Autores
Dantas, L.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA) ; Maraschin, A.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA) ; Bastos, A.R.B. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA)
Resumo
O trabalho apresenta adaptação da Escala de pH referente ao indicador natural extrato de repolho roxo para alunos cegos. A prática de identificação das características das funções inorgânicas ácido e base manifesta-se como uma alternativa utilizada por professores por tratar-se de um experimento de baixo custo e fácil manuseio. No entanto, é um experimento visual e torna-se inacessível para alunos cegos, o que demanda a adaptação de material tátil para a mediação do experimento e construção conceitual. A adaptação do recurso envolveu quatro etapas: definição do conteúdo; análise das barreiras afeitas ao experimento e ao conteúdo, planejamento e desenvolvimento do recurso e validação com usuários cegos. A adaptação do recurso demonstrou-se pertinente e acessível aos usuários.
Palavras chaves
Escala de pH; deficiência visual; adaptação de material
Introdução
A química é tida por muitos como uma ciência abstrata e extremamente conceitual. O uso da experimentação em sala de aula é uma ferramenta facilitadora do processo de ensino e aprendizagem, pois permite ao aluno uma maior compreensão dos conceitos teóricos. No entanto, apesar de trazer acessibilidade conceitual, a experimentação pode se constituir em uma barreira para alunos cegos, haja visto que a maior parte dos experimentos químicos demandam a visão como principal órgão do sentido. Assim, torna-se condição para a aprendizagem dos conceitos químicos, a adaptação de materiais/experimentos que permitam, a partir da mobilização de vias alternativas de desenvolvimento, a abordagem conceitual. Para Vygotsky (1997), por meio do ensino, produzem-se novas formações psíquicas que tornam cada vez mais complexa e qualificada a atividade principal do aluno no contexto escolar – a aprendizagem – e, por consequência, promovem o desenvolvimento de suas funções psicológicas superiores. Com relação ao ensino de pessoas com deficiência, Vygotsky (1997) defendeu a importância de que estas pessoas se beneficiassem das mesmas oportunidades de ensino daquelas destinadas para as consideradas normais. A partir do conceito de compensação social, propôs que o ensino não enfocasse a dimensão da falha, afeita a condição de deficiência, mas que enfocasse possíveis possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento das funções psicológicas superiores que poderão ser formadas por meio de processos mediadores alternativos. Propôs a importância de ambientes estimuladores e ricos, por meio dos quais, pelas trocas sociais, os alunos poderiam apropriar-se dos conhecimentos objetivados pela cultura. Vygotsky (1997) defendeu a tese de que a pessoa com deficiência, pelas relações interpessoais que estabelece, tem a oportunidade de aprimorar seu desenvolvimento, superando as limitações objetivas com as quais nasceu. O autor refere-se a esse processo como desenvolvimento artificial e o entende como subordinado a processos educativos com os quais a pessoa com deficiência é submetida. Para além disso, o direito à acessibilidade dos recursos, das metodologias/estratégias de ensino e da avaliação, que respondam às necessidades dos alunos com deficiência, está previsto na legislação. A Lei Brasileira de Inclusão, assegura, em seu artigo 4° que toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação (BRASIL, 2015). A proposição e adaptação do recurso Escala Tátil de pH para o indicador extrato de repolho roxo deu-se no componente curricular de Construção de Recursos Adaptados ao Ensino, ofertado pelo curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal do Pampa, campus Bagé. O componente tem como objetivo, explicitado no Projeto Pedagógico do curso de Química-Licenciatura (2016), a "construção e adaptação de recursos voltados ao ensino dos conteúdos específicos afeitos aos cursos de licenciatura a partir dos conhecimentos da educação especial na perspectiva da inclusão escolar" (UNIPAMPA, 2016, p. 122). Por parte do curso, há a percepção de que a temática da educação especial/inclusiva compõe o rol de saberes necessários à formação do educador químico. A partir do advento da educação inclusiva, o aluno com deficiência passou a compor o alunado da escola comum. Tornar a química acessível passa assim, a ser tarefa do professor de química. O recurso proposto teve como referência o material de Barros et al (2017) em uma temática lúdica, através do artigo intitulado "O lúdico e o ensino de ácidos e bases: Desenvolvimento de um jogo didático para o ensino de pH e pOH", retratando a aplicação de um jogo para ensinar estudantes do primeiro ano do Ensino Médio do curso Técnico em Química no IF Goiano. Adaptar a proposta lúdica aplicada por Barros et al (2017) através da utilização de uma escala de pH do indicador extrato de repolho roxo, tem como objetivo proporcionar a compreensão das funções inorgânicas Ácidos e Bases pela análise de acidez ou alcalinidade de materiais utilizados em nosso cotidiano. Estes materiais mobilizam conhecimentos prévios dos alunos para a construção de novos conceitos.
Material e métodos
A adaptação do recurso deu-se a partir da identificação das barreiras existentes no modelo de Escala de pH. Dentre estas, destaca-se o fato de o conteúdo ser apresentado através de uma via gráfico-visual, sendo a mesma inacessível ao aluno cego. Desse modo, propôs-se a construção de um modelo tátil que mobilizasse vias alternativas de aprendizagem e que pudesse ser utilizado por alunos com e sem deficiência. Os materiais escolhidos caracterizam-se como materiais de baixa tecnologia, ou seja, aqueles comumente utilizados em tarefas escolares e de baixo custo, tais como: barbante, miçangas, poliestireno (isopor), velcro, tecido TNT, papel, alfinete para fixação etc. Durante a construção, a escala foi ampliada e impressa em papel. Para uma maior segurança e facilidade no manuseio do recurso, a mesma foi fixada em um pedaço de poliestireno (isopor), evitando um risco maior de danos, como, por exemplo, rasgos. Forrou-se o poliestireno com tecido TNT, fixando com alfinetes de costura, com cuidado para que o mesmo permitisse contraste de luminância. Cada extremidade recebeu um alfinete, porém, na parte superior direita da escala utilizou-se dois alfinetes sobre uma ponta dobrada, indicando assim a posição correta de utilização da escala e propiciando ao usuário orientação e maior independência ao fazer uso do recurso. Com a utilização do indicador natural extrato de repolho roxo é possível obter uma escala de cores que varia conforme a característica do meio em que o mesmo entra em contato, sendo alcalino, neutro ou ácido. Um aluno vidente, ao fazer uso do recurso, pode ter acesso a essa informação a partir da visão, já um aluno cego poderá ter acesso a essa informação tatilmente. Pensando nisso foram escolhidas três texturas. A primeira e a segunda representam substâncias de caráter ácido e básico, e a terceira representa a divisão de cores da escala. Na escala de pH, as concentrações aumentam do meio para as extremidades, caracterizando substâncias mais ácidas ou mais básicas à medida que se distanciam do centro da escala.O valor de pH igual a 7 é considerado neutro, logo, para esse valor não adotou-se texturo.. Para representar o aumento da concentração dos ácidos, miçangas foram escolhidas e fixadas no recurso. Para representar o aumento da concentração das bases, pedaços de barbante foram escolhidos, havendo um bom contraste quando comparado às miçangas. O aumento dessas concentrações foi representando a partir da distância entre cada peça colada, variando 4 cm, 2 cm, 1 cm e 0,5 cm. Palitos de fósforo sem a cabeça foram utilizados para marcar a divisão entre as cores. Para o registro das informações obtidas durante o experimento, foi confeccionada uma tabela ampliada em alto-relevo e contraste de cores que funciona como uma base de registro, contendo três colunas com as respectivas indicações: substância, cor/textura e faixa de pH. Para que a tabela fosse preenchida, construiu-se fichas com a textura correspondentes às encontradas na escala.
Resultado e discussão
A última etapa do processo de adaptação do recurso envolveu a validação com
usuários cegos. Esta validação objetivou avaliar a acessibilidade do material
proposto, bem como, o potencial mediativo do recurso para o ensino do conceito
químico. Esta etapa aconteceu em um encontro, onde os autores testaram o recurso
produzido com um usuário cego.
Dos aspectos avaliados durante a validação do recurso, observou-se que as
texturas utilizadas contrastavam bem entre si, possibilitando ao usuário ter a
clara percepção de que as miçangas caracterizavam uma substância de caráter ácido
e a os barbantes uma substância de caráter alcalino.
Outro aspecto avaliado durante a validação do recurso refere-se a distância das
missangas e dos barbantes entre si. Essas distâncias diminuem a medida em que há
um distanciamento do meio da escala para as extremidades. O usuário evidenciou
esta percepção e demonstrou ser uma característica eficaz nesse processo.
Durante a avaliação da tabela e das fichas de registro, o usuário demonstrou ter
clareza da organização da mesma e sua finalidade. Entretanto, pode-se perceber
que a utilização do velcro como material para fixação das fichas na tabela
caracterizou-se como material que pode deteriorar-se com maior facilidade. A
partir disso, percebeu-se que a utilização de imã seria uma alternativa para o
recurso, pois proporciona maior durabilidade ao mesmo.
Conclusões
O recurso demonstrou-se acessível, tanto pelo caráter de baixa tecnologia, quanto pela intermediação dos conceitos referentes ao conteúdo. O desenvolvimento do mesmo não necessita de grandes investimentos financeiros ao mesmo tempo que os materiais utilizados não comprometem a veracidade dos dados trazidos pela escala. Alunos que possuem déficit intelectual ou algum tipo de dificuldade de aprendizagem são contemplados através das diversas vias que podem ser mobilizadas, como por exemplo a visual (cores e figuras ilustrativas), a tátil (texturas), olfativa (aromas e odores), e em alguns casos a gustativa (sabores). No caso de alunos surdos, a via visual é mobilizada através das cores e figuras em LIBRAS, além das vias tátil, olfativa e gustativa (em alguns casos). Por fim, no caso de alunos cegos, a via tátil é a principal via mobilizada, mas outras vias como a olfativa e a gustativa podem servir de apoio ao processamento da informação. Fica evidente que alunos com qualquer particularidade em seu processo de ensino e aprendizagem podem fazer uso desse recurso. A mediação verbal do professor com o auxílio dessa adaptação no experimento são ferramentas valiosas para introduzir o conteúdo e novas informações para o estudante. Contudo, devemos nos atentar ao fato de que todo e qualquer material utilizado deve fazer parte da vivência e de experiências anteriores do discente, caso contrário, o objeto foco de estudo deixa de ser o conceito apresentado e passa a ser o material desconhecido. Portanto, conclui-se que a adaptação serviu para apoiar professores de química na abordagem experimental em sala de aula no sentido de que os mesmos passam a incluir todas as necessidades específicas de cada aluno nas discussões abordadas.
Agradecimentos
Agradecemos ao colega Gerson por ter se disponibilizado a participar do processo de validação do recurso.
Referências
BARROS, K. L. ; SOUZA, A. F. ; LIMA, D. M. R. ; LARA, L. L. S. ; FREITAS, L. L. . O lúdico e o ensino de ácidos e bases: Desenvolvimento de um jogo didático para o ensino de pH e pOH. In: CECIFOP, 2017, Goiás. Anais do Congresso Nacional de Ensino de Ciências e Formação de Professores - CECIFOP. Goiás: Universidade Federal de Goiás Regional Catalão, 2017. v. 1. p. 980-988.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
UNIPAMPA. Projeto Pedagógico do Curso de Química - Licenciatura Bagé, RS. Disponível em: <http://cursos.unipampa.edu.br/cursos/licenciaturaemquimica/files/2017/05/ppc-2017.pdf>. Acesso em 03/11/2017.
VYGOTSKY, L. S. Obras escogidas. Tomo V. Madrid: Visor, 1997.