Autores
Santos, R.X. (UEA) ; Eleutério, C.M.S. (UEA) ; Zanelato, A.I. (UEA)
Resumo
A economia do município de Parintins é fortalecida pela agricultura, pela pecuária bovina e bubalina o que justificou a realização de oficinas de produção de queijo. A intenção das oficinas era valorizar o saber tradicional vinculado à prática artesanal de produção de queijo e utilizá-la como estratégia didática nas aulas de regência no Estágio Supervisionado. Participaram das oficinas professores de Química, professores regentes e alunos do 3º ano do Ensino Médio. O leite foi adquirido no comércio local e os queijos preparados no Laboratório de Educação Química e Saberes Primevos no Campus de Parintins e repetidos na escola campo-estágio. O conteúdo – fermentação láctica foi abordado nas aulas de química vinculado ao estudo da função éster durante as aulas de regência.
Palavras chaves
Produção de queijo; Fermentação Láctea; Estágio Supervisionado
Introdução
Desde 2010 o Estágio Supervisionado no Curso de Licenciatura em Química da Universidade do Estado do Amazonas vem sendo desenvolvido nas escolas campo-estágio sustentado na experimentação (observação e classificação de um fenômeno em condições controladas), na ludicidade (jogos), nas oficinas etnográficas (saberes locais) e nos saberes produzidos em diferentes campos da ciência. O Parecer Nº CNE/CP 28/2001, sustenta a importância do Estágio Supervisionado para a formação dos futuros professores e o considera tempo de aprendizagem e de diálogo, pois a partir das atividades desenvolvidas e das experiências vivenciadas é possível o estagiário perceber a relação que existe entre a teoria e a prática e o desenvolvimento de competências e habilidades indispensáveis à sua formação. Com fundamento em Castro (2000), asseguramos que o Estágio Supervisionado nos cursos de formação de professores deve dar condições para que os licenciandos possam fazer a transposição dos conteúdos estudados na academia e transformá-los em capacidades específicas para o exercício docente. É importante ressaltar que isso só será possível se existir a aproximação entre o aluno, o professor e a escola. São as experiências vivenciadas no contexto da escola que irão sustentar a prática docente e favorecer a reflexão-ação-reflexão. Para este autor o Estágio Supervisionado é uma prática relevante, é campo de formação, de aprendizagem, de partilha de saberes e experiências que se efetivam entre os professores e os estagiários. É durante essa prática que os estagiários percebem que a práxis só se concretiza se o ensino estiver ancorado em metodologias, estratégias que permitam o planejamento e a investigação da aprendizagem. A práxis torna-se atividade relevante quando possibilita uma atuação pedagógica comprometida com a formação cidadã, com a diversidade cultural e social dos alunos. Esses aspectos permitem que os estagiários construam ou planejem atividades motivadoras e que estejam relacionadas ou ligadas à realidade dos alunos. Queijo Artesanal: considerações históricas e resgate dos valores culturais O queijo é uma das formas mais antigas de conservação das propriedades nutricionais do leite. É um produto lácteo produzido em grande variedade tanto de sabor quanto de forma em todo o mundo. Seu marco histórico é por volta de 8.000 anos a.C na região conhecida como crescente fértil localizada entre os rios Tigres e Eufrates, no Iraque, durante a chamada revolução agrícola, ocorrida com a domesticação de plantas e animais (PAULA, et al. 2009). Para Marquardt, et al. (2013) o queijo é um produto obtido a partir do leite coalhado, separado do soro e amadurecido num tempo incerto. É definido como um concentrado proteico-gorduroso resultante da coagulação do leite, seguido da dessora do coágulo que causa o decréscimo na umidade. A caseína é a principal proteína do leite, considerada o componente mais importante do queijo. Ao aglutinarse, separa outros elementos sólidos da água, principalmente a gordura. A gordura e a umidade podem variar dependendo do tipo e o tempo de conservação de cada queijo. Hoje se percebe uma variedade de queijos que se classificam com base nas características decorrentes do tipo de leite utilizado, do tipo de coagulação, da consistência da massa, do teor de gordura, do tipo de casca, do tempo de cura, entre outros (VIEIRA, 2010). Os queijos artesanais (objeto deste estudo) na perspectiva de Chalita (2012) podem servir de parâmetros para o aperfeiçoamento da produção de queijos finos ou especiais assim como estimular o consumo da qualidade dos queijos de forma geral. Isto, sem dúvida alguma, beneficiaria a indústria nacional e resultaria em melhoria de toda a cadeia de queijos, incluindo melhoria das raças e do leite, especializando e profissionalizando pequenas e médias empresas, em sua maioria, mobilizadoras de mão de obra familiar na produção e gestão destes empreendimentos. As propostas das oficinas é resgatar o saber tradicional que aos poucos vem se perdendo e correndo o risco de ser extinto, produzimos no espaço acadêmico e escolar um queijo artesanal utilizando leite de gado da região Amazônica. Este tipo de prática ainda é silenciado nesses espaços de formação daí, a importância de se refletir sobre a introdução de práticas com essas características e que possibilitem o resgate da cultura popular presentes em distintas regiões do Brasil e, sobretudo, sirva de instrumento de aprendizagem para os alunos.
Material e métodos
As Oficinas foram realizadas na Universidade do Estado do Amazonas, Campus Parintins, na escola campo-estágio e contou com a colaboração de um produtor de queijo artesanal, professores e alunos do 3º ano do Ensino Médio. Para desenvolver as oficinas foi necessário delinear o procedimento metodológico (Figura 1) que consistiu em: coletar o leite in natura, filtrar e acondicionar em recipientes devidamente higienizados. O leite ficou em repouso por 4 dias. Após esse estágio foi observado o processo de fermentação láctica (objetivo da experiência) que foi contextualizada na escola nas aulas de regência. O queijo foi produzido seguindo alguns procedimentos técnicos: retirada da manteiga da coalhada; aquecimento da massa no próprio soro, filtragem e fervura da massa no leite in natura. A massa foi espremida em um saco de pano de algodão devidamente higienizado para retirar o excesso de leite. Depois foi fritada na manteiga até adquirir uma consistência elástica e posteriormente acondicionada em formas para serem resfriadas. O queijo foi distribuído para degustação para verificar a aceitabilidade do queijo e avaliar as características: odor, sabor, textura e aparência. Os resultados desse processo foram alocados em gráficos para melhor compreensão do leitor. O conteúdo “fermentação láctea” foi contextualizado durante as aulas de regências comprovando que práticas que envolvem saberes cotidianos se configuram instrumentos importantes de contextualização da ciência química e possibilita estabelecer diálogos entre os saberes, o escolar e o tradicional. Considerando os procedimentos metodológicos adotados nas oficinas não foi possível utilizar tratamentos estatísticos para demonstrar os resultados. Mas, os dados foram organizados e interpretados à luz de outros dados e dos objetivos propostos neste trabalho.
Resultado e discussão
As Oficinas de produção de queijo artesanal (Figura 1) serviram como eixo articulador do conceito de fermentação láctea nas aulas de regências durante o Estágio Supervisionado e que nos permitiu discorrer sobre os processos fermentativos que existem desde o início da civilização.
De acordo com Barros e Barros (2010) fermentação é uma palavra derivada do latim fermentare que significa ferver. Nesse processo os microrganismos liberam enzimas para retirar do meio os nutrientes que precisam para se multiplicar, liberando em troca substâncias como ácidos, álcool e outras. O resultado da fermentação é a produção de vários alimentos que a população consume quase que diariamente como: iogurte, o queijo, o vinho, a cerveja e pão.
Os tipos mais comuns de fermentação são: a alcoólica (reação química realizada por microorganismos (leveduras) que agem sobre os açúcares, produzindo etanol e gas carbônico); a acética (utiliza microorganismo como as bacterias acéticas, com a finalidade de produzir, por exemplo, o vinagre, gerando o ácido acético como principal composto) e láctica (produz ácido láctico como principal composto) (MARTINS, VEIGA-SANTOS, CASTILHO, 2014).
O processo bioquímico de fermentação láctica de acordo com Oliveira (2009) é realizada por meio de bactérias lácticas como o Lactobacilus delbrueckii, bulgaricus, pentosus, casei, leichmannii, Streptococcus lactis, entre outros. Para Martins, Veiga-Santos, Castilho (2014) os micro-organismos necessitam de energia para sobrevivência e manutenção de seu metabolismo. Entretanto, as bactérias fermentadoras utilizam a lactose, que é o açúcar presente em maior quantidade no leite se constituindo fonte de energia.
Para que os alunos compreendessem a relação da prática tradicional e os conteúdos de química estudados em sala de aula, foi necessário mostrar que a lactose não é usada diretamente no processo fermentativo pelas bactérias lácticas (Lactobacilos delbrueckii, bulgaricus, pentosus, casei, leichmannii, Streptococcus lactis). A lactose precisa primeiramente ser quebrada por enzimas produzidas por essas bactérias. Essas enzimas são conhecidas como lactases, elas quebram a lactose, que é um conjunto de dois açúcares unidos por ligações químicas, em açúcares simples, a glicose e a galactose (Figura 2).
A primeira etapa da oficina temática (Figura 1) possibilitou mostrar aos alunos o processo de fermentação natural do leite. Nesse processo a lactose (açúcar do leite) é transformada em ácido láctico e caseína, que se separa pela ação da temperatura (38°C aproximadamente). Trata-se de um processo anaeróbico, de baixo rendimento energético e sem liberação de CO2. Foi dito aos alunos que no processo de fermentação as bactérias do gênero lactobacillus são comumente empregadas na fabricação de coalhadas, iogurtes e queijos. O acúmulo de ácido láctico no leite torna-o “azedo”, indicando uma redução do pH. Esse fato provoca a precipitação das proteínas do leite, formando a coalhada (caseína). As proteínas do leite assumem consistência gelatinosa em meio ácido e se separam do soro. Foi ressaltado que no soro da coalhada estão presentes além do ácido lático outras substâncias como as proteínas (albumina) os minerais e lipídios.
Conclusões
As oficinas mostraram que a utilização de temas relacionados com o cotidianos dos alunos como a “produção de queijo” segundo Rêgo (2006), pode ser uma forma de sistematizar os conhecimentos disciplinares vinculando-os a uma situação real que passa a ser o ponto de partida para que aconteçam os diálogos. Portanto, acreditamos que esta prática tradicional pode se constituir um excelente instrumento didático, pois possibilitou não apenas a contextualização de conteúdos disciplinares, mas, sobretudo permitiu o diálogo entres os saberes acadêmicos, escolares e tradicionais como bem mostrou este trabalho de Estágio Supervisionado – Trabalho de Conclusão de Curso.
Agradecimentos
Aos gestores e alunos das Escolas Estaduais Brandão de Amorim; Coordenação do Curso de Química CESP/UEA
Referências
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BRASIL. PARECER CNE/CP 28/2001 - HOMOLOGADO. Despacho do Ministro em 17/1/2002, publicado no Diário Oficial da União de 18/1/2002, Seção 1, p. 31.
CASTRO, M. A. C. D. Abrindo espaço no cotidiano para o estágio Supervisionado – uma questão do olhar e da relação – na formação inicial e em serviço. Tese (Doutorado). 230. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC - SP, 2000.
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