Autores
Sá, L.V. (UFBA) ; Couto, E. (UFBA)
Resumo
O objetivo deste artigo é traçar o perfil de um conjunto de páginas de divulgação e educação científica nas redes sociais digitais, mais precisamente no Facebook. No que tange a educação e divulgação científica, tornou-se preciso considerar as potencialidades do uso das redes digitais e a amplitude que as informações podem atingir. Com isso, diversas páginas surgiram com o objetivo de divulgar e educar cientificamente esses usuários. A pesquisa usou o método qualitativo. A análise foi feita a partir de uma análise de conteúdo como o conhecimento científico se apresenta, quais e os objetivos das páginas. O artigo conclui que apesar do potencial das redes sociais digitais, as páginas apresentam problemas em levantar discussões sobre as ciências.
Palavras chaves
Redes Sociais; Divulgação Científica; Ensino de Química
Introdução
Diversas pesquisas na área de ensino de ciências apontam para alguns problemas com as metodologias tradicionais de educação que levam a concepção de que a ciência é desconectada da sociedade, que ela é desenvolvida apenas por pessoas com destaque intelectual ou que tudo que a ciência trata é da verdade absoluta. Isso é mostrado, por exemplo, pelo trabalho de Costa et al (2017) onde eles discutem como professores e pesquisadores por vezes trazem práticas com visões distorcidas da natureza das ciências. No trabalho, esses autores analisaram os trabalhos publicados no Encontro Nacional de Ensino de Química (ENEQ) para buscar essas possíveis distorções acerca da natureza das ciências e concluíram que diversos trabalhos apresentavam distorções acerca das ciências e ainda se tinha práticas de sala de aula com essas problemáticas supracitadas. Assim, se faz necessário alfabetizar os indivíduos cientificamente. Segundo Costa, Ribeiro e Zompeiro (2015, p.529) a alfabetização cientifica é um conceito que envolve o desenvolvimento crítico dos indivíduos tomando como base os conhecimentos da ciência na sociedade. Ainda segundo esses autores, o indivíduo “apresenta grande potencial de ser um agente transformador do mundo em que vive”. A ideia de alfabetização cientifica, como aponta Ceolin, Chassot e Nogaro (2015), não é a doutrinação ou formação de cientistas, mas sim a de uma instrumentalização dos indivíduos de forma que eles possam discutir sobre um conhecimento socialmente posto. O problema do ensino de ciências, além dos já citados no início, é que muitas vezes os alunos se apresentam desmotivados para a compreensão desse conhecimento (CEOLIN, CHASSOT e NOGARO, 2015). Por conta dessas questões, a ciência se tornou distante da população em geral e, para tentar contornar esse problema, diversos estudiosos optaram pela prática da divulgação científica de forma que todos tenham acesso a esses conhecimentos. A divulgação científica, segundo Carvalho, Noronha e Gonzaga (2011), é situada dentro de um contexto amplo o qual compreende um processo de veiculação de informações sobre ciência e tecnologia destinando-se a um público em geral por meio da utilização de recursos, técnicas e meios de divulgação diversificados como o rádio, jornais, telejornais, revistas impressas e eletrônicas, redes sociais e muitos outros recursos. (p. 100) Esse recurso tem o papel de atrair indivíduos com os mais variados níveis de conhecimento, seja os mais leigos até os que já dominam certos conhecimentos científicos, para as ciências de forma a democratizar o conhecimento científico. Ainda segundo Carvalho, Noronha e Gonzaga (2011), um dos problemas existentes na divulgação científica é a falta de preocupação com o caráter educacional da mesma, o que dificulta a alfabetização dos indivíduos. Assim como esses autores, concordamos que a divulgação deva mostrar, além dos conhecimentos científicos, a relação desses com a sociedade de forma a colocar que as ciências não estão desvinculadas e distante da realidade do público que se quer atingir. Além disso, relacionado a química, por exemplo, deve-se ter cuidado com o próprio conteúdo de forma a não transformar a prática das ciências um mero espetáculo que a torna algo “mágico”. Com a internet, o entendimento das redes sociais e o seu funcionamento é de suma importância para a sua utilização no que tange a divulgação científica. Apesar do senso comum trazer uma noção de que as redes sociais se limitam a sites com esse propósito, como o Facebook, Recuero, Bastos e Zago (2015) chamam atenção que as definições de redes sociais e sites de redes sociais são distintas e que não devem ser confundidas. Assim como eles afirmam, as redes sociais são metáforas para a estrutura dos grupamentos sociais. Elas são constituídas pelas relações entre os indivíduos e vão servir como estrutura fundamental para a sociedade. (RECUERO, BASTOS e ZAGO, 2015, p. 23). Já os sites de redes sociais são representações dessas redes. Para Recuero (2015) a rede social pode ser representada por esses sites ou por qualquer outro recurso que tragam as características dessas redes. Algumas características desses sites são citadas por Gama Neto et al (2013), como no caso do facebook que permite que os participantes possuam perfis únicos aos quais podem fazer conexões a partir de postagens, curtidas, compartilhamentos e comentários que podem ser vistas e cruzadas por outros. As redes sociais, além disso, trazem como característica uma bilateralidade frente a outras formas de comunicação (RECUERO, 2014) que pode ser explorada como potencializadora da divulgação científica o que permite que os indivíduos interajam entre si e com os conteúdos. Tendo em vista a importância das redes sociais para a divulgação científica, o objetivo deste trabalho é analisar o perfil de um conjunto de três páginas de divulgação no Facebook. Com isso pretendemos avaliar como essas páginas estão agindo para cumprir o papel de levar as ciências para todos.
Material e métodos
A pesquisa realizada foi feita utilizando o método qualitativo acerca de três páginas presentes no Facebook relacionadas a divulgação científica. A pesquisa qualitativa se caracteriza pela compreensão e interpretação dos fenômenos sociais para inferências sobre o mesmo que não estão aparentes (TOZONI-REIS, 2009). Esse tipo de pesquisa vai além do simples aspecto descritivo. Assim, foram analisadas três páginas que apresentam elevados números de seguidores: Vamos falar de ciências (539mil seguidores em 30/01/2018); Conheciências (265mil seguidores em 30/01/2018); Mundo da Química (345 mil seguidores em 30/01/2018). Nessa análise, buscamos identificar os objetivos de cada página, a forma de discussão sobre ciências a partir de suas postagens e os conteúdos científicos das postagens. A pesquisa foi de caráter documental, que tem por objetivo a análise de documentos como fonte de dados de modo a buscar informações acerca do fenômeno estudado (TOZONI- REIS, 2009). No nosso caso, os documentos analisados foram os históricos de publicações das páginas no facebook. Para se atingir o objetivo proposto, foi feita uma amostragem intencional (FRAGOSO, RECUERO E AMARAL, 2016) ao qual, devido a grande gama de postagens das páginas, buscou-se as últimas dez postagens de cada uma e foram selecionadas as três postagens mais curtidas. Essa seleção intencional foi feita por acreditarmos que, como o objetivo das páginas é a divulgação de conteúdo, as que mais interessaram o público, provavelmente foram as mais curtidas, o que deve gerar mais comentários e impactos. Com o material selecionado, o mesmo foi submetido a uma análise de conteúdo. A análise de conteúdo, segundo Bardin (2016), é um conjunto de técnicas que permitem analisar conteúdos de “discursos” de forma a se retirar indícios de determinado fenômeno estudado. Para tal, na análise, foi feita algumas etapas: pré-análise das postagens, busca de uma unidade de análise, categorização a partir dessas unidades e análise das categorias criadas a posteriori.
Resultado e discussão
Todas as páginas analisadas apresentaram em sua descrição que seriam páginas
para se conhecer as ciências e disseminar informações científicas. Sendo
assim, todas se caracterizam como páginas de divulgação científica. Para a
análise dos dados, postagens selecionadas foram descritas de forma precisa e
as mesmas podem ser vistas na tabela 1 a seguir juntamente com suas
respectivas denominações.
Feita uma pré-análise das postagens das páginas, buscamos características em
comum que serviram como unidades de análise de cada postagem. Com isso,
criamos algumas categorias ao qual as postagens se encaixam e as mesmas
foram inseridas na tabela 2 ao qual analisaremos a seguir.
Analisando os dados e categorias geradas, vale ressaltar algumas discussões.
As postagens de páginas dentro da categoria técnico científicas, são
postagens, como o nome sugere, técnicas. Sendo assim, postagens desse tipo
apresentam uma linguagem mais específica da ciência que não é acessível para
todos os públicos, apenas para os que tem prática na ciência que é objeto do
material, no caso da postagem M1 seria na química. No universo da divulgação
científica, e nos seus objetivos, essas postagens não atingem o maior
potencial, uma vez que nem todos terão acesso as informações ali postadas e
a forma que essas informações são colocadas não despertam interesse dos
indivíduos pelas ciências. Apesar do universo amostral apresentar apenas uma
postagem, é bastante comum ver esse tipo de publicação em diversas páginas
de divulgação do conhecimento científico, o que as torna menos interessante.
No caso de postagens relacionadas a humor e entretenimento, que são bastante
comuns em diversas páginas das redes sociais, as mesmas podem ter um caráter
potencializador do interesse pelas ciências se forem bem utilizadas. Caso
haja uma postagem que leve a um entretenimento, mas que não se limite a isso
e passe a explicar o fenômeno na ótica do conhecimento científico, talvez o
papel de divulgação da ciência seja parcialmente atingido (Não totalmente,
pois seria necessária uma discussão sobre o papel das ciências também). Por
exemplo, na postagem V2 em que há o fenômeno de se ter a impressão de que os
objetos ficam tremendo na tela, os autores poderiam entrar em discussões
sobre a psicologia, a gestalt e sobre o funcionamento do cérebro para
explicar um pouco sobre esses fenômenos. Além disso, poderia discutir,
também, sobre o papel desses conhecimentos na sociedade, como são usados e
desenvolvidos. O humor e o entretenimento por sí só não conseguem cumprir o
papel da alfabetização científica e tornam-se apenas ludicidade. A postagem
C3, por exemplo, não há nada a acrescentar no entendimento científico, mas
foi uma das postagens com mais reações das analisadas.
Nas outras duas categorias estão as postagens mais frutíferas para uma
divulgação científica mais eficiente. As postagens sócio-problematizadoras
permitem que o público debata sobre temas da sociedade, opinando e trocando
conhecimentos sobre o assunto discutido. Postagens que apresentam essa
característica trazendo pano de fundo as ciências, fazem com que o público
se interesse por esse conhecimento para que possa discutir e entender as
opiniões alheias, além de se entender sobre como uma comunidade científica
funciona. A exemplo da postagem V1, onde levanta-se a problemática sobre as
vacinas, ao qual existem diversas pessoas que defendem que as vacinas não
prestam e que são alguma forma de controle do governo, pode-se discutir o
que são as vacinas, como elas agem, como são desenvolvidas e o porquê da
sociedade hoje não apresentar certas doenças que antigamente existiam e o
risco de, caso o pensamento anti-vacinas seja disseminado, doenças mortais
possam voltar a tona.
No caso das curiosidades, elas são interessantes, mesmo sendo menos
problematizadoras, pois agem diretamente no dia-a-dia do indivíduo, o que
levanta a curiosidade sobre os fenômenos que o cercam e os faz buscar sobre
os conhecimentos por trás de cada fenômeno, como é o caso da postagem M3,
sobre a vitamina D.
Percebe-se, em geral, que há uma problemática a ser superada na divulgação
científica nas redes sociais. Ao mesmo tempo que o facebook é um recurso
interessante para essa prática, os autores ainda apresentam certas
dificuldades em realizar uma efetiva divulgação científica. Em todas as
postagens analisadas, as páginas não elaboraram discussões sobre o papel das
ciências na sociedades, sobre o fazer ciência e sobre o conhecimento
científico de forma interligada. Apesar da amostragem, dentro do universo
total da rede social, ser limitada, essa é uma amostragem que consegue,
tranquilamente, trazer características que são inerentes a muitas páginas
que tem por objetivo essa prática. Em uma pesquisa por diversas outras
páginas e postagens, conseguimos observar um padrão semelhante ao que foi
discutido anteriormente.
Descrição das postagens analisadas
Categorias das postagens
Conclusões
A divulgação científica é uma atividade antiga e com bastante potencial para a alfabetização científica e o aumento do público nas ciências. Com o advento das redes sociais, essa atividade ganhou um fôlego maior e muitas pessoas se interessaram por utilizar esse recurso para atingir o público com o conhecimento científico. No trabalho realizado, podemos ver que, apesar do grande uso e da grande quantidade de publico presente nas páginas das redes sociais que focam a divulgação científica, a atividade ainda não atingiu seu máximo potencial. Em alguns casos, os problemas detectados foram a falta de uma linguagem acessível a todos os públicos e não apenas o especializado, o uso inconsciente de postagens lúdicas e que não trazia nenhum aspecto científico que pudesse enriquecer os debates sobre as ciências e a falta de problematização sobre o que é a ciência e o seu papel na sociedade. Nota-se que todas as páginas trazem postagens potencialmente significativas para se atingir os objetivos da divulgação científica, entretanto, seja por falta de interesse, seja por desconhecimento dos verdadeiros objetivos da divulgação científica ou seja por falta de um cuidado maior, essas postagens acabam ficando superficiais e a discussão não fica clara quando se lê as mesmas. Vale ressaltar que nesse trabalho não analisamos todos os comentários do público em relação ao que foi colocado em cada postagem, e mesmo que as mesmas não tivessem levantado as problemáticas, elas podem ter surgido de forma espontânea dentro do debate do público, mas vale ressaltar que essas discussões sobre ciências não ficaram claras em nenhuma das nove postagens analisadas.
Agradecimentos
Referências
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CARVALHO, M.; GONZAGA, A.; NORONHA, E.. Divulgação cientifica: dimensões e tendências, tendências no ensino de ciências e matemática. Revista Areté | Revista Amazônica de Ensino de Ciências, v. 4, n. 7, p. 99-114, 2011.
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COSTA, F.R.S. et al. As visões distorcidas da natureza das ciências sob o olhar da história e da filosofia da ciência: Uma análise nos anais do ENEQ e ENEBIO de 2012 e 2014. ACTIO: Docência em ciências. v. 2, n.2, p.4-20, 2017
COSTA, W. L.; RIBEIRO, R. F.; ZOMPERO, A. F.. Alfabetização Científica: diferentes abordagens e alguns direcionamentos para o Ensino de Ciências. Revista de Ensino, Educação e Ciências Humanas, v. 16, n. 5, p. 528-532, 2015.
FRAGOSO, Suely; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana. Métodos de pesquisa para internet. Porto Alegre: Sulina, 239p. 2016.
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TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Metodologia da Pesquisa. Curitiba, PR. IESDE Brasil. 2 ed. 2009 136p.