Autores

Pinto, A.M.V. (IFRJ) ; Moreira, M.C.A. (IFRJ)

Resumo

O presente trabalho buscou analisar livros didáticos de química de forma a entender como o contexto, e suas derivações estão representados no tema hidrocarbonetos para o ensino médio. Nesse sentido, foram selecionados os livros mais distribuídos no Programa Nacional do Livro Didático de 2015. Questões tais como de contexto, contextualização, cotidianização etc. podem levar a interpretações similares no que se espera para o ensino de química. O objetivo foi problematizar as diferenças e como se materializam no livro. Os resultados apontam à preocupação com o termos de forma fragmentada, ou seja, podendo estar mais voltada a uma exemplificação do que a uma intertextualização. O estudo aponta que a inserção de contexto associada ao ensino e a pesquisa ainda demanda estudos mais aprofundados.

Palavras chaves

CONTEXTO; HIDROCARBONETOS; LIVRO DIDÁTICO

Introdução

O presente estudo tem como objetivo discutir questões de contexto na interseção com termos de significado aparentemente semelhantes, por intermédio da problematização e dos entendimentos atribuídos ao tema dos hidrocarbonetos nos textos do livro didático de química. Para tal, foram levados em conta, documentos oficiais (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio-DCNEM, Parâmetros Curriculares Nacionais- PCN+; Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - PCNEM, o Exame Nacional do Ensino Médio-ENEM) e a pesquisa em ensino de ciências e química. Contextualizar, contextuar, cotidianização, entre outras, são palavras que, por terem amplo uso na vida das pessoas, podem levar ao entendimento de uma significação única. Igualmente encontram-se presentes em discussões educacionais nos diversos meios acadêmicos e no ensino escolar. Nas pesquisas em ensino de ciências, Kato e Kawasaki (2007, p.2) apresentam que para as palavras contexto e contextualização: não há um único significado, tampouco um único contexto de significância. Consequentemente pode-se inferir que a ação relacionada ao ‘contexto’, isto é, a ‘contextualização’, pode trazer significados múltiplos, daí seu caráter polissêmico. No entanto, o que nos interessa não são os diferentes sentidos semânticos do termo e sim as concepções de contextualização no contexto educacional. Segundo o dicionário, o contexto engloba um “conjunto de circunstâncias à volta de um acontecimento ou de uma situação” e/ou “aquilo que envolve algo ou alguém”. (FERREIRA, 2010, p.47). Em geral, têm-se muitas significações para contexto, e várias delas não incluem o sujeito e nem o que ele pensa sobre a situação de determinado contexto. Para Wartha, Silva e Bejarano (2013) a palavra contextuar é o melhor sinônimo de contextualizar, significando enraizar uma referência em um texto no sentido de intertextualizar, trazendo novo significado ao texto. Contextuar tal qual contextualizar seriam ações referentes ao contexto. Nesse sentido, contextuar configura-se como estratégia fundamental para a constru¬ção de significações na medida em que incorpora relações entre objetos que se identificam. Machado (2005, p.43) corrobora esse sentido, ressaltando a incorporação de relações tacitamente percebidas, “a contextuação enriquece os canais de comunicação entre a bagagem cultural, e as formas explícitas ou explicitáveis de manifestação do conhecimento”. No ensino, a contextualização pode ter o sentido de cotidianização, ou seja, focado no ato de exemplificar o conteúdo com situações corriqueiras, sendo assim, diferindo do significado de contextuar apresentado anteriormente. Entre os professores, parece haver a pré-concepção de que para promover a contextualização é necessário incluir o cotidiano imediato do aluno, caracterizando o que entendemos por cotidianização. Para Wartha, Silva e Bejarano (2013) o termo cotidianização deveria, para se aproximar do significado anterior, apresentar um enraizamento ao cotidiano no que se aprende do conteúdo, tomando por base o contexto social, político e educacional do aluno. Mais do que incluir situações corriqueiras no conteúdo, contextualizar é um processo que exige complexidade, transpondo a elementar cotidianização. Na perspectiva do Ministério da Educação o termo contextualização parece possuir a acepção de interdisciplinaridade, ou seja, debruçado sobre um viés de interlocução entre disciplinas e sujeitos do referido contexto. Segundo as Diretrizes curriculares para o Ensino Médio (DCNEM) (BRASIL, 2000), a contextualização não pode ser entendida como banalização do conteúdo das disciplinas, mas como um recurso pedagógico. Esse aspecto tem levado o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) a explorar as noções de contextualização para romper com o modelo dos processos tradicionais dos vestibulares, evitando o excessivo de conteúdos. O DCNEM (BRASIL, 2000) já previa que o aluno deveria aprender os conteúdos de forma a relacionar com o cotidiano, incluindo a teoria e a prática, ideia essa, mais próxima do sentido de contextuar apresentado anteriormente. No que diz respeito aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+), o termo contextualização possui um caráter mais de inserção do contexto ao conteúdo. o professor deve ter presente que a contextualização pode – e deve – ser efetivada no âmbito de qualquer modelo de aula. Existe a possibilidade de contextualização tanto em aulas mais tradicionais, expositivas, quanto em aulas de estudo do meio, experimentação ou no desenvolvimento de projetos. (BRASIL, 2006, p. 35) A Lei de diretrizes e Bases da Educação (LDB) (BRASIL, 1996) aborda a contextualização da mesma maneira que o DCNEM, esclarecendo que o aluno deve aprender o conceito de forma a criar um elo entre a teoria e a prática. Portanto, procuramos nos textos dos livros didáticos aqui selecionados, formas diferentes de apresentação destes termos por meio dos seus significados.

Material e métodos

Foram selecionados os dois livros didáticos de química, mais distribuídos do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2015, direcionados a terceiro ano do ensino médio; foram eles: “Química 3” de Matha Reis e “Ser protagonista – volume 3” de Murilo Tissone Antunes. Esses livros, de acordo com o guia estatístico disponibilizado no sitio eletrônico do PNLD , constituíram o primeiro e o segundo lugares de distribuição nas escolas brasileiras e, portanto, as coleções mais escolhidas pelos professores. Em relação ao tema dos hidrocarbonetos a sua escolha deveu-se a sua importância para o ensino da química. Segundo Santos e Almeida (2012, p.1), o tema hidrocarbonetos torna-se estritamente importante, pois trata de um conteúdo introdutório relevante para o estudo da “química orgânica”. O livro Química 3 (LDQ 1) possui cinco unidades e dezoito capítulos sugerindo uma abordagem curricular voltada para a química orgânica. O capítulo dos “Hidrocarbonetos” localiza-se na unidade um, mais especificamente no capítulo três, contando com dezesseis páginas. Este capítulo possui três subdivisões que trabalham com conceitos acerca o tema. O livro Ser protagonista volume 3 (LDQ 2) é um livro que possui duas unidades que são divididas em sete capítulos. O capítulo estudado possui vinte e oito páginas e localiza-se no capítulo três da unidade dois. Este capítulo possui seis subdivisões que trabalham com alguns tipos de atividades e conceitos. Para realizar a categorização dos dados, utilizamos a Análise do Conteúdo (AC) de Bardin (2011), por ser um método de investigação concreto e operacional, aplicado em várias disciplinas, e que se caracteriza como técnica de análise que utiliza um conjunto de procedimentos voltados ao entendimento do conteúdo das mensagens. No que tange aos textos analisados, entendemos que, quando fazemos a análise do conteúdo não há necessidade de um material muito extenso. Nesse âmbito, a análise de conteúdo possibilita estabelecer indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção das mensagens. Por fim, foram construídas categorias de análise, a partir do objeto de pesquisa, que possibilitaram as inferências pela identificação das questões relevantes contidas no conteúdo das mensagens. (BARDIN, 2011). Foram escolhidos três categorias para a busca de contexto, o subtítulo, o formato e a classificação, para serem analisadas na pesquisa. O subtítulo para a compreensão da relação do conteúdo com o contexto, o formato de apresentação do texto no livro (box, corpo de texto, imagem, dentre outros) e a classificação dada para contexto.

Resultado e discussão

Considerando a sequencia de unidades e capítulos podemos perceber que para os autores do LDQ 1 o tema em questão parece constituir pré-requisito para os demais dessa coleção, e o LDQ 2 não dá a mesma ênfase ao tema, abordando-o apenas na unidade dois. No entanto, o LDQ 2 dá mais espaço a temática do que o LDQ 1. A apresentação dos resultados foi organizada no Quadro I e no qual está inserida a classificação considerada relevante para alcançarmos o objetivo proposto nesse trabalho . Nesse sentido, o resultado apresentado é um recorte da pesquisa em andamento que procura mostrar a presença/ausência de elementos do contexto e suas derivações nos livros didáticos de química. Uma primeira fase da análise denominada de pré-análise constituiu a leitura e organização do capítulo de hidrocarbonetos das duas coleções. Na segunda fase, exploramos o material selecionando as categorias por intermédio de características comuns, agrupamos as respostas, e, após isso, demos um nome às categorias. Além disso, foram identificados os nichos nos quais os elementos de contexto estavam presentes tais como textos principais e complementares em boxes, imagens e legendas classificados a partir das seguintes categorias: contextualização (CT), interdisciplinaridade (CTI) e cotidianização (CTD), todos eles relacionados com a temática dos hidrocarbonetos, tomando-se por base os conceitos anteriormente discutidos nesse estudo. No LD1 encontraram-se dois subtítulos com textos da categoria contextualização, sendo eles nomeados como “Propriedades gerais” e “Os grupos alifáticos”. No que diz respeito ao formato, foi identificada, nos dois subtítulos, a imagem acompanhada de uma legenda de texto remetendo-se ao contexto do conteúdo de química a ser abordado. Por exemplo, na página 43 desse livro é inserida a imagem de uma vela acesa com a intenção de que o aluno entenda que o material do qual ela é feita, a parafina, constitui um hidrocarboneto com certas propriedades, tais como fusão, densidade e outras. Nesse livro a categoria da cotidianização foi encontrada em três subtítulos, tais como: “Saiu na mídia!”, “Os grupos alifáticos” e “Os grupos aromáticos”, sendo que no segundo deles com formatos distintos, o de box e o de imagem com legenda. Nesse livro não foi constatado nenhum exemplo de contexto do tipo interdisciplinaridade. No LDQ 2, Ser Protagonista, identificamos um maior número de textos (e imagens) que podem ser estudados sobre o prisma de contexto. Seis subtítulos foram classificados na categoria de contextualização, foram eles: “Hidrocarbonetos”, “Compostos da função hidrocarboneto”, “Radicais e grupos orgânicos substituintes”, “Hidrocarbonetos ramificados”, “Petróleo: fontes de hidrocarbonetos” e “Carvão mineral: fonte de hidrocarbonetos”. Em alguns destes subtítulos é possível encontrar mais de um texto com esta classificação. Já na cotidianização encontraram-se cinco subtítulos, pertencendo aos citados, com exceção do “Hidrocarbonetos”. Quanto aos formatos, as duas categorias (contextualização e cotidianização) possuem semelhança nos aspectos quantitativos e qualitativos. Nessa coleção didática foi possível identificar a categoria diferencial, a da interdisciplinaridade, que se localiza em cinco subtítulos e apenas no formato de box. Por exemplo, na página 53, há um pequeno box localizado na parte inferior, com o título claro de interdesciplinaridade “Química e biologia” e um subtítulo “Eteno e o amadurecimento de frutos”, o autor apresenta características para situações recorrentes da vida, como também conectando duas esferas das ciências naturais, a química e a biologia, e isto é recorrente em outras partes do capítulo. A partir desta classificação, observou-se uma grande diferença quantitativa e qualitativa dos fatores encontrados nos capítulos das duas coleções aqui estudadas. Quantitativamente, o LDQ 1 possui apenas 7 trechos e imagens consideradas como potenciais para a discussão de contexto foco do estudo. Por sua vez, o LDQ 2 apresentou cerca de 23 trechos com finalidade de contexto, o que aponta para uma maior aproximação com o leitor, ou seja, a transposição didática dos conteúdos associados a hidrocarbonetos promove essa aproximação, mesmo que em formatos diferentes, o capítulo traz situações parte do cotidiano do leitor, como a alimentação, saúde e transporte, buscando mostrar ao leitor que o conteúdo trabalhado não é estático, mas sim entrelaçado com a vida social. Qualitativamente o LDQ 2 diversifica os gêneros textuais, categorias e enfoques (ambiental, histórico e industrial) que incluem o contexto. Além disso, traz diversas áreas das ciências da natureza e das ciências humanas, através da interdisciplinaridade e questões curiosas atuais e que se perpetuam durante os tempos. Nesse sentido, na página 66 do capítulo tem um texto intitulado “O petróleo e a antiguidade” que faz um breve histórico e curiosidades como nomeações antigas dadas ao petróleo antes de se tornar o atual. O LDQ 1 possui uma menor variabilidade destes fatores, e até mesmo não apresenta todos eles, tal como a questão da interdisciplinaridade. Nessa comparação o LDQ 1 nos pareceu menos voltado as preocupações de contexto quando o ensino é sobre o tema de hidrocarbonetos dando mais atenção ao contexto como cotidianizador. O LDQ 2 incluiu formas diferentes de contexto, numa proporção mais equilibrada, dando aberturas diferentes no que se aprende sobre o tema.

QUADRO I



Conclusões

Quando o objetivo é o ensino, tem-se a ideia que o uso de elementos do contexto contribui para uma aprendizagem mais próxima as questões culturais, sociais, éticas e de valores. No entanto, quando se trata de texto didático esses aspectos nem sempre têm sido levados em consideração. Nesse estudo por intermédio da discussão dos significados de contexto e palavras próximas procuramos entender o papel dos mesmos no ensino. Embora presente nos dois livros didáticos de química, mais distribuídos nos últimos anos, o contexto e suas derivações, ainda não é contemplado de forma ampla. No entanto, é possível identificar que o uso das variadas derivações chega mais próximo de um ensino contextualizador. Quanto às categorias (CT, CTD e CTI) entendemos que a mais utilizada é CT no LDQ2, refletindo o que é esperado para a prática pedagógica estando associada às questões (sociais) de industriais, alimentícias e de saúde. No LDQ1 a mais utilizada é a CTD, que não corresponde ao ideal para a prática pedagógica, mas que tem sido interpretada por professores em sala de aula, como uma forma de explorar a contexto. Por fim, o estudo realizado ainda demanda uma maior aproximação e associação entre os assuntos da química e os utilizados para desenvolver os elementos do contexto. O que parece ser recorrente nessas discussões é o fato de que contexto e contextualização são termos que ora aparecem de forma abrangente, ora de forma particular (cotidianização), fato esse que pode apontar para a necessidade de um maior aprofundamento e esclarecimento sobre os mesmos no âmbito do ensino e da pesquisa.

Agradecimentos

Ao CNPQ e ao IFRJ campus Nilópolis pelo investimento.

Referências

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011.

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FERREIRA, A. B. H. A. Século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 8. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.

KATO, Danilo Seithi; KAWASAKI, Clarice Sumi. O significado pedagógico da contextualização para o ensino de ciências: análise dos documentos curriculares oficiais e de professores. 2007.[s.n.], São Paulo, 2007.

MACHADO, N. J. Interdisciplinaridade e contextuação. In: Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): fundamentação teórico-metodológica. Brasília: MEC; INEP, 2005. p. 41-53.

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WARTHA, E.J.; SILVA, E.L.; BEJARANO, N.R.R. Cotidiano e contextualização no ensino de química. Química Nova na Escola, v. 35 (2), p. 84-91, 2013.