Autores

Sá, L.V. (UFBA) ; Moradillo, E.F. (UFBA) ; Carvalho, J.R.M. (UFBA) ; Pimentel, H.O. (UFBA) ; Messeder Neto, H.S. (UFBA) ; Pinheiro, B.C.S. (UFBA) ; Nunes, D.J.S. (CRQ) ; Santos, M.S. (UFRB)

Resumo

No segundo semestre de 2017 o grupo de ensino de química do Instituto de Química da Ufba, que fundou em 2003 o Núcleo de Pesquisa em Ensino de Química - Nupequi, comemorou 10 anos de implantação do “novo” currículo da Licenciatura em Química. O novo currículo foi implementado no segundo semestre de 2007, após um longo processo de intervenções sistemáticas e de amadurecimento do referencial crítico dialético. Neste trabalho, iremos relatar, de forma breve, o contexto sócio-histórico em que surge o grupo, suas críticas ao currículo, as principais mudanças introduzidas na Dimensão Prática do currículo que sustentam a abordagem sócio-histórica, apresentar alguns resultados e apontar desafios.

Palavras chaves

Licenciatura em Química; Dimensão prática; Abordagem Sócio-Histórica

Introdução

No início da década de 1990, no contexto da crise estrutural do capital(MÉZÁROS, 2006; CORGIOLLA; KATZ, 1996), da penetração de forma vigorosa do neoliberalismo no Brasil, com suas demandas sociais para garantir a reprodução do capital, vão acontecer aqui no Brasil diversas reformas sociais. As teses pós-modernas aparecem e decretaram a morte do sujeito, da razão e da história (ANDERSON, 1992; LYOTARD, 1997; WOOD E FOSTER, 1999). Associado a isso e organicamente vinculado a crise estrutural do capital, vamos assistir ao “desmoronamento” dos países “comunistas” (TONET, 2009; MESZAROS, 2006); a queda do muro de Berlim no final da década de 1980 marcou o mundo, o espetáculo televisivo/impresso/ideopolítico penetrou em quase todos os lares brasileiros, e em boa parte do mundo ‘civilizado’. Assim, aqui no Brasil, vamos ter na década de 1990 um cenário de um capitalismo triunfante e em crise permanente (sua crise estrutural), com suas novas demandas de organização produtiva - a reestruturação produtiva com base nas novas tecnologias de informação e comunicação - e social. A educação é uma dessas demandas sociais. É neste cenário que um grupo de professores do Instituto de Química da Ufba vai se preocupar e questionar a forma/conteúdo como vinha se dando a formação de professores de química, vai fazer várias intervenções e estudos/pesquisas e fundar em 2003 o Núcleo de Pesquisa em Ensino de Química (Nupequi). As intervenções efetuadas visaram superar a concepção teórico-metodológica de base empírico-analítica predominante no curso (LÔBO, 2004; OKI, 2006; MORADILLO, 2010) procurando avançar na abordagem sócio-histórica, com o objetivo de superar as concepções de ser social, natureza, sociedade, ciência, educação, ensino e aprendizagem dominantes no curso. Na Licenciatura em Química da Ufba, a análise da matriz curricular apresentava uma concepção de processo educativo de caráter idealista, onde a educação é tomada como um complexo social com autonomia absoluta, vale dizer, sem levar em consideração a relação reflexiva com a historicidade do processo social do homem se fazer homem a partir de si mesmo, com implicações na formação do licenciando. Nessa formação há uma tendência de o conhecimento químico ser tratado apenas como produto da ciência química e não como um processo produzido ao longo da história visando a reprodução social (MORADILLO, 2010). Nas discussões sobre a reforma curricular do curso de Licenciatura em Química que vinham acontecendo na Ufba, principalmente a partir da LDB de 1996, as questões pedagógicas, quando em pauta, eram entendidas como metodológicas e consideradas como pertencendo à esfera da Faculdade de Educação. As questões filosóficas, como por exemplo, dos fundamentos do ser social, nem eram consideradas. Esta forma de conduzir a reforma curricular mantinha uma formação docente tecnicista na qual o produto era privilegiado em lugar do processo (MORADILLO, 2010). Assim, defendendo um processo educativo que tem como base a emancipação humana, agimos no sentido de trazer para o currículo a abordagem sócio- histórica, referenciada no materialismo histórico e dialético, dando ênfase ao processo de gênese e desenvolvimento do ser social que, em última análise, constitui a razão do ato educativo emancipador. Para isso, o caminho com melhor resultado apontado nas nossas pesquisas foi o caminho do trabalho como fundante do ser social - ontologia do ser social – e como princípio educativo, desdobrando-o no debate epistemológico relativo à ciência química e a questões de caráter pedagógico como as concepções de ensino e de aprendizagem. Perpassando essas discussões, as implicações nas questões ambientais, sociais, éticas, políticas e econômicas (MORADILLO, 2010). Assim, a nossa questão principal de pesquisa passou a ser: Quais as possibilidades de superação das determinações e contradições da atual formação de professor de química, através de uma proposta de dimensão prática de currículo, fundamentada no materialismo histórico-dialético, através da abordagem sócio-histórica, e que tem o trabalho como princípio educativo? Desta forma, iremos apresentar os referenciais filosóficos e educacionais, as principais intervenções realizadas na Dimensão Prática do currículo, alguns resultados conquistados durante esses dez anos e alguns desafios que estão postos.

Material e métodos

Com base no cenário que foi exposto, há uma penetração na educação, em todos os níveis escolares, das propostas pedagógicas construtivistas e do lema do aprender a aprender com seus corolários: o professor reflexivo, o professor pesquisador, o aluno aprendente, a pedagogia das competências e outras mais (DUARTE, 2001). Fizemos então uma análise do momento histórico e a partir de uma revisão de literatura e, indo na contramão da história, passamos a refutar as pedagogias do aprender a aprender e suas filiais e trouxemos para o currículo a abordagem sócio-histórica, através da análise da gênese e desenvolvimento do ser social a partir do trabalho, dentro da vertente filosófica do materialismo histórico e dialético, e suas implicações na teoria do conhecimento, na concepção de ciência, na prática educativa e nos processos de ensino e aprendizagem. A história e filosofia do ser social, da ciência e da educação passaram a ter destaque na Dimensão Prática, assim como a Pedagogia Histórico-Crítica e a Psicologia Histórico-Cultural, ambas referenciadas na perspectiva sócio-histórica. Assim, foram incorporados novos componentes curriculares que procuraram articular a filosofia e a história da ciência, da educação e do ser social, ao mesmo tempo em que esses componentes passaram a ser orientados por uma perspectiva crítica de sociedade, com o objetivo da emancipação humana. A categoria trabalho passou a ter centralidade no curso, sendo didatizada no seu duplo sentido, ontológico e epistemológico. Ontológico, como fundante do ser social, como nossa protoforma, como a forma pela qual o homem produz sua própria existência, indo além da sua materialidade e da vida (o ser biológico), criando o novo permanentemente, produzindo as objetivações humanas (objetos materiais, ideias/valores sociais e instituições), criando cultura. Epistemológico, no sentido de que historicamente ele, o trabalho, se apresenta dentro de relações sociais com determinadas características relacionadas ao modo de produção dominante - a sua forma histórica -, sendo, no limite, o fundamento do conhecimento produzido socialmente. Assim, podemos dizer que os saberes produzidos em determinada época são saberes enraizados no modo de produção da nossa existência. Isto tem importância fundamental, pois, desde o surgimento das classes sociais no neolítico, a classe dominante, que detêm os meios fundamentais de produção da nossa existência, acaba determinando os conhecimentos que são considerados relevantes socialmente, de forma sempre mediada, reflexiva e não mecânica (MORADILLO, 2010; SANTOS; MORADILLO, 2017). O trabalho, no sentido ontológico, é princípio educativo na medida em que proporciona a compreensão do processo histórico de constituição do ser social, assim como a sua forma histórica, que permite compreender a produção científica e tecnológica. A partir desses princípios que a reforma curricular do curso foi feita, como mostraremos a seguir.

Resultado e discussão

A implementação do novo currículo da Licenciatura em Química da Ufba aconteceu em 2007.2 e teve como foco central a Dimensão Prática (Conjunto de disciplinas que foram articulados com o objetivo de produzir uma determinada concepção de homem, natureza e sua relação histórica, incluindo aí a educação, a ciência e mais especificamente a química. Concepções essas, que determinam à concepção de professor, ensino e aprendizagem dos alunos, influenciando na sua prática pedagógica) do currículo, associada aos componentes curriculares da Faculdade de Educação. No IQ/Ufba criamos novos componentes curriculares com o objetivo de contemplar os conhecimentos que sentíamos necessidade de serem abordados em um curso de formação de professores que tem por base a abordagem sócio- histórica, visando a emancipação humana. Introduzimos a análise e discussão da ontologia do ser social e da economia política como conhecimentos de base para entender outros conhecimentos, a exemplo da ciência e educação, tendo como referência o materialismo histórico e dialético. Conforme dito antes, partimos do princípio que o ser social se configura a partir de um determinado momento da história (salto ontológico), onde supera - vai além - a sua determinação biológica através do trabalho: ação deliberada, sempre necessária para o ser humana (ser social) dar conta da sua existência, que funde causalidade/natureza e teleologia/sujeito, criando as objetivações humanas; constituindo-se assim, o ser humano, em um ser de práxis social que produz o novo permanentemente: a cultura. Assim, o trabalho é a categoria fundante do ser social, pois para viver a vida em primeiro lugar ele precisa estar vivo e para isso tem que ir na natureza – através do trabalho – e extrair os meios diretos (retirar alimentos, por exemplo) e indiretos (criar instrumentos de trabalho a partir da natureza) para sua existência e reprodução; necessitando para isso de se organizar (a criação das comunidades/sociedades) para consumir, produzir e distribuir (MARX; 2006; MARX, ENGELS; 2007). Desta forma, na Dimensão Prática do currículo, quatro novos componentes curriculares foram criados no IQ/Ufba: QUI A43, QUI A45, QUI A47 e QUI A50 e um foi reformulado e ampliado, QUI B07. Tudo isso com os objetivos de discutir a ontologia do ser social, aspectos da economia política relacionada a teoria do valor-trabalho, o trabalho como princípio educativo e algumas questões contemporâneas do ensino/educação (QUI A43: O professor e o Ensino de Química); a história da química e da ciência e sua aplicação no ensino (QUI B07: História da Química); a história da química e da ciência, seus fundamentos epistemológicos e sociais, os principais epistemólogos que fizeram a crítica à ciência positivista, principalmente na segunda metade do século XX, e sua aplicação no ensino (QUI A45: História e Epistemologia no Ensino de Química); o papel do contexto na produção do conhecimento químico e da ciência e suas várias vertentes pedagógicas, com ênfase na perspectiva crítica-dialética, que tem como referência o contexto sócio-histórico, onde partes e totalidade social estão articuladas no seu movimento histórico – o lógico/categorial e histórico se entrelaçam: entrelaçar conceito e contexto (QUI A47: Ensino de Química no Contexto); o papel da experimentação a partir da revolução científica nos séculos XVI/XVII, onde o experimento sai de uma concepção “aberta” para uma concepção “fechada/manipulada/controlada”, com base na ruptura de um universo/natureza endeusada, encantada, antropomorfizada (sai de uma “causa” interna para uma “causa” externa). Além desses componentes citados, criamos também, os componentes de Projetos de Ensino de Química (QUI B02) e Trabalho de Conclusão de Curso - TCC (QUI B03). Com a reforma curricular do curso, procuramos dar uma nova identidade ao curso, já que até o momento este tinha uma proposta para a formação de professores referenciada no curso de Bacharel em Química, acrescido de alguns “instrumentos” pedagógicos; assim como procuramos romper com as perspectivas de educação e práticas pedagógicas de base idealista e/ou inatista, com sua “acomodação” a ordem social vigente. Resolvemos enfrentar o esvaziamento teórico que cada vez mais crescia/cresce nos cursos de formação de professores (MORAES, 2003), onde o praticismo espontaneísta domina, ou quando muito estão suportados por métodos esvaziados de aspectos ontológicos e epistemológicos do ser social, e, consequentemente, descolados da realidade social (SANTOS; MORADILLO, 2017). Assim, após dez anos desse novo currículo e da abordagem sócio-histórica na Dimensão Prática, formamos vários estudantes de licenciatura em química que estão em exercício no ensino básico, alguns estão lecionando em Universidades, principalmente as públicas do Estado da Bahia, inclusive no Instituto de Química da Ufba. Vários Trabalhos de Conclusão de Curso apontam para uma apropriação adequada desses referenciais, como pode ser constatado no livro organizado pelo grupo de ensino de química tratando de alguns Trabalhos de Conclusão de Curso (PINHEIRO; MESSEDER NETO; MORADILLO; SILVA, 2016). O Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências - PPGEFHC da Ufba/Uefs tem sido um programa de pós-graduação onde vários estudantes dão continuidade aos seus estudos (temos atualmente 5 professores do grupo de ensino de química atuando como professores/orientadores neste Programa), onde alguns mestres e doutores já foram formados . Hoje, dos treze professores do grupo de ensino do Instituto de Química, todos professores efetivos, três foram oriundos desse novo curso de Licenciatura. Vários desses ex-estudantes estão também envolvidos com outras instituições educacionais, sindicais, políticas e sociais. Como a história não para, continua, novos desafios estão sendo postos para o Núcleo de Pesquisa em Ensino de Química. Um dos desafios que relataremos neste trabalho tem a ver com a reestruturação do curso de Licenciatura em Química, diurno e noturno, depois dos 10 anos de implantação do novo currículo e devido as mudanças na legislação. Já existe uma comissão formada para isso. Nesta comissão, já avançamos na discussão e estamos propondo alguns ajustes e incorporando determinadas exigências legais, do MEC e da Ufba. Dentre os ajustes, citaremos um deles, que é de fundamental importância para fazer avançar a abordagem sócio-histórica na Dimensão Prática do currículo. É a criação de um componente curricular, que provisoriamente está com o nome de Trabalho, Sociedade, Ciência e Educação: entrelaçando conceito e contexto, que tem o objetivo maior de fazer uma síntese da Dimensão Prática, articulando as linhas do tempo do ser social (modo de produção da nossa existência/economia política e os aspectos ontológicos da sua reprodução, que são trabalhados em QUI A43), da ciência (que é trabalhada em QUI B03 e QUI A45), da educação (que é trabalhada principalmente nos componentes curriculares da Faculdade de Educação), da educação ambiental - as questões socioambientais, incluindo aí os aspectos éticos e políticos - (que é trabalhada em QUI A43 e em disciplinas optativas) e, por último, apresentar determinados conceitos estruturantes da química (que são trabalhados em QUI A47 e em diversos componentes específicos da química), analisando-os nos seus aspectos epistemológicos (a perspectiva internalista da ciência) imersos no contexto sócio-histórico que surgem e se desenvolvem (a perspectiva externalista da ciência), principalmente no seus formatos/conteúdos modernos, a partir da revolução científica dos séculos XVI/XVII e da revolução industrial (abarcando a primeira e segunda revoluções: do período de 1770 ao início do século XX). Desta forma, neste componente, esperamos “ajudar” aos estudantes a fazer a síntese necessária da abordagem sócio-histórica na Dimensão Prática, impulsionando sua atuação na pedagogia, principalmente na Pedagogia Histórico-Crítica e Psicologia Histórico-Cultural.

Conclusões

Nesses dez anos do novo currículo da Licenciatura em Química da Ufba, mudamos a forma de formar professores tendo como objetivo maior a emancipação humana, para isso o referencial do materialismo histórico e dialético foi de fundamental importância, pois possibilitou trazermos para a Dimensão Prática do currículo a abordagem sócio-histórica. Por isso, reafirmamos, que um currículo orientado nessa perspectiva deve considerar que para a formação do professor é necessário um referencial teórico-metodológico que lhe permita penetrar, com toda radicalidade possível, na realidade em que vive e que vai atuar, que o contexto sócio- histórico, com suas dimensões estruturantes: o modo de produzir conhecimento, o modo de produzir valores sociais e o modo de produzir bens materiais - partes de uma totalidade - seja o pano de fundo onde a ação do professor e alunos se desenvolvem para apropriação do saber produzido historicamente e socialmente. Assim, concluímos, que o objetivo primordial da educação, principalmente a educação escolar, não é formar pessoas adestradas e acomodadas a ordem social vigente, a educação deve possibilitar ao educando a máxima apropriação dos conhecimentos clássicos, sistematizados e de relevância social produzidos pelo ser humano, com o objetivo de transformar permanentemente o mundo, fazendo assim aflorar a nossa humanidade através da práxis social: a constante produção do novo para garantir a reprodução social, dentro de condições comunitárias, onde o nós/eu/natureza se complementam. Assim, no curso de Licenciatura em Química da Ufba, através da abordagem sócio-histórica, temos feito desta forma e por isso, acreditamos, que o Núcleo de Pesquisa em Ensino de Química da Ufba tem bons motivos para celebrar esses dez anos de novo currículo.

Agradecimentos

Referências

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