Autores
Paes, S.M.A. (UFRJ) ; Guerra, A. (UFRJ)
Resumo
O presente trabalho apresenta uma sequência didática pautada no chamado Ciclo de Experiência Kellyana (CEK), dividido em cinco etapas, onde uma delas foi composta pela aplicação do jogo didático “Caminho Radioativo”. A intervenção foi realizada em uma turma NEJA e uma do primeiro ano regular de uma escola pública do Estado do Rio de Janeiro. O objetivo foi apresentar uma alternativa para trabalhar o tema radioatividade através do lúdico, seguindo a dinâmica CEK e utilizado o jogo didático como instrumento de avaliação do tema abordado. Os resultados sugerem que as concepções finais dos alunos foram significativamente modificadas, ocorrendo uma progressão na aprendizagem sobre o tema radioatividade.
Palavras chaves
Ciclo de Experiência ; Jogos Didáticos; Radioatividade
Introdução
Viabilizar um ambiente de ensino que possa dar conta dos desafios que os docentes vêm enfrentando na atualidade torna-se cada vez mais necessário. Tais desafios passam pela atratividade, motivação e interesse dos alunos nos conteúdos apresentados em sala de aula. Nesse sentido, uma diversidade de metodologias e ferramentas para auxiliar o trabalho docente vem sendo elaborados e apresentados no ambiente escolar. Dentre essas propostas, destacam-se as atividades lúdicas, como o uso de jogos didáticos, conforme as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, p. 28, 2006), ao afirmarem que: O jogo oferece o estímulo e o ambiente propícios que favorecem o desenvolvimento espontâneo e criativo dos alunos e permite ao professor ampliar seu conhecimento de técnicas ativas de ensino, desenvolver capacidades pessoais e profissionais para estimular nos alunos a capacidade de comunicação e expressão, mostrando-lhes uma nova maneira, lúdica, prazerosa e participativa de relacionar-se com o conteúdo escolar, levando a uma maior apropriação dos conhecimentos envolvidos. (BRASIL, p. 28, 2006) A importância do uso de jogos como uma ferramenta no processo de ensino – aprendizagem vem sendo descrita frequentemente na literatura. Segundo Fortuna (2003, apud PEDROSO, p.3, 2009), o ato de jogar leva o aluno a desenvolver “a iniciativa, a imaginação, o raciocínio, a memória, a atenção, a curiosidade e o interesse”, ou seja, cria um ambiente favorável ao processo educativo. Para Kishimoto (1996), o jogo funciona como fio de condução para a compreensão do conteúdo didático de uma forma lúdica. Por outro lado, Campos, Bortoloto e Felício (2003) entendem que os aspectos lúdicos e cognitivos são trabalhados em conjunto durante o jogo, permitindo ao aluno o acesso qualificado a conceitos abstratos e complexos e favorecendo a socialização dos atores no processo educativo. Um dado fundamental, trazido por Miranda (2002, apud MELO et al, p.5, 2017), é a contribuição do jogo didático na redução da evasão escolar, por colaborar com a aproximação entre os alunos e o ambiente escolar. Nesse contexto o uso de jogos didáticos deveria ser parte integrante do componente curricular de todas as escolas, sejam elas públicas ou privadas, auxiliando na construção do conhecimento, podendo manifestar nos alunos outros aspectos importantes, tais como valores éticos e sócio ambientais, indispensáveis à formação cidadã. No entanto, o jogo não deve ser utilizado ao acaso, mas visto como uma das atividades dentro de uma sequência definida de aprendizagens e um meio a ser usado para se alcançar determinados objetivos educacionais (NASCIMENTO et al., p.1, 2014). Ou seja, o jogo é um instrumento didático e, para ser utilizado como tal, deve fazer parte de uma proposta didática bem definida. No presente trabalho, o jogo didático foi introduzido em uma das etapas de uma sequência didática estruturada no Ciclo de Experiência Kellyana (CEK). George Kelly, físico, matemático, mestre em sociologia e doutor em Psicologia, fundamentou seus estudos na Teoria dos Construtos Pessoais (TCP), publicada em 1955, em seu livro The Psychology of Personal Constructs (A psicologia dos Construtos Pessoais), composta por um postulado fundamental e 11 corolários. Essa teoria procurar entender a conduta humana, afirmando que pessoas utilizam tais construtos para prever acontecimentos e controlar sua vida e comportamento. Nesse contexto, George Kelly propôs o chamado Ciclo de Experiencia Kellyana que consiste em cinco etapas denominadas: antecipação, investimento, encontro, confirmação/desconfirmação e revisão construtiva. O processo de antecipação, segundo Bastos (1992, apud NATÁLIA et AL, p.5, 2016), é o momento em que o aluno é convidado a participar de um evento buscando em seus conhecimentos prévios ideias que possam contribuir para tal evento. Em seguida ocorre a etapa chamada investimento, onde o aluno compromete-se a aprofundar seu conhecimento sobre determinado assunto. Logo em seguida ocorre o encontro, quando o professor apresenta inúmeras possibilidades de embasar o conteúdo proposto para a atividade, utilizando-se dos recursos didáticos disponíveis. Na próxima etapa, denominada confirmação/desconfirmação, o aluno coloca a prova suas hipóteses podendo confirma-las ou refuta-las. O ciclo se encerra na etapa da revisão construtiva, que consiste na revisão dos construtos pessoais de cada aluno, podendo avaliar e consolidar seus conhecimentos em relação à hipótese inicial. O presente trabalho apresenta o desenvolvimento de uma atividade de ensino, estruturada na importância do uso dos jogos didáticos como uma das ferramentas fundamentais para o processo de ensino e aprendizagem em Química. Uma sequência didática pautada no Ciclo de Experiência Kellyana foi aplicada, onde o jogo “Caminho Radioativo” foi utilizado como um instrumento para avaliar e/ou recapitular o entendimento do tema radioatividade.
Material e métodos
O trabalho foi desenvolvido com estudantes de uma turma NEJA-IV (Novo ensino de Jovens e Adultos) e outra do 1º ano Regular do turno da noite de uma escola pública do Estado do Rio de Janeiro. O objetivo foi apresentar uma alternativa para trabalhar o tema radioatividade através do lúdico, baseado em um jogo didático denominado Caminho Radioativo. As aulas foram divididas obedecendo a uma sequência didática atrelada ao Ciclo de Experiência Kellyana (CEK). Na 1ª etapa do CEK, denominada antecipação, o trabalho foi iniciado através de um debate visando mensurar os conhecimentos prévios dos alunos sobre o tema radioatividade. Em seguida, os alunos receberam uma apostila, denominada avaliação diagnóstica, com o objetivo de auxiliá-los na compreensão do tema, culminando na formulação da seguinte hipótese – “a radioatividade contribui para o desenvolvimento e consequentemente para uma melhor qualidade de vida”. Tal hipótese foi pesquisada individualmente pelos alunos fora do ambiente escolar e debatida na aula seguinte. Essa pesquisa representa a 2ª etapa do CEK, denominada investimento. Na aula seguinte tem início a 3ª etapa do CEK, denominada encontro, onde ocorreu a exposição e discussão das pesquisas realizadas pelos alunos sobre a hipótese levantada na etapa anterior. Simultaneamente, ocorreu a 4ª etapa do CEK, denominado confirmação/desconfirmação, onde o professor, no papel de mediador, desconstrói ou confirma os conceitos e observações apresentadas pelos alunos sobre o tema radioatividade. Na 5ª e última etapa do CEK, denominada revisão construtiva, ocorreu a aplicação do jogo didático Caminho Radioativo, como instrumento de reforço e avaliação dos conteúdos discutidos durante toda a atividade. O jogo permite a participação de dois a seis alunos ou grupos, tendo um tabuleiro do tipo trilha, composto por 05 casas amarelas, 09 vermelhas e 08 verdes, intercaladas com casas denominadas sorte e revés. Em função das cores, existe um conjunto de cartas contendo questões que devem ser respondidas pelos jogadores para que possam avançar no tabuleiro. As amarelas abordam tópicos de cunho histórico, as vermelhas abordam conceitos e as verdes contextualizam o tema, trazendo atualidades sobre a radioatividade. As cartas relacionadas às casas sorte e revés indicam um número específico de casas que o jogador deverá avançar ou recuar, respectivamente. Sendo utilizado como instrumento de avaliação e revisão, o jogo “Caminho Radioativo” permitiu ao professor moderador contabilizar o número de acertos e erros de cada aluno, no decorrer do jogo.
Resultado e discussão
A atividade foi desenvolvida com 21 alunos de uma turma NEJA e 20 alunos de
uma turma do primeiro ano regular de uma escola pública do Estado do Rio de
Janeiro. Ao serem indagados, os alunos consideraram o jogo dinâmico, não
sendo cansativo participar da atividade proposta. Já em relação às regras do
jogo, apenas três alunos consideraram com certo grau de dificuldade, sendo
para a maioria de fácil compreensão.
Percebeu-se uma clara diferença em relação às turmas, pois os alunos da
turma NEJA demonstraram um menor conhecimento sobre o tema radioatividade
quando comparados com os alunos do primeiro ano. Tal observação foi possível
através da etapa de antecipação do CEK, onde ficou visível a dificuldade dos
alunos para responder perguntas ou identificar imagens relacionadas à
radioatividade. Com o auxilio do material didático denominado Avaliação
Diagnostica foi possível apresentar parte do conteúdo sobre radioatividade
para os alunos, deixando, ao final do primeiro encontro, a seguinte
hipótese: “a radioatividade contribui para o desenvolvimento e
consequentemente para uma melhor qualidade de vida”. Com o início da etapa
de investimento, os alunos realizaram uma pesquisa pautada na hipótese
apresentada, cujo objetivo era prepara-los para a etapa de discussão,
denominada encontro. Contudo, em ambas as turmas, poucos alunos se
propuseram a apresentar as suas pesquisas e argumentos oralmente, fazendo-a
por escrito.
Apesar de apenas 03 alunos da turma NEJA-IV e 04 alunos do primeiro ano
regular terem apresentado as suas pesquisas na forma oral, a quarta etapa,
denominada confirmação/desconfirmação, não foi comprometida. O material
apresentado oralmente e por escrito possibilitou a identificação e correção,
pelo professor-mediador, de algumas concepções equivocadas sobre o tema
radioatividade. Para cada turma a atividade pode ser desenvolvida por três
tempos consecutivos de aula, que foram plenamente utilizados pelo professor
no processo de confirmação/desconfirmação do conteúdo abordado. Logicamente
que no universo de 20 a 30 alunos em ambas as turmas o professor teve a
percepção de que algumas pesquisas estavam parecidas e/ou próximas de
outras, podendo dessa forma filtrar, selecionar e discutir com os alunos
aquelas consideradas mais pertinentes. Como concepções desconstruídas foram:
a radioatividade como algo sempre maléfico, algo que não presta; e que o
lixo radioativo poderia ser descartado como lixo comum. A quinta e última
etapa do CEK, denominada revisão construtiva contemplou a aplicação do jogo
“Caminho Radioativo”. A maioria dos alunos que participou do jogo respondeu
que após todas as etapas da sequência didática pautada no CEK, incluindo o
jogo como a etapa final desse processo, foi possível assimilar mais rápido o
conteúdo e que gostaram do jogo. Alguns relatos foram (como descritos):
"achei muito top o jogo"; "amei o jogo é legal e em grupo ajuda a gente
trocar ideias e assim facilita pra gente responder"; "achei as cartas
vermelhas mais difícil"; "foi legal saber tanta coisa que nunca imaginei";
"Eu nem sabia o que era esse negócio radioatividade, agora já sei um pouco,
que legal".
As perguntas utilizadas no jogo foram consideradas de fácil compreensão e
acessíveis por parte dos alunos. Apenas 2 alunos da turma NEJA acharam
algumas perguntas das cartas amarelas difíceis, enquanto 2 alunos do
primeiro ano regular mencionaram que acharam difíceis as perguntas das
cartas vermelhas. Alguns consideraram as cartas com imagens e as reações
difíceis de demonstrar para a equipe que irá responder, sugerindo a retirada
dessas cartas do jogo. No entanto, todos foram extremamente sinceros ao
afirmar que se não ocorressem as etapas anteriores do CEK seria difícil
jogar, pois não teriam conhecimentos suficientes para interagir com o jogo.
Alguns relatos nesse sentido foram (como descritos): "se não fosse o senhor
falar tudo aquilo anteriormente e sem a pesquisar que a gente fez seria
impossível jogar professor"; "não sabia nada de radioatividade”; "A pesquisa
pra mim foi o que me ajudou além das aulas".
O número de respostas corretas foi grande, pois de um total de 70 cartas que
compõem o jogo, a turma NEJA- IV respondeu a 55 perguntas, sendo que 39
respostas foram corretas (70,9%) e 16 incorretas (29,1%). Enquanto que na
turma do 1º ano regular de um total de 54 perguntas retiradas, 37 respostas
foram corretas (68,5%) e 17 incorretas (31,5%). Apesar de haver ganhadores,
o professor-mediador incentivou a todos os jogadores/grupos a chegaram ao
fim do jogo (casa Fim). É importante destacar que a evolução dos jogadores
ao longo da trilha ocorria mediante o conhecimento do tema e não por mera
sorte. O professor-mediador fez pequenas intervenções durante o jogo, para
corrigir respostas equivocadas por parte dos alunos, tais como: sobre o
tempo de meia vida,pois pensavam que com o passar do tempo o poder
radioativo aumentava; e a "confusão" sobre o processo de fissão e fusão que
algumas vezes trocaram os conceitos.
Conclusões
Os resultados observados no presente trabalho sugerem que as concepções finais dos alunos foram significativamente modificadas, ocorrendo uma progressão na aprendizagem sobre o tema radioatividade. As etapas da sequência didática, propostas segundo o Ciclo de Experiências Kellyana, permitiram comparar a progressão ou a assimilação do conteúdo abordado ao longo da atividade. Também foi visível o engajamento dos alunos na atividade, em especial na pesquisa sobre a hipótese proposta, apesar da resistência da maioria dos alunos à exposição oral. Tal fato indica a importância do professor-mediador trabalhar a motivação e participação dos alunos nas aulas constantemente. É possível afirmar que o jogo “Caminho Radioativo” atendeu ao seu propósito, estimulando os alunos a se envolverem com a atividade e com o tema no momento da revisão construtiva. Mas, acima de tudo, auxiliando ao professor-mediador na avaliação e pronta intervenção junto à turma com relação aos erros conceituais dos alunos.
Agradecimentos
Ao Programa Institucional de Fomento Único de Ações de Extensão (PROFAEX), ao Programa de Pós-graduação em Ensino de Química (PEQUI) do IQ-UFRJ e ao Laboratório Didát
Referências
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