Autores

Guimarães, L. (IFRJ) ; Castro, D. (IFRJ)

Resumo

É de conhecimento a importância da História da Química para a construção do conhecimento científico. Com base nisso, uma atividade didática utilizando o método cooperativo Jigsaw foi elaborada e desenvolvida em uma escola privada, com alunos do 3º ano do Ensino Médio, buscando-se analisar suas potencialidades no processo de ensino e de aprendizagem relacionados aos envolvidos nos modelos atômicos mais conhecidos. Os dados foram coletados por meio de diário de bordo e análise dos textos produzidos pelos alunos. Os resultados indicaram incidência importante de aspectos qualitativos do processo que envolveu a fundamentação de cada modelo. A atividade proporcionou um ambiente de interação, reflexão e informação propício à construção de conhecimentos ampliando e humanizando a visão do tema.

Palavras chaves

História da Química; Ensino de Química; Métodos cooperativos

Introdução

A importância da História e Filosofia da Ciência (HFC) para a educação científica tem sido amplamente reconhecida na literatura nas últimas décadas. As razões da inclusão da HFC no ensino se fundamentam na Filosofia e Epistemologia do conhecimento científico, entende-se que a inserção da HFC pode humanizar a transposição didática do conhecimento científico (GATTI e NARDI, 2016). Apesar do reconhecimento da importância dessa área do conhecimento no ensino de Química, ainda são pouco perceptíveis estratégias didáticas que envolvem HFC e quando há, são ilustrações que são dadas no momento anterior ao extenso conteúdo a ser ministrado. Martins (2007, p.115) atenta para o fato que “as principais dificuldades surgem quando pensamos na utilização da HFC para fins didáticos, ou seja, quando passamos dos cursos de formação inicial para o contexto aplicado do ensino e aprendizagem das ciências”. Alguns desses problemas são amplamente conhecidas e comuns em outras áreas do ensino de ciências, como a falta de material pedagógico e as dificuldades de interpretação de texto por parte dos alunos. O referido autor identifica que é quase unanimidade entre os professores a importância de sua utilização no ensino, e conclui que a ausência dessa estratégia didática em sala de aula é pelo fato de que não é simples fazer, demanda tempo e preparo adequado. Outro ponto analisado é que a falta de material didático é um problema real, porém há uma grande preocupação dos conteúdos exigidos em exames vestibulares, o que faz os professores se sentirem “presos”. Para este tipo de problema, a falta de material didático não é a solução e se essa questão não for repensada a produção de material didático só ocasionará em inutilização destes na escola. É necessário fazer com que os professores sintam a responsabilidade nesse processo, refletindo e buscando ressiginificar a sua prática pedagógica no que diz respeito ao uso da HFC em sala de aula. A aprendizagem cooperativa é uma metodologia de ensino e de aprendizagem em que os estudantes são figuras centrais no processo educativo e trabalham em grupos para construir conhecimentos. Existem vários métodos de aprendizagem cooperativa que buscam estabelecer os referidos princípios em situações de aprendizagem, dentre eles, destaca-se o método Jigsaw. Nesse método, o conteúdo é dividido em pequenas partes e cada membro do grupo é designado a estudar apenas uma delas; estudam-na junto com alunos de outros grupos, responsáveis por discutir esse material comum; depois voltam ao seu grupo de base para ensinar e compartilhar o que foi estudado especificamente. A dinâmica adotada pelo método Jigsaw permite que os alunos exponham suas ideias e seus conhecimentos prévios, confrontando-os com as ideias dos colegas de grupo. Alguns pesquisadores têm investigado os resultados alcançados com a utilização da aprendizagem cooperativa nas aulas de química, apontando um caminho potencial quanto à construção de conhecimentos e ao desenvolvimento de habilidades e de competências dos estudantes. De maneira geral, as pesquisas em âmbito nacional e internacional apontam um acentuado uso da estratégia do tipo Jigsaw dentre os demais métodos de aprendizagem cooperativa (COCHITO, 2004) e indicam a capacidade do trabalho cooperativo em proporcionar resultados acadêmicos satisfatórios aos alunos. Nessa perspectiva, esse trabalho tem como objetivo aliar a aprendizagem cooperativa, utilizando-se do método Jigsaw, e o ensino da História da Química mais notadamente o ensino de modelos atômicos, reconhecendo que através de metodologias que coloquem o aluno de forma protagonista no processo de ensino e aprendizagem, esta será eficiente.

Material e métodos

Essa estratégia didática que associou a História da Química e o Método Jigsaw, foi desenvolvida em duas turmas do 3º ano do Ensino Médio de uma escola privada do município de Barra Mansa (RJ). Participaram dessa atividade um total de 50 alunos dessas duas turmas que foram divididos em grupos de 5 alunos, totalizando assim 10 grupos com uma carga horária de duas horas aula para o desenvolvimento dessa atividade. O tema escolhido dentro da História da Química foi sobre o desenvolvimento dos diversos modelos atômicos, esse conteúdo é comum na educação básica e tem como princípio o uso de momentos históricos. O primeiro momento com a turma se constituiu de uma breve explicação sobre como a construção do conhecimento científico é coletiva, abordando também de forma superficial que modelos não refletem a realidade, que o átomo é complexo e o que se pode mensurar são abstrações através de modelos atômicos que seriam apresentados. Após esse momento inicial foi distribuído um texto aos grupos”: A história do desenvolvimento da teoria atômica: um percurso de Dalton a Bohr”, esse texto tem como base um artigo de mesmo nome de Melzer e Aires (2015). Após um período de 15 minutos, cada aluno leu o texto fornecido individualmente. Após o momento da leitura, esclareceu-se no quadro a dinâmica que seria adotada no método cooperativo de aprendizagem Jigsaw com o intuito dos alunos compreenderem os objetivos a serem alcançados em cada etapa. A separação dos grupos de base foi feita e o texto foi entregue a todos integrantes da turma. O texto destaca alguns cientistas envolvidos no processo de criação dos diversos modelos atômicos, dos mais conhecidos até dos mais desconhecidos e que ficaram fora do livro didático. Foram formados dez grupos de base (A, B, C, D e E) contendo cinco integrantes, totalizando cinquenta alunos. Para a distribuição dos grupos especialistas foi realizado um sorteio (1 a 5) nos grupos de base. As divisões aconteceram da seguinte forma: John Dalton; Joseph Thomson e James Jeans; Hantaro Nagaoka, Lorde Rayleigh e George Adolphus Schott; Ernest Rutherford e John Nicholson; Niels Bohr. Essa divisão ocorreu pela trajetória histórica de cada envolvido, favorecendo o agrupamento de cientistas que estavam envolvidos de forma direta. Cada aluno especialista do seu grupo de base recebeu um material que continha informações mais específicas e adicionais sobre o seu assunto. Os grupos tiveram um período de 40 minutos para lerem os textos. Durante esse momento, identificou-se um interesse dos alunos durante a leitura, uma vez que apresentaram dúvidas e questionamentos. No momento final, voltaram ao grupo base e cada um contribuiu para a construção de um texto coletivo realizado com as discussões mais aprofundadas de cada um dos alunos.

Resultado e discussão

Todos os textos produzidos tinham o mesmo tema: modelos atômicos, contudo alguns dos grupos trataram o assunto de forma diferenciada enfatizando pontos diversos, como por exemplo, uma maior ênfase na mudança de conceito de átomo com uma crítica a física newtoniana ainda muito presente na escola básica; protagonismo aos cientistas que desenvolveram modelos mas não estão presentes no livro didático e o egocentrismo produzido na ciência tanto no passado e quanto agora no presente, apelando por uma academia científica mais inclusiva e perceptiva das mudanças do mundo e nas evoluções dos modelos. Dentre esses textos produzidos, com uma criticidade mais acentuada, pode-se destacar os seguintes trechos: “Tudo começou com o matemático Dalton, que não tinha uma formação química, e sua profissão pode ter influenciado a uma perspectiva diferente .(...), pois Dalton trabalhou sua teoria com base em múltiplas influências de físicos e químicos renomados. Em um primeiro momento, Dalton, baseia sua proposta ligada a seus estudos acerca da física proposta por Isaac Newton”. Nesse trecho podemos reparar a ênfase na construção do conhecimento de modelo atômico de forma coletiva, e o aluno admite a produção de conhecimento químico por todos, já que enfatiza o fato de Dalton ser matemático. Em outro trecho que destacamos: “Jeans apresentou uma forma particular de interpretar os dados de Thomson. Em sua proposta o átomo seria formado por uma porção de cargas positivas e uma porção de cargas negativas, as quais estariam em um certo equilíbrio. A ideia de Jeans era basicamente teórica, porém seu trabalho sob orientação de Thomson o levou a definir sua proposta de átomo ideal, seguindo a linha de raciocínio deste”. Pode-se observar o total reconhecimento do trabalho de Jeans por parte dos alunos e o reconhecimento ao complemento que este fez no modelo atômico do cientista de fama mundial, Thomson. Em um outro texto, podemos perceber a relação que os alunos realizaram com seus conhecimentos prévios e a inter-relação existente entre os novos fatos que absorveram com o texto: “Bola de Bilhar, Panetone, Glifosatos, Sistema Solar, muitas são as analogias feitas acerca da definição do átomo. Devido a esse fato, vários cientistas passaram por dificuldades de uma sociedade incrédula. Logo, com a agregação do conhecimento de cada um, pode-se saber atualmente a complexidade dessa minúscula partícula”. Em outro texto, os alunos retratam uma crítica do que já sabiam e demonstram amadurecimento no percurso escolar: “Nós aprendemos na escola os modelos atômicos de Dalton até Bohr. Contudo, não sabemos o que levou eles a chegar nas suas teorias. A história desse desenvolvimento é tão interessante quanto o próprio átomo”. Nesses dois trechos referidos, pode-se observar os alunos ressaltando a relevância da História da Química no processo de apreensão de conhecimentos químicos dentro da educação básica. Um outro trecho que chama muita a atenção enfatiza a relação dos cientistas envolvidos, quando o grupo descreve: “Uma coisa marcante nessa área é a relação entre as teorias, uma depende da outra, se baseia na outra ou até mesmo foi feita para derrubar a outra. Isso pode ser bom para incentivar os estudos mas pode causar dependência e medo dos mais influentes cientistas”. Nesse trecho destacado, podemos perceber a crítica do grupo em relação ao conservadorismo que ocorre dentro da comunidade científica, fato este que eles mencionam se deve ao fato da maioria dos modelos atômicos terem sido desenvolvidos dentro do mesmo laboratório e ter chamado a atenção as dificuldades que ocorreram para melhorar as ideias de Thomson, o presidente do laboratório. Como conclusão da maioria dos textos, destaca-se o reconhecimento dos modelos atômicos terem sido feitos de forma coletiva, enfatiza-se isso na seguinte conclusão: “Dessa forma, o desenvolvimento dos modelos atômicos e até mesmo da química, não pode ser dado a apenas um cientista, mas deve ser considerada uma construção, um quebra cabeça que cada peça foi colocada por um autor diferente, e o mesmo, está se complementando até hoje”. No mesmo sentido da conclusão, desse texto, um outro grupo relata o seguinte: “(...), tais teorias atômicas são de suma importância não só para estudos científicos, como também para entendimentos escolares. Devido a essas diferentes classificações e estudos realizados por diferentes cientistas, nos é permitido ter uma visão mais ampla da Química”. De modo geral, os alunos desenvolveram a atividade de forma muito eficiente, contudo após o texto ter sido entregue e lido pelos relatores de cada grupo, foi realizado um processamento grupal, um componente essencial nas atividades que envolvem a aprendizagem cooperativa. Este momento se define como a reflexão do trabalho realizado pelo grupo para descrever que ações foram efetivas e aquelas que não foram, e é necessário para que sejam tomadas decisões a respeito de quais condutas devem ser mantidas e quais devem ser descartadas com o propósito de melhorar a efetividade dos integrantes para alcançar os objetivos do grupo (JOHNSON, JOHNSON e HOLIBEC, 1999). Assim, foram apresentados aos alunos os seguintes questionamentos, norteado pelo trabalho de Fatareli e cols. (2010): “Indiquem atitudes/procedimentos do grupo que favoreceram o desenvolvimento do trabalho realizado na aula de hoje”. “Indiquem também algumas atitudes/procedimentos do grupo que poderiam ser aperfeiçoadas para um melhor desempenho do grupo”. Essas respostas foram colhidas a partir de um questionário aberto entregue a cada um dos alunos. Com relação aos questionamentos feitos, pode-se afirmar que de uma maneira geral os alunos afirmaram que o fato de cada um ler uma quantidade de informações sobre determinados cientistas e após discutir com os colegas ajudou muito no entendimento de como se produziu o conhecimento acerca dos modelos atômicos. Com relação ao que não foi positivo nos grupos, ocorreram poucos relatos e os que ocorreram se resumiram há dois grupos que protestaram contra a disciplina e comprometimento na leitura de dois integrantes de cada um dos grupos.

Conclusões

A intervenção didática mostrou-se ter uma aplicabilidade muito simples, o que favorece o seu uso por diferentes professores em diferentes realidades, entretanto, isto não significa que esta aula seja um modelo sem nenhum tipo de falha, em uma sala de aula, a heterogeneidade é característica, ou seja, os pensamentos e as metodologias são diversas. A partir dessa intervenção didática, apresentamos o tópico modelos atômicos, utilizando um recorte histórico de alguns cientistas em um período como um elemento motivador do processo de ensino/aprendizagem e, além disso, foi possível contribuir para que os estudantes pudessem ter a oportunidade de repensarem o conhecimento científico e assim, pudessem apresentar uma visão mais coerente sobre o trabalho do cientista. Nessa perspectiva, as estratégias didáticas utilizadas conseguiram alcançar o que foi inicialmente pretendido com o objetivo, pois a proposta foi muito bem aceita pelos alunos. A utilização da aprendizagem cooperativa favoreceu a humanização do ambiente escolar, o trabalho em grupo, o diálogo entre os estudantes, a socialização das concepções alternativas referentes aos assuntos estudados, inclusive identificando semelhanças com visões históricas, a problematização, a argumentação, o trabalho com hipóteses, a comunicação em Química e, por fim, a aprendizagem de conceitos e temas científicos. Contudo, a aplicação do método Jigsaw em disciplina de química deve ser vista com cautela, uma vez que, devido à natureza do conteúdo a ser tratado, nem sempre é possível adequá-lo a esse método. No entanto, há uma variedade de métodos cooperativos. Caberá ao professor optar pelo que melhor se ajusta aos seus objetivos, respeitando e levando em consideração as diferentes realidades existentes nas diferentes escolas e regiões do país, podemos considerar que para essas turmas de alunos e para a realidade da escola em que a proposta foi aplicada, os resultados foram muito satisfatórios.

Agradecimentos

Referências

COCHITO, M.I.S. Cooperação e aprendizagem: educação intercultural. Lisboa: ACIME, 2004.

FATARELI, E. F.; FERREIRA, L. N. A. F.; FERREIRA, J. Q.; QUEIROZ, S. L. Método cooperativo de aprendizagem cooperativa jigsaw no ensino de cinética química. Química Nova na Escola, v. 32, n.3, p.161-168, 2010.

GATTI, S. R. T.; NARDI, R. A História e a Filosofia da Ciência no Ensino de Ciências. 1. ed. São Paulo: Escrituras Editora, 2016. v. 1. 236p.

JOHNSON, D.W.; JOHNSON, R.T. e HOLUBEC, E.J. Los nuevos círculos del aprendizaje: la cooperación en el aula y la escuela. Virginia: Aique, 1999.

MARTINS, A. F. P. História e filosofia da ciência no ensino: há muitas pedras nesse caminho... Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 24, n. 1: p. 112-131, abr. 2007.
MELZER, E.E.M.; AIRES, J.A. A História do desenvolvimento da teoria atômica: um percurso de Dalton a Bohr.,Amazônia | Revista de Educação em Ciências e Matemática v.11 (22) Jan-Jun, p. 62-77, 2015.