Autores
da Silva, A.V. (UERJ) ; Tamiasso-martinhon, P. (UFRJ) ; Sousa, C. (UFRJ) ; Rocha, A.S. (UERJ)
Resumo
O conteúdo misturas está incluído no currículo mínimo de química nacional, sendo um conhecimento básico necessário à compreensão de vários outros tópicos, muitos deles aplicados e presentes no cotidiano. O desenvolvimento de aulas diferenciadas, que despertem o interesse dos alunos e que sejam capazes de interligar conhecimentos prévios, pode melhorar o processo de ensino-aprendizagem. Este trabalho apresenta o relato de experiência de uma aula sobre o tema realizada no âmbito de um pré-vestibular social na cidade do Rio de Janeiro. A aula envolveu o uso de vídeos, slides e um experimento, além de trabalhar o tema transversal ambiente de forma contextualizada. O resultado foi satisfatório, de modo que os alunos se mostraram motivados e participaram ativamente das atividades realizadas.
Palavras chaves
Experimentação; Separação de misturas; Pré-vestibular social
Introdução
Dentre os conteúdos de química que fazem parte das bases nacionais, vários podem ser considerados como sendo básicos, por permear vários outros conhecimentos. O estudo das misturas pode ser considerado um deles, pois vários fenômenos e transformações na natureza ocorrem em sistemas compostos por mais de uma substância, caracterizando misturas. Sendo assim, o estudo deste tópico é bastante importante e sua compreensão plena é essencial no estudo da química (BALDAQUIM et al., 2018). Por outro lado, a educação não deve se dar apenas de modo que certos conteúdos sejam aprendidos, mas sim que o educando se torne um cidadão mais ativo, ciente de seu papel e obrigações na sociedade em que vive (GONÇALVES et al., 2017). Sendo assim, é necessário que as salas de aula sejam ambientes em que se promova o aprendizado e a discussão, de modo que o aluno tenha de fato uma participação ativa na construção de seu conhecimento, além de conviver e trocar experiências com outros alunos. Várias estratégias têm sido propostas e aplicadas para promover o ensino de química de uma forma diferenciada e motivadora, e na maioria das vezes estas passam pelo uso de atividades pedagógicas auxiliares que têm aspecto motivacional e didático na melhoria da aprendizagem (ROCHA et al., 2017). Como a química é uma disciplina essencialmente fenomenológica, o uso de experimentos em sala de aula é uma das ferramentas mais utilizadas por professores. Quanto mais integrada forem a teoria e a prática, mais sólida se torna a aprendizagem de química. Ela cumpre sua verdadeira função dentro do ensino, contribuindo para a construção do conhecimento químico de uma forma mais transversal, ou seja, o conteúdo de química não é apenas trabalhado no sentido de cumprir um currículo mínimo, mas sim considerando a vivência dos alunos quando é ligada aos fenômenos que estes observam no dia-a-dia, aproveitando suas argumentações e indagações. Neste sentido a aprendizagem pode ser dar de modo significativo, quando os conhecimentos prévios dos alunos são utilizados (AUSUBEL, 1982). As maiores dificuldades encontradas por estes professores, em geral, são a falta de estrutura adequada nas escolas para realização dos experimentos e o pouco tempo para trabalhar uma quantidade grande de conteúdo. Torna-se então um desafio a realização de aulas práticas e muitos professores terminam por escolher determinados assuntos para realizarem os experimentos em sala. Muitos optam por levar materiais de fácil acesso eles mesmos, com ou sem a ajuda dos alunos, fazendo os experimentos de forma demonstrativa ou em grupos grandes, o que evidentemente limita a participação dos alunos. Vale a pena salientar os experimentos mentais, que utilizam o senso comum para que o aprendente consiga prever o que aconteceria na prática caso determinado procedimento fosse realizado. Por exemplo, o professor não precisa levar água, óleo e sal de cozinha para fazer o experimento em sala e mostrar aos alunos que aula e óleo não se misturam de forma apreciável, mas água e sal de cozinha sim. Este tipo de estratagema é utilizado o tempo todo em aulas de química, sendo caracterizado como experimento mental. Por outro lado, os recursos audiovisuais, como filmes, documentários e vídeos, têm um caráter motivacional grande, sendo utilizados por professores de praticamente todas as disciplinas quando existe a estrutura adequada, e com grande aceite por parte dos alunos. Estes recursos são especialmente vantajosos no ensino de ciências quando o tema dado em aula é difícil de ser imaginado, neste caso o professor pode utilizar vídeos de experimentos ou reportagens sobre os mesmos. Em relação à motivação, de modo a despertar o interesse do aluno, o uso de filmes de ficção científica é particularmente interessante, nos quais o aluno percebe que consegue entender o enredo do filme graças ao que aprendeu nas aulas de ciências, por exemplo. Os vídeos podem ser usados até durante a aula de maneira a ajudar o professor a ensinar determinado conteúdo, podendo envolver uma aula disponível na internet ou mesmo experimentos gravados ou até reportagens envolvendo temas relacionados aos que os alunos estão estudando no momento. Outras atividades como jogos pedagógicos, músicas, histórias em quadrinhos, artigos científicos e textos diversos também são bastante utilizadas em aulas de química, existindo vários estudos sobre seu uso, conforme apresentado por Rocha e colaboradores (2017). Neste trabalho apresenta-se uma dinâmica realizada em uma aula de química num curso de pré-vestibular comunitário na cidade do Rio de Janeiro para ensino de separação de mistura de uma forma articulada, envolvendo uma atividade experimental e vídeos como ferramentas pedagógicas auxiliares.
Material e métodos
O trabalho consiste em um relato de experiência vivenciado por uma discente- docente do curso de licenciatura em Química que leciona no Pré-Vestibular Social Estudando para Vencer localizado na comunidade Vila Cruzeiro na praça São Lucas, na cidade do Rio de Janeiro. A docente organizou uma aula diferenciada para trabalhar o tema misturas, principalmente no que concerne à separação de misturas. No primeiro dia, a sequência didática se deu por meio de uma aula expositiva dialógica com o uso de slides apresentados com datashow. Três vídeos foram apresentados ao longo desta aula, um sobre destilação, um sobre extração de essências e outro sobre a separação de sólidos na obtenção do ouro. No primeiro vídeo um professor apresenta os princípios da destilação e destilação fracionada e mostra um experimento de destilação realizado em um laboratório, com as vidrarias específicas e adequadas (Ético Sistema de Ensino, 2018). No segundo vídeo apresenta-se uma aplicação da destilação para separação de uma classe de substâncias muitos utilizadas nas indústrias alimentícias e de cosméticos, as essências (DE SOUSA, 2018). O último vídeo apresenta um garimpeiro separando partículas de ouro da terra, e foi utilizado para exemplificar a separação de sólidos (SOUZA, 2018). Na segunda aula apresentou-se um vídeo sobre estação de tratamento de água em que a teoria abordada sobre separação de misturas foi discutida e essa aplicação muito importante para a vida de todos foi usada como exemplo (http://estacaodetratamentodeagua.com.br). Em seguida realizou- se um experimento para purificação de água suja utilizando materiais presentes em nosso cotidiano. O professor levou os materiais para a sala e os alunos contribuíram para montagem do filtro, cujo esquema está presentado na Figura 1. Uma garrafa PET de 2 L foi cortada e a parte de cima encaixada de forma invertida na de baixo. Primeiro colocou-se algodão, depois carvão ativado, depois areia e por último, pedras maiores, e o filtro estava montado. Água suja e barrenta era adicionada por cima e os alunos deveriam observar o que ocorria. Após as atividades os alunos foram convidados a responderem um questionário, cujo conteúdo e respostas obtidas estão apresentados na parte de resultados. A parte final da aula foi dedicada à resolução de exercícios selecionados de livros, apostilas e concursos do tipo dos vestibulares, já que se trata de um curso preparatório.
Resultado e discussão
Não raro os alunos dos cursos de licenciatura iniciam suas atividades
docentes ainda durante a graduação, quer seja como monitores quer seja como
professores de cursos pré-vestibulares, uma vez que a atividade docente
legalizada só pode ser desempenhada após a conclusão do curso superior.
Neste contexto, uma docente-discente licencianda em química da UERJ
experienciou uma sequência didática na qual recursos audiovisuais e um
experimento eram utilizados como forma de promover o aprendizado e motivar
os alunos nas aulas sobre separação de misturas. As aulas se deram no espaço
ocupado pelo pré-vestibular social Estudando para Vencer, cujo próprio nome
já indica sua proposta, que é capacitar pessoas para ingressarem no curso
superior e assim melhorar suas vidas, sobretudo por se tratar de pessoas que
vivem em uma comunidade, na qual as oportunidades são mais parcas. Este pré-
vestibular social foi idealizado pelo morador e professor da comunidade
Marcelo Martins. O apoio para a concretização deste sonho foi dado pelo
Presidente da associação dos moradores que doou um espaço na sede da
associação de moradores, e com a participação de amigos que o ajudaram no
reparo da sala e na doação do quadro e carteiras. O público do pré-
vestibular social é toda a comunidade. Conta o professor de matemática
idealizador do projeto que sua intenção não é tirar estes jovens do mundo
das drogas, pois dados estatísticos mostram que 10% dos moradores da
comunidade estão envolvidos com o comércio varejista de entorpecentes
ilícitos. E seu real intuito é dar oportunidade para que esses 90% dos
moradores que já estão atuando no mercado de trabalho, possam almejar
condições melhores de trabalho, se especializando assim como ele o fez.
Todas as aulas do curso se dão durante a semana, das 19 às 21 h, aos sábados
das 8 às 17 h e aos domingos das 9 às 12 h, o que permite que muitos alunos
que trabalham consigam assistir às aulas. Todos os professores são
voluntários e, evidentemente, esta é uma excelente oportunidade para
licenciandos exercerem e melhorarem sua prática docente. Como a maior parte
do público alvo são trabalhadores, as aulas se dão à noite e nos fins de
semana, portanto, os professores devem ter em mente que estes adultos vão
para a sala cansados e sacrificando momentos de lazer que passariam com a
família, mas têm em comum o desejo de aprender e suplantar as barreiras
sócio-econômicas. Deste modo, incluir atividades que aumentem o interesse
dos alunos e os façam refletir sobre a importância dos conteúdos aprendidos,
certamente deve melhorar o processo de ensino-aprendizagem. As aulas
ministradas na forma de slides tornam possível uma dinamização e o uso de
figuras e outros recursos visuais facilitam a aprendizagem prendendo a
atenção do aluno. O professor pode usar o tempo que escreveria no quadro
para promover a discussão e aumentar o diálogo, incentivando a capacidade de
expressão e análise de situações. Os alunos se mostraram muito animados com
a estratégia empregada e participaram ativamente das discussões. O vídeo
sobre a destilação fracionada foi interessante para eles poderem ver como o
experimento é realizado na prática e visualizar as vidrarias sendo
utilizadas e manipuladas em um laboratório, com a mediação do professor em
sala que ia explicando e tirando dúvidas. Já o vídeo sobre a extração de
essências mostrou aos alunos uma aplicação da destilação por ser um recorte
do filme “O perfume”, no qual um assassino que tem um olfato muito
desenvolvido trabalha com essências e usa a técnica de destilação para
extrair estas substâncias. O vídeo motivou os alunos, que ficaram
interessados em assistir o filme todo, e conseguiram entender melhor o que
se passava porque haviam estudado o tema nas aulas de química. É
recompensador ver que os alunos entendem melhor o enredo de um filme graças
ao aprendizado adquirido por intermédio do professor, isto é, perceber que
se contribuiu para a formação de uma pessoa. O terceiro vídeo sobre a
separação de ouro da terra teve como intenção mostrar a separação entre
sólidos. Ele foi gravado por um garimpeiro, de modo que ficou claro como um
conhecimento básico pode ser passado mesmo entre indivíduos não letrados,
mas que a compreensão plena do processo pode ser útil nos mais diversos
aspectos. A segunda aula teve como intuito trabalhar um tema transversal
ligado ao conteúdo, o meio ambiente. O vídeo apresentado mostrava como se
realiza o tratamento de água nas centrais de tratamento das cidades. Foi
possível discutir com os alunos os diversos aspectos da separação para
tratamento de água in natura, incluindo o uso de agentes floculantes, que
propicia uma discussão de fenômenos químicos. Os alunos puderam avaliar como
o tratamento da água que consumimos é realizado e como este é complexo,
desde a captação na natureza até chegarem às torneiras nas nossas
residências. Foi um momento adequado para que a professora pudesse discutir
a importância de usar água com parcimônia, evitando desperdícios e a
importância de hábitos que envolvam economia de água para diminuir seu
consumo abusivo. A atividade seguinte foi a realização do experimento em
sala. As imagens apresentadas na Figura 2 mostram o filtro que foi utilizado
em sala juntamente com a água suja, esquerda, e o filtro em operação durante
a purificação da água barrenta (direita). É possível verificar que o filtro
foi eficiente na purificação da água, pois essa se apresentava límpida na
parte de baixo, após passar pelos elementos filtrantes. Os alunos puderam
ver e analisar como normalmente ocorre a purificação de água em alguns
ambientes naturais, como é o caso da água pura dos lençóis freáticos, que
sofrem purificação pelas camadas de solo, que vão ficando cada vez mais
compactas a medida que se aumenta a profundidade. Todos gostaram bastante
dos vídeos e do experimento, a participação foi grande e eles ficaram
surpresos em ver como a água ficou realmente muito mais límpida pela ação do
filtro. Após as dinâmicas os alunos responderam um questionário simples
constando das seguintes perguntas: Quais os métodos de separação utilizados
para tratar a água de um rio para que ela esteja própria para consumo
humano? Quais destes métodos de separação ocorrem na natureza de modo que
uma água barrenta possa ser transformada em uma água pura, de uma nascente
de água mineral por exemplo? Após observar o experimento da água barrenta
sendo filtrada por um filtro caseiro, sugira qual seria o papel do carvão
ativado no filtro? Poderíamos trocá-lo por algum outro material usado no
nosso dia-a-dia? Em sua opinião, o experimento realizado em sala de aula e o
vídeo que vocês assistiram contribuiu para a compreensão dos conceitos que
foram ensinados? Por que? Todos responderam o questionário, apesar de
algumas reclamações. Normalmente os alunos não ficam muito satisfeitos em
responder perguntas, mesmo que não seja para avaliação, mas concordaram em
fazê-lo ao saberem que se tratava de um mecanismo de avaliação da dinâmica
realizada, para que fosse possível realizar mudanças para tornar o processo
mais interessante. As respostas foram muito variadas, por se tratar de
perguntas discursivas, mas as respostas foram satisfatórias, tornando
possível verificar que as atividades contribuíram para a compreensão e de
fato motivaram os alunos a pensarem e participarem da aula. Alguns alunos
que não estavam presentes no dia souberam do que ocorreu durante as aulas e
lamentaram não estar presentes, indicando que realmente o nível de aceite
foi grande.
Esquema do filtro utilizado para purificação de água suja
Filtro e a água suja usados no experimento (esquerda). Aluna segurando o filtro durante o experimento de purificação.
Conclusões
A química é uma disciplina considerada pelos estudantes como sendo uma das mais difíceis e muitos deles não conseguem realmente compreender os conteúdos, se concentrando em memorizar tópicos e fórmulas e resolver problemas. Sob este aspecto, é importante o desenvolvimento de novas estratégias de ensino que motivem os alunos e sejam capazes de dar ressignificações aos assuntos estudados de modo a dar-lhes importância ou aplicação. É comum que os alunos não se sintam empolgados em estudar uma matéria complexa se não virem aplicação e utilidade desse conhecimento em suas vidas. No entanto, a química permeia nossas vidas todo o tempo, principalmente se levarmos em consideração a sociedade moderna que é dependente de vários materiais e fontes de energia, todas envolvendo a química. Dentre as metodologias empregadas é possível enfatizar os recursos audiovisuais e a experimentação em sala de aula, como atividades pedagógicas auxiliares no ensino de química. Essas ferramentas foram utilizadas em aulas de química em um curso pré-vestibular social para o ensino de separação de misturas de uma maneira que os alunos gostaram bastante das atividades realizadas. As aulas proporcionaram momentos de discussão e reflexão a respeito do conhecimento adquirido e os alunos se mostraram motivados e participaram ativamente das atividades, mesmo sendo as aulas realizadas aos sábados, em que eles estavam já cansados.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao pré-vestibular social estudando para vencer pela oportunidade de aplicar a prática docente.
Referências
AUSUBEL, D. P. A aprendizagem significativa: A teoria de David Ausubel. SP: Moraes; 1982. BALDAQUIM, M. J.; PROENÇA, A. O.; DO SANTOS, M. C. G.; FIGUEIREDO, M. C.; DA SILVA, M. P. A experimentação investigativa no ensino de química: construindo uma torre de líquidos. ACTIO: Docência em Ciências, v. 3, n. 1, p. 19-36, 2018. DE SOUSA, J. O Processo de destilação, do filme “O perfume”. Acessado em 10 de abril de 2018. https://www.youtube.com/watch?v=OsSJUidETzc. http://estacaodetratamentodeagua.com.br. Estação de tratamento de águas – como funciona? Acesso em 11 de abril de 2018. https://www.youtube.com/watch?v=YcLtPJBjdAc. ÉTICO SISTEMA DE ENSINO. Destilação fracionada, Acesso em 10 de abril de 2018. https://www.youtube.com/watch?v=S7wFIK31lFg. GONÇALVES, A. C. S.; ROCHA, A. S.; SOUSA, C.; TAMIASSO-MARTINHON, P. O PISA segundo o olhar de graduandos em química: um relato de experiência. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO QUÍMICA, 15., 2017. Manaus. Anais... Manaus, 2017. ROCHA, A. S.; SCHEER, F.; SILVA, C. R. S.; TAMIASSO-MARTINHON, P., Atividades pedagógicas alternativas como ferramenta para o ensino de química, I Encontro da Rede Rio de Ensino de Química, Macaé, In: Anais... 2017. ROCHA, A. S.; SOUSA, C.; TAMIASSO-MARTINHON, P. Metodologia do ensino de físico-química: relato de prática docente. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO QUÍMICA, 15., 2017. Manaus. Anais... Manaus, 2017. SOUZA, L., Riquezas e Ouro do Rio Pomba 3. Acesso em 10 de abril de 2018. https://www.youtube.com/watch?v=4LEZXWNHqGo.