Autores

Almeida, F.G. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA) ; Arrigo, V. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA) ; Giuli, C.M. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA)

Resumo

O objetivo deste trabalho foi analisar as interpretações de alunos do Ensino Médio a respeito das características das misturas e soluções, a partir de uma atividade experimental investigativa. O preparo dos sistemas pelos alunos viabilizou que transitassem de um conceito para o outro, visto que classificaram tanto as soluções quanto as misturas e definiram-nas evidenciando as particularidades existentes entre elas. Observou-se alguns equívocos conceituais em suas explicações, ficando evidente uma dificuldade em compreender que uma solução saturada com corpo de fundo também se trata de uma mistura heterogênea. Esta atividade além de poder ser realizada em sala de aula pelo fato de utilizar materiais acessíveis permite interligar os conceitos envolvidos no estudo das misturas e das soluções.

Palavras chaves

Experimentação; Análise de conteúdo; Soluções

Introdução

A utilização de atividades experimentais no ensino de química mostra-se como um recurso pedagógico importante podendo auxiliar no processo de construção de conceitos. Porém, deve-se destacar que embora muitos a utilizem, não são todos que refletem o papel didático da experimentação e de que maneira ela contribui para a aprendizagem em química. Uma atividade experimental deve possibilitar os alunos o desenvolvimento de habilidades práticas e manuais, mas de maneira mais importante, o desenvolvimento de habilidades intelectuais. As atividades experimentais desenvolvidas nas aulas de química devem permitir uma participação intelectual ativa dos alunos, propiciando o desenvolvimento da capacidade de refletir sobre os fenômenos, de modo que os associem com seus conhecimentos já adquiridos e busquem outros para formularem hipóteses e estabelecerem relações entre fatos observados e explicações, resultando na construção do conhecimento (SOUZA, et al., 2013). Vários autores apresentam classificações para a experimentação, dentre tais tem-se a experimentação demonstrativa, experimentação ilustrativa e a experimentação investigativa. A experimentação demonstrativa e ilustrativa são atividades que possibilitam poucos momentos de reflexão acerca dos fenômenos observados além de não possibilitar um papel ativo do aluno. Frequentemente, as atividades experimentais são guiadas por roteiros onde dificilmente há espaço para que os alunos questionem e pensem acerca do fenômeno observado (OLIVEIRA; SOARES, 2010; FERREIRA; HARTWING; OLIVEIRA, 2010). A experimentação investigativa possibilita a participação ativa dos estudantes no processo de ensino e aprendizagem. O professor assume o papel de mediador, problematizando os fenômenos e instigando os alunos a irem além da observação e descrição destes, fazendo-os propor explicações para o que se observa apoiados em conceitos científicos. Esta metodologia de ensino utiliza situações problema relacionadas ao contexto dos alunos, permitindo que eles expressem suas ideias prévias em torno do tema em questão, as quais são discutidas com a finalidade de que os alunos as (re)construam com base nos conceitos científicos (OLIVEIRA; SOARES, 2010). Deste modo, a experimentação investigativa torna-se uma ferramenta pedagógica de grande potencial para o estudo de diferentes conteúdos de química, como por exemplo misturas e soluções. As soluções e misturas estão presentes em diferentes lugares do contexto do aluno, seja na liga metálica de uma barra de aço, nos fluidos do nosso corpo (como o sangue e a urina) e em um remédio antigripal. Tais conceitos são comuns na natureza e fundamentais em processos industriais, e nas áreas médica e científica. Nesse contexto, é fundamental identificar e compreender as características das mesmas. Mesmo sendo uma proposta interessante para processo de ensino-aprendizagem significativa, o uso de experimentos investigativos simples contendo situações problemáticas contextualizas para trabalhar tais assuntos ainda, são ainda pouco exploradas nas aulas do ensino médio. Tendo em vista o exposto, nosso objetivo residiu em analisar as interpretações de alunos do Ensino Médio a respeito das características das misturas e das soluções a partir do preparo de diferentes sistemas.

Material e métodos

Os dados apresentados neste trabalho foram coletados durante o desenvolvimento de uma atividade experimental investigativa em uma turma do 2º ano do Ensino Médio composta por 11 alunos de uma escola pública da região central de Londrina/PR. A referida atividade teve duração de 3 horas/aula (120 minutos) e foi organizada por uma estudante do quarto ano do curso de Licenciatura em Química da Universidade Estadual de Londrina (UEL) em conjunto com a professora formadora, pois, trata-se de uma das atividades a serem cumpridas ao longo da disciplina de Estágio Supervisionado. Com o objetivo de possibilitar aos alunos a interpretação das características das misturas e das soluções a partir de diferentes sistemas por eles preparados, estavam envolvidos nesta atividade os conceitos de solução, soluto, solvente, solução insaturada, saturada, e saturada com corpo de fundo, mistura, mistura homogênea e heterogênea. Assim, para a seu desenvolvimento os alunos foram organizados em grupos de 3 e 4 pessoas e a cada grupo foi fornecido um roteiro experimental contendo uma situação problema, questões pré-laboratório, procedimento experimental e questões pós- laboratório, como descrito na Figura 1: A atividade experimental foi realizada com o auxílio da estagiária, quem mediou as discussões desde a situação problema até as questões pós- laboratório. Assim, iniciou-se pela leitura da situação problema, momento em que os alunos expressaram suas ideias prévias acerca do tema em questão, propondo algumas explicações para a mesma. O mesmo foi realizado para as questões pré-laboratório, a fim de que durante a discussão destas eles tivessem contato com alguns dos conceitos que seriam abordados durante a atividade. Então, deu-se início ao procedimento, o qual foi organizado em 3 etapas, realizadas uma a uma com a mediação da estagiária. Para cada etapa os alunos tinham que desenhar um esboço do sistema preparado e anotar as suas observações para posteriormente interpretá-los. Ao final, a estagiária auxiliou os alunos a interpretarem os fenômenos observados em cada sistema para construir os conceitos envolvidos na atividade, finalizando as duas primeiras aulas. Na semana seguinte, já na terceira aula, as questões pós-laboratório foram entregues aos alunos para que eles as respondessem com base em tudo que foi discutido na semana anterior. Para isso, estagiária recapitulou o que havia sido realizado durante a atividade experimental e relembrou os conceitos definidos durante o seu desenvolvimento. Assim, as respostas fornecidas pelos alunos constituem os dados analisados e interpretados neste trabalho, o que se deu com base nos procedimentos metodológicos da Análise de Conteúdo, que permitem atingir uma compreensão dos significados de toda classe de documentos e textos que vai além de uma leitura comum (MORAES, 1999).

Resultado e discussão

Para a análise das respostas fornecidas pelos alunos foram elaboradas as respostas esperadas ao longo da discussão das questões pré-laboratório, dos fenômenos observados durante o preparo dos sistemas e das questões pós- laboratório. Estas respostas foram elaboradas com a utilização dos livros utilizados para preparar a atividade experimental, a saber: • SANTOS, W. L. P.; MÓL, G. S. (coords.). Química Cidadã. 2. ed. Volume 2. São Paulo: Editora AJS, 2013. • BROWN, T. L.; JR, H. E. L.; BURSTEN, B. E.; BURDGE, J. R. Química: a ciência central. 9. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2002. • RUSSELL, J. B. Química Geral. 2. ed. São Paulo: Makron Books, v. 2, 1994. Então, as ideias expressas pelos alunos em cada momento de discussão foram relacionadas a tais respostas para serem agrupadas a partir da parte comum existente entre elas, procedimento definido por Moraes (1999) como categorização. Segundo o autor isso pode ser realizado por semelhança ou analogia segundo critérios previamente estabelecidos ou definidos no processo. Assim, baseamo-nos no trabalho realizado por Ribas, Broietti, Leal e Passos (2017) para estabelecer as categorias que emergiram durante a análise das ideias dos alunos em confronto com as respostas por nós esperadas, o que nos permitiu inferir se os alunos compreenderam totalmente, em partes ou não compreenderam os conceitos estudados. No Quadro 1 apresentamos as ideias expressas pelos alunos em cada momento de discussão seguidas das respostas esperadas e, posteriormente ao quadro são relacionadas as categorias que emergiram da análise e a discussão dos resultados. O confronto das ideias dos alunos às respostas esperadas possibilitou o estabelecimento de 4 categorias, a saber: Categoria 1: Compreensão do conceito – refere-se as ideias dos alunos que demonstraram compreender o conceito em questão; Categoria 2: Compreensão parcial do conceito – refere-se as ideias dos alunos que demonstraram compreender o conceito e que no entanto, apresentaram explicações incompletas; Categoria 3: Não relaciona com os conceitos – refere-se as ideias dos alunos que tentaram explicar os fenômenos observados e que no entanto, são consideradas ideias de senso comum; Categoria 4: Não compreensão do conceito – refere-se as ideias dos alunos que demonstraram não compreender o conceito, apresentando erros conceituais. As ideias apresentadas pelos alunos de cada grupo na discussão das questões pré-laboratório foram alocadas na categoria 3, exceto as do grupo 3, que não entregaram as respostas referentes a esta etapa da atividade. No que diz respeito as ideias expressas durante a realização do procedimento, estas também foram alocadas nesta categoria. Os alunos explicam a impossibilidade de visualizar o sal quando misturado com água e areia com base na ideia de dissolução, relacionando-a a existência de forças de ligações entre os diferentes compostos. Não há erros conceituais nas ideias expostas, porém, eles não mencionam o conceito de solubilidade das substâncias para explicar tal fenômeno, bem como não a classificam como uma mistura ou uma solução. O mesmo ocorre com as ideias levantadas durante a execução do experimento, nas quais aparece um ponto importante a ser discutido no estudo das soluções, que é a influência da quantidade de sal na formação dos sistemas. Os alunos a mencionam, no entanto, não relacionam essa quantidade de soluto que um dado solvente é capaz de solubilizar as características das soluções quando classificadas em insaturada, saturada e saturada com corpo de fundo. Tais interpretações advém do fato destas ideias terem sido analisadas como explicações de senso comum, construídas de acordo com experiências cotidianas, como explicado por Souza et al., (2013), representações que os indivíduos fazem do mundo que o cerca, geralmente vagas e pouco definidas, elaboradas sem conexão com o conhecimento científico. Na categorização das ideias que surgiram durante a discussão das questões pós- laboratório, aquelas expressas pelos alunos do grupo 1 oscilaram entre as categorias 1 e 2, o que nos leva a inferir que eles compreenderam os conceitos abordados, porém, com algumas fragilidades, ou seja, de forma parcial. Os alunos apresentam a compreensão do conceito de misturas e suas classificações, sendo capazes de identificar o número de fases e componentes em um sistema. Sobre as soluções, eles demonstraram compreender a definição de solução e ainda diferenciá-la de uma mistura, o que fica evidenciado na fala “Solução é o modo que a mistura está”, que remete a ideia de que a solução também é uma mistura, desde que seja um sistema homogêneo. O grupo ainda define a composição de uma solução, sendo o soluto o componente que está em menor quantidade e o solvente em maior quantidade. A fragilidade identificada se refere a classificação das soluções a partir da quantidade de soluto que é adicionada ao sistema, o que não foi considerado um erro conceitual, mas sim uma compreensão parcial dos conceitos, como pode-se constatar na resposta: “Em menor quantidade, o sal dissolveu formando uma mistura homogênea. Ao se adicionar uma maior quantidade de sal ele fica no fundo do copo por não haver H2O suficiente”. Verifica-se que para eles a existência de um corpo de fundo no sistema como consequência da falta de água suficiente para solubilizá-lo e não que o limite de solubilização do sal foi atingido, caracterizando a solução como saturada com corpo de fundo. Com relação as ideias expressas pelos alunos do grupo 2 para as questões pós- laboratório percebe-se que estas oscilaram entre as categorias 1, 2 e 4, indicando uma compreensão parcial dos conceitos envolvidos no estudo das soluções e das misturas, seguidas de alguns equívocos conceituais com relação as características destes sistemas. Quando solicitado que definissem as misturas e as soluções eles apresentaram as seguintes respostas: “Mistura é quando tem duas ou mais substâncias puras” e “Solução é uma mistura homogênea onde dá para ver apenas uma fase”. Observa-se que além de definir ambos os sistemas eles ainda os diferenciam, porém, quando se trata de classificar as soluções as explicações apresentam algumas dificuldades em transitar entre os conceitos envolvidos na classificação dos sistemas. Ao compararem os sistemas 1(A) e 1(B), que representam uma solução insaturada e saturada om corpo de fundo eles propõe que: “A mistura B tem muito mais sal por isso seria uma mistura heterogênea, enquanto a A tem só uma fase e é uma mistura homogênea”. Isso nos leva a inferir que os alunos associam a existência de duas fases em um sistema unicamente a uma mistura heterogênea, negligenciando a presença de duas fases no sistema B pelo fato de ter sido adicionada uma quantidade de soluto maior que aquela quantidade de solvente era capaz de dissolver, podendo ser caracterizado, além de uma mistura homogênea como uma solução saturada com corpo de fundo. Por fim, as ideias dos alunos do grupo 3 para as questões pós-laboratório foram distribuídas entre as categorias 2 e 4, o que indica que os alunos apresentaram uma compreensão parcial dos conceitos envolvidos no estudo das soluções e das misturas, seguidas de alguns equívocos conceituais com relação as características destes sistemas. Ao ser solicitado para que definissem misturas e soluções, evidencia-se a compreensão de tais termos, além do conceito de fases utilizado na resposta. Porém em nenhum momento os alunos abordam alguns dos conceitos debatidos como as diferentes classificações para as soluções. Sobre a problemática inicial, os alunos abordam que a água do mar é uma “mistura, porque tem mais água do que sal”, apresentando neste momento uma definição equivocada sobre misturas, diferente da definição anteriormente apresentada. Os alunos não conseguiram correlacionar o debatido com a situação problema proposta, a fim de propor uma hipótese para um sistema diferente aos vistos nos experimentos.

Quadro 1 – Análise das ideias expressas pelos alunos em cada momento d



Figura 1 – Roteiro Experimental

Fonte: Autoria Própria.

Conclusões

A análise das ideias expressas pelos alunos na discussão das questões pré- laboratório e aquelas apresentadas durante a realização do procedimento indicam uma dificuldade em relacionar fatos como, a dissolução de sal em água e a permanência da areia no fundo do copo sem se dissolver com conceitos científicos como a solubilidade, a formação de sistemas homogêneos e heterogêneos, entre outros abordados ao longo da aula. Percebemos que as explicações por eles apresentadas se tratavam de descrições do que estava sendo visualizado, sem conexão com conceitos científicos. No entanto, após a realização da atividade experimental constatamos que eles elaboraram algumas explicações pautadas nos conceitos científicos abordados. Os alunos interpretaram os fenômenos visualizados com base nos conceitos introduzidos nas discussões, uma vez que, o preparo de diferentes sistemas viabilizou que eles transitassem de um conceito para o outro. Mesmo apresentando alguns equívocos conceituais na classificação dos sistemas, eles classificaram tanto as soluções quanto as misturas e definiram-nas evidenciando as particularidades existentes entre elas. Porém, ficou evidente uma dificuldade em compreender que uma solução saturada com corpo de fundo também se trata de uma mistura heterogênea. Assim, apesar das dificuldades conceituais observadas na análise das ideias dos alunos, consideramos esta atividade como uma proposta que além de poder ser realizada em sala de aula pelo fato de utilizar materiais acessíveis, permite interligar os conceitos envolvidos no estudo das misturas e das soluções.

Agradecimentos

Referências

FERREIRA, L. H.; HARTWING, D. R.; OLIVEIRA, R. C. Ensino Experimental de Química: uma abordagem investigativa contextualizada. Química Nova na Escola, v. 32, n. 2, p. 101-106, 2010.
MORAES, R. Análise de conteúdo. Revista Educação, v.22, n.37, p. 7-31, 1999.
OLIVEIRA, N. de; SOARES, M. H. F. B. As atividades de experimentação investigativa em ciência na sala de aula de escolas de ensino médio e suas interações com o lúdico. In: ENEQ, 15, 2010. Brasília. Resumos. Brasília: UnB, 2010. 12.

SOUZA, F. L., AKAHOSHI, L. H., MARCONDES, M. E. R., do CARMO, M. P. Atividades experimentais investigativas no ensino de química. GEPEQ. Grupo de Pesquisa em Educação Química. São Paulo: Secretaria da Educação, 2013.
RIBAS, J. F.; BROIETTI, F. C. D.; LEAL, L. P. V.; PASSOS, M. M. Soluções saturada, insaturada e supersaturada e suas representações por licenciandos em Química. ACTIO, v.2, n.2, p. 61-79, 2017.