Autores

Silva, M.G.V. (PGQUIM/ENCIMA/DQAFQ/UFC) ; Lopes Fernandes, M.F. (DQAFQ/UFC) ; Marques, S.P.D. (PGQUIM/DQOI/UFC)

Resumo

O processo de ensino aprendizagem baseado na competição e com abordagens pautadas na transferência mecânica e memorização dos conteúdos, leva ao desinteresse ou mesmo rejeição por parte dos estudantes em diversas áreas do conhecimento. A aprendizagem cooperativa (AC) se apresenta como uma estratégia alternativa onde os educandos se constituem como atores principais do seu processo de aprendizagem, propiciando uma aprendizagem significativa (AS). Neste trabalho o método Jig Saw (JS) foi aplicado na disciplina de Química Analítica, para alunos do Curso de Engenharia Química da Universidade Federal do Ceará. O instrumento avaliativo utilizado revelou um aumento de 17,4% no rendimento da turma que utilizou a técnica de AC, além de melhoria na interação pessoal e ambiência.

Palavras chaves

Aprendizagem cooperativa; Jig Saw; Ensino em Química

Introdução

O ambiente extremamente competitivo vivido pela sociedade atual se reflete nos processos de ensino aprendizagem baseados na competição e com abordagens pautadas na transferência mecânica e memorização dos conteúdos. Esse foco na competitividade, apesar de ainda muito utilizado, está na contramão do mercado de trabalho que aponta para a necessidade de formar profissionais com competência para o desenvolvimento de trabalhos em equipe. Estas abordagens baseadas prioritariamente na exposição e tendo a competitividade como fator motivador, consideram capazes aqueles que conseguem maior acúmulo de conteúdos e têm o professor como a figura central do processo de ensino aprendizagem. Dessa forma cria-se uma relação vertical e autoritária, portanto assimétrica, do processo pedagógico o que não contribui para a formação de pessoas mais cooperativas e libertárias (FREIRE, 2004). Ao mesmo tempo em que se revelam as limitações dos métodos tradicionais de ensino, diversos estudos vêm sendo produzidos no intuito de desenvolver estratégias pedagógicas onde os educandos se constituam como atores principais do seu processo de aprendizagem, propiciando o desenvolvimento da sua autonomia, além de maior eficiência no aprendizado conceitual e aplicabilidade nos desafios cotidianos considerando sua subjetividade. Segundo Moreira, 2002, para aprender significativamente, é necessário que o estudante tenha motivação e deseje dar significado ao conhecimento. Quando a aprendizagem enfatiza e apoia os estudantes que se envolvem nas atividades de construção do conhecimento, o resultado é a aprendizagem significativa. No que se refere ao ensino de química, grandes desafios são apontados, pois dificuldades de aprendizagem são relatadas e comprovadas pelo baixo rendimento em suas várias sub-áreas, inclusive Química Analítica que estuda as técnicas qualitativas e quantitativas de análise de amostras em geral. Estas dificuldades se expressam de forma mais nítida, configurando em muitos casos, desinteresse ou mesmo rejeição acerca dos conceitos que englobam esta área (PINHEIRO et al., 2010; UEHARA, 2005). O objetivo deste trabalho foi utilizar estratégias de ensino-aprendizagem que favoreçam a compreensão dos estudantes acerca da importância da química, notadamente química analítica, e sua aplicabilidade no cotidiano que possam favorecer o processo de aprendizagem significativa(BARBOSA; LOPES; SANTOS, 2009; FATARELI et al., 2010). Adicionalmente, buscou-se a superação das dificuldades de aprendizagem dos alunos, não só no estudo de Química como em qualquer outro conteúdo, utilizando técnicas de aprendizagem cooperativa (AC). A aprendizagem cooperativa (AC) pressupõe o aprendizado a partir de grupos constituídos segundo (Johnson e Johnson, 1982). Os integrantes trabalham em conjunto e com objetivos específicos para executar uma atividade ou uma determinada tarefa. Quatro técnicas distintas de AC são empregadas na elaboração dos instrumentos pedagógicos: JigSaw (JS), Método dos Pares (MP), Fila Cooperativa (FC) e Teste Cooperativo (TC) adaptados a partir de diversas referências estudadas (LOPES; SANTOS,2009; FATARELI et al., 2010). A escolha da técnica a ser utilizada se faz com referência no estudo bibliográfico e análise daquela que mais se adequa à temática e ao contexto. Aronson e colaboradores (1978) desenvolveram um método de ensino que dialoga diretamente com os elementos da AC, denominado Jig Saw (JS) ou quebra cabeças sistematizado, com processos específicos e particularmente voltados ao desenvolvimento de competências cognitivas.

Material e métodos

O percurso metodológico utilizado neste trabalho iniciou com a seleção do conteúdo a ser abordado (análise quantitativa complexométrica) que foi particionado em quatro tópicos: 1-Complexos e equilíbrio de complexação; 2- EDTA; 3-Indicadores metalocrômicos e titulação direta com EDTA; 4- Titulação com EDTA (de retorno e substituição). Em seguida, foram produzidos os instrumentos pedagógicos contendo os elementos fundamentais desta abordagem (materiais didáticos contendo informações teóricas e exercícios) a serem aplicados durante o desenvolvimento do trabalho. O conteúdo então, foi ministrado para as duas turmas em uma aula expositiva de 60 minutos seguindo-se a aplicação da primeira avaliação, ao final da qual as turmas foram separadas (A e B). A AC foi apresentada a turma A,seguindo-se as etapas descritas na figura 1. Em seguida a mesma foi dividida em grupos de 4, com cada integrante se apresentando e recebendo o material didático referente a um tópico que continha informações teóricas e exercícios. O Método JigSaw consiste em fragmentar um tema principal em tópicos (figura 1). Os educandos são inicialmente organizados em grupos nos quais cada um recebe um dos tópicos previamente preparados e faz a leitura individual. Após a leitura o educando segue para outro grupo denominado grupo de peritos, constituído de educandos com o mesmo tópico. O objetivo deste grupo é aprofundar a discussão sobre este tópico. Posteriormente, cada participante retorna ao grupo base onde compartilha seu aprendizado, de forma que todos possam aprender acerca de todos os tópicos. Ao final, realiza-se uma avaliação escrita individual, a partir da qual objetiva-se estimar objetiva-se obter o critério de sucesso da atividade. Foram necessárias mais duas aulas de 100 minutos para finalizar o procedimento. Na turma B foi mantida a utilização de metodologia tradicional para trabalhar o conteúdo selecionado. Ao final do processo, as duas turmas foram reunidas e foi aplicada uma segunda avaliação.

Resultado e discussão

A construção da aprendizagem e do conhecimento pode ser ancorada na exploração de habilidades dos estudantes reunidos em equipes, considerando as contribuições de cada membro. Experiências próprias, autênticas que envolvem troca de conhecimentos entre os estudantes, são componentes fundamentais da aprendizagem significativa. A aprendizagem cooperativa (AC) pressupõe o aprendizado a partir de grupos constituídos segundo (JOHNSON e JOHNSON, 1982). Os integrantes trabalham em conjunto e com objetivos específicos para executar uma atividade ou uma determinada tarefa. AC tem como premissas cinco elementos fundamentais: a interdependência positiva, a responsabilidade individual, a interação promotora (face a face), ênfase no ensino de habilidades sociais e o processamento de grupo (JOHNSON; JOHNSON, 1989). A interdependência positiva é elemento fundamental para que se crie o ambiente de cooperação. Este aspecto é planejado intencionadamente de maneira que todos os membros devam participar para que a tarefa seja completada. A responsabilidade individual implica no fato de que apesar dos indivíduos serem interdependentes, é necessário que cada um seja responsável pela sua parte, para que os próprios estudantes se auto estimulem no processo de elaboração de suas tarefas individuais para depois partilhar de maneira adequada os seus conhecimentos com o grupo, bem como aprender os outros pontos com seus colegas (LOPES; SANTOS, 2009; MENEZES et al. 2007, JOHNSON, 1998). A interação promotora ocorre quando os componentes estimulam uns aos outros a participar na execução das tarefas. Para que os estudantes superem todas as adversidades e conflitos de maneira construtiva gerados na discussão, os mesmos precisam desenvolver as habilidades sociais como saber ouvir, esperar a vez de falar, criticar ideias e não pessoas, ajudar ao outro, entre outras. Estas habilidades são fundamentais para o processo grupal. A apreensão das mesmas, extrapolam o processo de sala de aula possibilitando a formação de indivíduos mais críticos, ativos e engajados com a sociedade (FREIRE, 2004). O quinto elemento da aprendizagem cooperativa é um dos mais importantes: o processamento de grupo. Ao final de todo o processo o grupo deve se reunir para discutir o que aconteceu de positivo, negativo e propor ideias para maximizar o aprendizado. (JOHNSON & JOHNSON, 1989). Dentre as quatro técnicas distintas de AC, empregou-se neste trabalho, o método Jig Saw (JS), pois a literatura revela que este método é um dos mais utilizados, pois propicia a produção de um conhecimento mais aprimorado(LEITE et al., 2013; BUHR et al. 2014). Apesar do método cooperativo de aprendizagem jigsaw ser bastante utilizado, sua aplicação para estudos com química ainda é recente e existem poucos trabalhos publicados na literatura. (BARBOSA; JÓFILIS, 2004; FATARELLI et al., 2010; MARQUES et al., 2016). Os resultados das avaliações escritas individuais estão apresentados no gráfico 1, considerando os percentuais de acerto das avaliações individuais em relação ao número de alunos. O instrumento avaliativo utilizado revelou um aumento de 17,4% no rendimento da turma A que utilizou a técnica de AC,quando comparado com os resultados da avaliação inicial, com 34,8% dos alunos obtendo nota igual ou acima de 9,0. Por outro lado, a turma B em que a metodologia tradicional foi aplicada (aula expositiva), o rendimento foi de apenas 6,3%. Somando-se ao resultado das avaliações escritas, os alunos da turma A se posicionaram livremente ao serem indagados, apontando os seguintes fatores como positivos na aplicação da técnica. 1-Melhoria da relação interpessoal (apesar de quase todos se conhecerem, muitos nunca tinham conversado sobre questões pessoais). Durante a apresentação, foi solicitado que cada um falasse sobre si (gostos, hobbies, desejos) ao colega do lado; 2-Ouvir o outro (depois de falar sobre si ao colega do lado, no final, este falaria com todos da turma sobre o que havia lhe contado); 3-Explicar o conteúdo aos colegas e ficar satisfeito de ter sido compreendido; 4-Confirmação do aprendizado (após estudar seu tópico, cada estudante ia para a outra equipe onde todos tinham estudado o mesmo tópico e confirmavam ou não o aprendizado). 5-Trabalhar em equipe (o aprendizado de cada um dependia do aprendizado do outro). Após análise dos dados obtidos, assim como das percepções comunicadas dos estudantes, a aprendizagem cooperativa (AC) como uma estratégia alternativa, foi positiva no processo ensino aprendizagem do conteúdo abordado e na construção de aprendizagem significativa.

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Figura 1. Representação esquemática Método JigSaw. Fonte: Adaptado de Fatarelli, 2010.

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Gráfico 1-Percentuais de acerto das avaliações individuais (%):(a) método JigSaw; (b) somente aulas expositivas.

Conclusões

Um desafio permanente do educador refere-se a possibilidade de motivar os educandos. Dessa forma existe a responsabilidade de elaborar estratégias que possibilitem esse estímulo e, nesta perspectiva o educador encontra amparo em abordagens que referendam a importância do desenvolvimento de competências sociais para interação, especialmente, com os colegas e elencam habilidades requeridas como a escuta, aguardar o momento oportuno de falar, a capacidade de promover e compartilhar ideias, a disposição para ajudar ao outro no sentido da formação de indivíduos críticos, ativos e engajados com a sociedade, habilidades estas também referenciadas pela pedagogia freireana. No que diz respeito a essas questões, os educandos apontam a capacidade de cooperação, de convivência, de superação da timidez, de aprender a lidar com as dificuldades dos outros, como habilidades necessárias à sua atuação na sociedade. Diante do exposto, percebe-se que para os estudantes, a AC foi uma estratégia pedagógica relevante para o desenvolvimento de habilidades sociais com repercussão para além da sala de aula e para promover uma aprendizagem significativa, inclusive na área da Química.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq e CAPES.

Referências

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