendo QSC que promovam debate, controvérsias, tomadas de decisão e participação dos alunos. Como exemplo, no caso da temática alimentos, sugerimos que seja feita uma salada de frutas com a participação dos alunos (combinando antes com eles, para no dia da aula levarem as frutas, e outro produto que eles queiram, como leite condensado). Para a temática agrotóxicos, sugerimos que seja explicado aos alunos como devemos fazer para tirar o excesso de agrotóxicos dos alimentos: colocar em solução de água sanitária, na proporção de 1:5 (100mL de água sanitária e 400mL de água, totalizando 500mL), lavar eles com água corrente e tirar a casca, quando possível. Podemos com esta explicação trabalhar com eles o conceito de solubilidade, concentração de soluções e outros. No capítulo cinco estabelecemos, especificamente, vínculos entre conteúdos da química orgânica no contexto das dimensões estudadas nas atividades, todas relacionadas ao tema gerador. O produto foi elaborado de forma a levar até o professor do EM alguns breves conhecimentos, tendo em vista que muito deles por uma série de situações, não tem tempo de observar ou de conhecer. Também é compartilhado o conjunto de atividades desenvolvidas no decorrer da dissertação, desde a pergunta mobilizadora, até a realização das aulas temáticas.

Resultado e discussão

Em função dos trechos transcritos e da vivência verificamos que os alunos tiveram um grande aprendizado, quando se propõe pensar a feira livre na relação com a química. Eles puderam fazer associações entre a ciência e as questões sociais, verificar como é o dia a dia de diversos brasileiros e principalmente, puderam perceber que os conteúdos programáticos podem ser outros diferentes dos que estão acostumados a vivenciar na escola (Quadro I: Noções iniciais na relação entre as funções orgânicas e a feira livre). Categorias Palavras ou expressões Recorrências Alimentos Composição dos alimentos 37 Orgânicos Alimentos orgânicos. 26 Agrotóxicos Agrotóxico e subst. tóxicas. 22 Expressões Substâncias químicas, ferti- 17 da Química lizantes, ... Questões Consumo, venda, preço, feirantes. 13 sociais Aprendizagem Aprender de forma diferenciada. 13 Cotidiano Relacionar com o dia a dia. 10 Saúde Alimentação saudável, segurança 10 alimentar, ... Transgênico Geneticamente modificados, 6 alimentos transgênicos. Lixo Chorume, lixo exposto, descarte. 5 Outros Remédios, agricultura e estética. 1 cada As categorias indicadas no Quadro 1 foram determinadas, a partir das respostas dos alunos à pergunta mobilizadora: O que você espera aprender de química numa feira livre? A pergunta foi elaborada, após a escolha do tema gerador pelos alunos, com a mediação do professor e em função do conteúdo de funções orgânicas. Todo o trabalho desenvolvido com os alunos, desde a visita planejada à feira livre, a realização das aulas temáticas, está descrito na dissertação de mestrado profissional e na proposta desenvolvida no produto educacional. A proposta apresentada no produto educacional reflete uma aula de química não tradicional, entendendo que a visita planejada pode ser tanto quanto ou mais eficaz do que uma aula tradicional. Além dos conteúdos programáticos de química pudemos abordar questões socioambientais e fazer associações com o dia a dia do aluno. O produto educacional também cita outras possibilidades, para uma aula diferenciada, que possa atrair mais a atenção do aluno, como exibição de filmes, aulas práticas em vídeo, representação de peças de teatro e utilização de artigos científicos de fácil entendimento. Observamos que os alunos se envolveram em toda proposta e, além disso, perceberam que se pode aprender química num ambiente não formal, em conformidade com a sala de aula. Durante a visita planejada a feira livre, eles verificaram a presença da química na conservação dos alimentos, na produção dos mesmos na utilização de agrotóxicos, na diferenciação dos diversos tipos de alimentos existentes (orgânicos, hidropônicos e outros), observaram a produção excessiva de lixo e ainda conseguiram associar a química com outras disciplinas como a biologia (transgênicos, rotina alimentar), a sociologia (relações humanas) e a física (calor e conservação dos alimentos). Pelos relatórios apresentados pelos grupos, que participaram da visita é possível perceber que eles não só puderam ver a química numa feira livre, como outras disciplinas também. Desta forma é possível verificar que houve um aprendizado interdisciplinar, mesmo num espaço diferente da escola. Assim sendo, acreditamos que um ensino que associe as ciências da natureza com as ciências humanas é possível, ajudando o aluno a fazer associações que o levem a compreender melhor o seu dia a dia e a vida em sociedade. Uma educação que abra para conexões entre as ciências (exatas e sociais), as artes, a tecnologia, o meio ambiente e a vida em comunidade, provavelmente é o caminho para a transformação da sociedade, de forma que ela se preocupe com as gerações futuras e com nosso planeta.

Conclusões

Os produtos educacionais, desenvolvidos nos mestrados profissionais, podem ser de grande utilidade para os professores de ciências, entre elas a química, no ensino médio. As várias propostas de um ensino baseado em associações ou lúdico, através de materiais e/ou jogos didáticos são desenvolvidos, anualmente, no Brasil e estes têm contribuído para a prática do professor do ensino médio, tanto para desenvolver um ensino diferente do que é praticado quanto no de transformar atividades já em desuso. A proposta apresentada no produto educacional produzido leva em consideração uma prática pedagógica que tem o professor como mediador do professor do conhecimento, enfatizando a participação dos alunos em todas as etapas do processo e a busca por um ensino de química, onde o aluno veja um significado, e ele possa fazer associações, com seu cotidiano e com questões sociocientíficas, de forma promover a construção de uma cidadania mais complexa, menos disciplinar.

Agradecimentos

PROPGPEC CPII e PROPEC IFRJ

Referências

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