Autores

Souza, M.C.C. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA - UEL) ; Broietti, F.C.D. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA - UEL) ; Passos, M.M. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA - UEL)

Resumo

Neste trabalho investigamos os indícios da aprendizagem docente de um licenciando de Química e os fatores que contribuem para a construção dessa aprendizagem. Para tanto, foram realizadas entrevistas semiestruturadas ao longo de um período de três anos e meio. Estas foram transcritas e analisadas utilizando os procedimentos da Analise Textual Discursiva, tendo os Focos da Aprendizagem Docente como categorias a priori. Percebemos, diante das análises, que a aprendizagem docente do licenciando foi proporcionada por diferentes fatores, estando vinculada, principalmente, ao seu interesse pela docência, no qual destaca pretender lecionar em escolas públicas. Outro aspecto mencionado pelo licenciando diz respeito às disciplinas cursadas na graduação e a participação em projetos como o PIBID.

Palavras chaves

Aprendizagem Docente; Licenciando; Química

Introdução

Nas últimas décadas, pesquisas envolvendo a formação inicial de professores de Ciências têm ganhado destaque (CARVALHO e GIL-PEREZ, 2006; VIGGIANO e MATTOS, 2005; GALIAZZI, 2003; CACHAPUZ et al., 2005), especialmente após a implantação do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), cujas investigações têm se concentrado tanto na aprendizagem dos estudantes das licenciaturas, quanto nos professores das escolas (MORYAMA; PASSOS; ARRUDA, 2013). Segundo Silveira e Oliveira (2009, p.3), “os futuros professores necessitam adquirir competências básicas na sua formação inicial quanto à construção de novos saberes para garantir uma adequada prática docente”, competências essas que deveriam ser adquiridas nos cursos de formação, visto que o objetivo destes é formar professores para atuarem na Educação Básica (SILVEIRA e OLIVEIRA, 2009). Além da preocupação com a estrutura curricular dos cursos de formação inicial, Hernández (1998) salienta também ser necessário compreender a maneira como os docentes aprendem − e aqui também enfatizamos a aprendizagem dos futuros docentes −, uma vez que os cursos de formação buscam favorecer a aprendizagem dos docentes e, “o processo de aprendizagem docente na formação inicial é um elemento-chave para que os sujeitos em formação possam refletir sobre o que significa colocar-se em condições de aprender a docência” (BOLZAN; WIEBUSCH; BAPTAGLIN, 2014, p.70). Marcelo (1998) expõe que nas décadas de 1980 e 1990 foi observada uma maior preocupação em se compreender o processo de aprender a ensinar, no entanto, a formação e a aprendizagem da docência, praticamente quatro décadas depois, ainda apresentam aspectos desconhecidos (COUTO, 2009). Segundo Flores (2010) e Pacheco (1995), o processo formativo de um professor implica no ato de “aprender a ensinar”; na construção da identidade profissional e na socialização profissional, sendo, portanto, um processo complexo, evolutivo, com fases e impactos distintos, cujo “ponto de partida é a experiência adquirida enquanto aluno e o ponto de chega é a experiência enquanto professor” (PACHECO, 1995, p.39). Os entendimentos sobre a docência, de acordo com Silva e Krug (2010), são construídos com base nos saberes adquiridos ao longo das histórias de vida, iniciando muito antes do professor entrar em uma sala de aula, visto que “nossas experiências refletem comportamentos, valores, posturas profissionais e pessoais, que são os nossos primeiros saberes construídos sobre a docência” (SILVA e KRUG, 2010, p.1). De acordo com Bolzan e Powaczuk, (2017), a aprendizagem docente pode ser entendida como: [...] um processo que implica o domínio de conhecimentos, saberes e fazeres de determinado campo, além da sensibilidade do docente como pessoa e profissional em termos de atitude e valores, tendo a reflexão como componente intrínseco ao processo de ensinar, de aprender, de formar-se e, consequentemente, de desenvolver-se profissionalmente (BOLZAN; POWACZUK, 2017, p.110). Essa aprendizagem pode ser considerada “um processo que se estabelece durante a vida profissional ocorrendo quando os estudantes se colocam como aprendizes da sua própria formação, compreendendo os percursos que produzem ao aprender a ser professor” (DEWES et al., 2015, p.37934). É caracterizada pela tomada de consciência e pelo papel simultâneo de ensinante e aprendente dos sujeitos em formação (ISAIA e BOLZAN, 2010), sendo um dos desafios dos cursos de formação inicial exatamente o de auxiliar os estudantes no processo de passagem de se verem no papel de alunos para o se verem como professores (PIMENTA, 1999). Para Dewes et al. (2015), a aprendizagem docente de estudantes em formação inicial está relacionada com a formação adquirida nos cursos de licenciatura e com os processos formativos vivenciados pelos sujeitos, assim como as experiências formativas proporcionadas pelo curso e para além deste. Uma forma de investigar a aprendizagem docente pode se dar mediante um instrumento de análise denominado Focos da Aprendizagem Docente (FAD), que permite localizar indícios dessa aprendizagem tanto na formação inicial como na formação em serviço (ARRUDA; PASSOS; FREGOLENTE, 2012), por meio de cinco dimensões: o interesse pela docência; o conhecimento docente; a reflexão sobre a docência; a participação em comunidades docentes e; a construção da identidade docente. Essas dimensões serão explicitadas na próxima seção. Diante disso, compreender o processo pelo qual os licenciandos se tornam professores torna-se fulcral para que se possa progredir nas investigações acerca da prática docente e, neste trabalho, nos propomos a investigar indícios da aprendizagem docente manifestados por um estudante no decorrer de três anos e meio de curso.

Material e métodos

Diante do objetivo pretendido neste trabalho, utilizamos o instrumento de análise denominado Focos da Aprendizagem Docente (FAD), elaborado por Arruda, Passos e Fregolente (2012). Por questão de espaço, neste trabalho, será apresentada a análise de apenas 1 depoente, estudante de um curso de licenciatura em Química de uma universidade pública do estado do Paraná, que codificamos como Cobre (Cu), de um total de 15 depoentes que compõem a turma em estudo – sujeitos de uma pesquisa de doutoramento. Esse depoente foi selecionado considerando a representatividade de seus relatos em relação ao grupo pesquisado. Os dados foram obtidos por meio de cinco entrevistas semiestruturadas realizadas com o estudante. As entrevistas foram realizadas após o licenciando concluir alguns semestres do curso, a saber: o segundo, o quarto, o quinto, o sexto e o sétimo semestres do curso (equivalendo a três anos e meio). As entrevistas foram gravadas em áudio e depois transcritas. Com o intuito de investigar indícios da aprendizagem docente do licenciado, fez-se uso dos FAD (ARRUDA; PASSOS; FREGOLENTE, 2012), cuja aprendizagem docente está estruturada em cinco eixos: interesse; conhecimento; reflexão; comunidade e identidade. Para melhor acomodação das unidades de análise identificadas nas entrevistas, foi necessário fazer algumas adaptações nos FAD originalmente elaborados, que foram denominados Focos da Aprendizagem Docente adaptado – FAD', que serão apresentados no tópico Resultados e discussão. Para a análise dos dados, utilizamos os procedimentos da análise textual discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2011), que envolvem: a unitarização do corpus da pesquisa, ou seja, processo de recorte e fragmentação de textos − neste caso, entrevistas transcritas − em unidades de análise (UA); e a categorização, que consiste na construção de categorias a priori ou emergentes − aqui, estabelecidas a priori, os FAD’ − e/ou subcategorias, por meio do reagrupamento das UA, segundo características comuns evidenciadas pelos significantes. Como nossos registros eram constituídos por falas do licenciando em mais de uma entrevista, e destes registros emergiram várias UA, foi necessário codificar as entrevistas e as UA. As entrevistas foram codificadas da seguinte maneira: P para a Primeira entrevista, D (de Dois) para a segunda, T para a Terceira, Q para a Quarta e C (C de Cinco) para a Quinta. As UA foram enumeradas conforme a ordem em que apareciam nas entrevistas. Assim, Cu-7D significa: a sétima UA encontrada na segunda entrevista realizada com o licenciando Cobre. Para uma leitura mais fluente, os dados foram organizados em um quadro (Quadro 2) no qual sintetizamos a distribuição das UA nos Focos para cada entrevista. Buscamos neste movimento identificar os Focos da Aprendizagem Docente predominantes para o sujeito investigado.

Resultado e discussão

Na sequência descrevemos cada FAD’ e apresentamos algumas UA que, segundo nossa compreensão, são representativas do corpus. No FAD’ 1 − interesse − agrupamos as falas nas quais o licenciado manifestava interesse, motivação e/ou envolvimento emocional pela docência. Um exemplo: […] mas eu também quero me especializar, fazer doutorado, mas tudo na área de ensino né. (Cu-22P) Para o FAD’ 2 − conhecimento − consideramos os relatos em que o licenciando demonstrava indícios de conhecimentos (de conteúdo – disciplinar e didático-pedagógico –, curricular e experienciais) possibilitados pela graduação. Segue exemplo representativo dessa categoria: […] além de saber o conteúdo você tem que saber ensinar, que não adianta nada eu saber os conceitos se eu não souber passar para a pessoa. (Cu-6P) Em relação ao terceiro Foco, FAD’ 3 − reflexão −, consideramos falas nas quais o licenciando reflete situações associadas à docência, com base nos conhecimentos desenvolvidos ao longo da graduação. Um exemplo: […] hoje a gente vê essas graduações de 3 anos que dão mais foco pro ensino de..., da matéria em si e não forma um professor. E aí esse professor vai lá totalmente despreparado para uma sala de aula. Ele sabe o conteúdo, mas ele não sabe sanar as dúvidas […]. (Cu-7P) No FAD’ 4 − comunidade – alocamos as declarações relacionadas às atividades desenvolvidas em uma comunidade (eventos, projetos, família, colegas), de forma colaborativa, nas quais o licenciando relata assimilação de valores dessa comunidade e desenvolvimento de reflexão coletiva. Alguns exemplos são: […] a minha mudança de como ser professor eu acho assim, que tá mudando mesmo não é nem dentro da sala de aula, talvez claro, [...] mas dentro da universidade, que é o meu contato com os professores e nessas assembleias que tá tendo agora, que eu tô aprendendo muita, muita coisa, que eu tô indo bastante […]. (Cu-4T) [...] eu acho que o PIBID, assim, ele forma o professor. Por quê? Porque sempre nas reuniões a gente tem contato com os professores já formados e eles sempre, [...] dão palpite sobre o que é a carreira [...].(Cu-11Q) Para o FAD’ 5 − identidade −, buscamos agrupar falas que indicavam como o licenciando se via como aprendiz da docência, desenvolvendo uma identidade como alguém que se tornará professor. Um exemplo: […] nós que somos professores, a gente tem que saber como chegar o conhecimento. (Cu-2D) No Quadro 2 apresentamos a distribuição das UA em cada um dos Focos, para cada uma das entrevistas e no Gráfico 1, apresentamos a distribuição, em porcentagem, dos focos em cada uma das entrevistas. Foram encontradas 92 unidades de análise nas entrevistas de Cobre. Na primeira, realizada ao final do segundo semestre no curso foram acomodadas falas em todos os FAD’. O destaque (Gráfico 1) foi para o Foco 1 – interesse – (33%), seguido dos Focos 3 e 5, reflexão e identidade, respectivamente, com 21% cada. Durante toda a entrevista Cobre demostrou seu interesse e entusiasmo pela docência, explicitando seu interesse em lecionar e também em se especializar na área de ensino. Um ponto de destaque é que, mesmo o licenciando estando no primeiro ano do curso, já se coloca no papel de professor, ou seja, assume a identidade de professor (Foco 5), relatando que o motivo de querer ser professor é por poder ser útil à sociedade, auxiliando no conhecimento de outras pessoas, e ter reconhecimento. Na segunda entrevista, realizada ao final do quarto semestre houve um predomínio do Foco 5 – identidade – (38%), seguido do Foco 3 – reflexão – (31%), Foco 1 – interesse – (25%), e por último o Foco 2 – conhecimento – (6%). As UA alocadas no foco da identidade mostram que Cobre já se vê como professor, utilizando frases do tipo “nós que somos professores” (Cu-2D), “a gente como professor” (Cu-13D), referindo-se a ele e à pesquisadora (que no caso também era sua professora). Nesta entrevista não foi identificado o Foco 4, comunidade, mesmo o licenciando fazendo parte do PIBID. Um dos possíveis motivos de isso ter acontecido é o PIBID não ser algo novo, visto que o estudante já participava do programa há dois anos, e a elaboração de uma oficina, em uma disciplina do curso, ter sido mais relevante para Cobre no segundo ano do curso. Na terceira entrevista (quinto semestre no curso), novamente foram acomodadas UA em todos os FAD’. O destaque foi para o Foco do interesse, contemplando 42% das UA. Cobre reforça ter a plena certeza de querer ser professor e seu interesse em prosseguir os estudos na área, por meio de um mestrado em educação. Ao analisar a quarta entrevista (sexto semestre no curso), foram acomodadas UA em todos os FAD’, sendo que agora o destaque foi para o Foco 3 – reflexão –, correspondendo à 44% das unidades de análise. Neste momento Cobre reflete acerca do que é ser professor; as metas, objetivos e normas da educação/escola; e a importância de se aprender, na graduação, a fazer o planejamento de uma aula. Por fim, na quinta entrevista, o foco com maior índice de UA alocadas foi o do interesse, Foco 1 (40%), no qual o licenciando destaca pretender lecionar no Ensino Médio e adquirir experiência em uma sala de aula cujos alunos tenham problemas de comportamento e de aprendizagem. Com relação a esta última parte, Cobre explica que até o momento só teve contato (por meio do PIBID e do estágio de observação) com turmas que ele considera boas, visto que os alunos participam da aula e não apresentam grandes problemas. O licenciando relata ter intenção de fazer o estágio de regência em uma turma “problema” para adquirir experiência em sala de aula e sair do curso mais preparado. Ainda no Foco 1, foram acomodadas UA em que Cobre demonstra interesse pela profissão docente. Na última entrevista não foi identificado o Foco 5, identidade. Por meio das análises, observamos que a aprendizagem docente de Cobre baliza-se para cada uma das cinco entrevistas respectivamente, em torno do: interesse; identidade; interesse; reflexão e interesse. Assim, a aprendizagem docente de Cobre destaca-se principalmente devido ao seu interesse pela docência (34% do total das UA), no qual menciona pretender lecionar em escola pública, e sobre as reflexões que faz acerca da prática docente (29%). Com relação ao PIBID, presente principalmente no Foco 4, Cobre faz questão de destacar a importância do programa em sua formação, por proporcionar conhecimentos desde o primeiro ano do curso; participar de discussões com professores que estão atuando em sala de aula; conhecer novas metodologias; aprender a planejar uma aula e, principalmente, colocá-la em prática. Assim, Cobre ressalta ao final do segundo semestre no curso, a sua participação no PIBID e as disciplinas cursadas na universidade; finalizando o quarto semestre, o licenciando destaca, por meio das disciplinas e de sua participação no PIBID, a importância da relação teoria-prática para a sua formação; no quinto semestre sobressaiu sua vontade em ser professor mesmo com o desprestígio social; ao final do sexto semestre Cobre salienta o papel do professor, suas habilidades e competências, a importância do planejamento de uma aula e seu interesse em ser professor; por fim, ao final do sétimo semestre os destaques foram a realidade escolar e suas experiências com o PIBID. Em seu percurso formativo, os fatores que têm potencializado sua aprendizagem docente foram diversos, tais como: participação em projetos como o PIBID; conhecimentos de conteúdo – disciplinar e didático-pedagógico, curricular e experienciais proporcionados pelas disciplinas cursadas na universidade. Esses pontos se assemelham aos identificados por Bolzan; Wiebusch e Baptaglin (2014) ao pesquisarem acerca da aprendizagem docente de acadêmicas de Pedagogia.

Quadro 1

Distribuição das UA nos FAD’ para cada entrevista e ao final das cinco entrevistas de Cobre.

Gráfico 1

Distribuição das UA nos focos, em porcentagem, para cada uma das cinco entrevistas de Cobre.

Conclusões

Por meio da investigação realizada pudemos identificar evidências da aprendizagem docente de um licenciando de um curso de Química, com destaque para o Foco do interesse ao final dos segundo, quinto e sétimo semestres do curso, o Foco da identidade ao final do quarto semestre, e o Foco da reflexão ao final do quinto semestre do curso. Ou seja, a aprendizagem docente de Cobre destaca-se principalmente devido ao seu interesse pela docência (34% do total das UA). Ainda foi possível verificar que Cobre transita pelos focos, tanto que das cinco entrevistas analisadas, três indicaram a presença de falas em todos os focos. Os resultados interpretativos a que chegamos, ressaltam a influência do PIBID na aprendizagem docente do licenciando, uma vez que este manifesta satisfatoriamente sua participação no Programa e o quanto ela tem auxiliado em sua formação, proporcionando momentos de reflexão sobre as ações em sala de aula e permitindo a troca de experiências com os professores supervisores. Com relação às evidências da aprendizagem docente, por meio da análise das entrevistas do licenciando no decorrer de três anos e meio do curso, percebemos que os fatores que mais contribuíram com sua aprendizagem sobre a docência foram algumas disciplinas cursadas na graduação e participação em projetos como o PIBID. Para o período investigado percebemos que houve oscilações entre os FAD’ para cada entrevista, e que Cobre já indica estar na transição do “seu ver-se como aluno” para o “seu ver-se como professor” (PIMENTA, 1999). No entanto, não podemos fazer afirmações acerca de como as evidências de aprendizagem docente oscilam ao longo da trajetória formativa utilizando apenas um sujeito. Nossa pretensão futura será analisar mais sujeitos (quiçá os 15 que estamos acompanhando) em um maior período de tempo (4 anos do curso até a formação do sujeito), a fim de observarmos a construção desta aprendizagem docente.

Agradecimentos

Referências

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