Autores

Locatelli, S.W. (UFABC) ; Arroio, A. (USP)

Resumo

É importante considerar estratégias de ensino que considerem etapas metacognitivas, que possibilitem ao estudante a reconstrução de ideias. O objetivo desse trabalho foi pesquisar a percepção dos estudantes quanto a repensar imagens feitas por eles, utilizando-se uma estratégia metavisual com 32 alunos do ensino médio (idades entre 16 e 17 anos) para aprendizagem de conceitos iniciais em eletroquímica, utlizando-se uma sequência de ensino- aprendizagem no estudo de duas interações eletroquímicas. Os resultados sinalizaram que a utilização de imagens pareceu favorecer o aprendizado, na percepção dos alunos. Entretanto, nem sempre eles conseguem compreender adequadamente os conceitos científicos que a imagem fornece, sendo necessária a mediação pelo professor nessa condução.

Palavras chaves

ELETROQUÍMICA; IMAGEM; METACOGNIÇÃO

Introdução

O trabalho apresentado aqui é parte de uma extensa investigação sobre os fatores que impactam na reconstrução de ideias ao se considerar a utilização de imagens nesse processo. Para uma melhor compreensão dos fenômenos químicos, é importante que o aluno possa transitar nos três níveis representacionais: macroscópico, submicroscópico e representacional (JOHNSTONE, 1993). O representacional também é denominado de simbólico por alguns autores (GILBERT; TREAGUST, 2009). Nesse presente trabalho, o foco foi na análise da representação submicro, em que, por meio de um desenho, os alunos tinham que propor uma hipótese explicativa dos fenômenos eletroquímicos observados, considerando esse nível representativo. De acordo com Zhang e Linn (2011) desenhar é uma ótima forma de ajudá-los a interpretar visualizações complexas e possibilitar a integração das informações. Após a elaboração dos desenhos, uma imagem foi apresentada a eles, com uma possível representação para o fenômeno que se aproximasse do conceito científico. A intenção era de que os alunos pudessem repensar sobre sua visualização (desenho elaborado), que é um status metacognitivo, mais especificamente metavisual, já que envolve visualização. De acordo com Flavell (1976) a metacognição envolve, entre outros aspectos, ao monitoramento e regulação dos processos cognitivos. Particularmente, a metavisualização refere-se a uma habilidade metavisual, em que o aluno irá monitorar e autorregular suas representações internas, auxiliando-o a aprender ciências (LOCATELLI; ARROIO; FERREIRA, 2010). Dessa forma, essa estratégia metavisual, de comparar os desenhos, poderia possibilitar a regulação das ideias prévias trazidas pelos alunos, com o objetivo de que eles conseguissem propor explicações adequadas para as duas reações químicas que eles observaram: entre ferro sólido e solução aquosa de sulfato de cobre (II) e entre ferro sólido e solução aquosa de ácido sulfúrico. Assim, aqui procurou-se respostas para a seguinte questão: Na percepção dos alunos, o repensar sobre as imagens (metavisualizar) pode contribuir para a reconstrução de suas hipóteses no aprendizado de eletroquímica?

Material e métodos

Para a aprendizagem de conceitos iniciais em eletroquímica, uma sequência de ensino-aprendizagem foi proposta a 32 alunos, organizados em 16 duplas. Os alunos tinham idades entre 16 e 17 anos e cursavam o terceiro ano do Ensino Médio em uma escola particular da grande São Paulo. Eles foram convidados e participaram voluntariamente da referida pesquisa. A sequência de ensino- aprendizagem consistiu em estudar duas interações eletroquímicas, uma de cada vez, a fim de possibilitar a regulação dos conceitos pelos alunos. As reações químicas pesquisadas foram entre ferro metálico e solução aquosa de sulfato de cobre (II) e entre ferro metálico e solução aquosa de ácido sulfúrico, nessa ordem. Os alunos assistiram a um vídeo com essas interações e tinham que propor uma equação química para cada fenômeno (simbólico) e um modelo de bolinhas com as representações das partículas (submicro). Eles foram filmados desenvolvendo a atividade, que teve duração de 100 minutos aproximadamente, e as falas transcritas para posterior análise. Também foram recolhidos os desenhos elaborados por eles para tentarem propor modelos explicativos para duas interações eletroquímicas, nos níveis simbólico e submicro. Para fechar a coleta de dados, os grupos foram entrevistados pela pesquisadora sobre vários aspectos da investigação. Dessa forma, os dados foram triangulados e procedeu-se a análise pelo conteúdo.

Resultado e discussão

Dos 16 grupos pesquisados, 15 deles consideraram a comparação com a imagem apresentada, um fator favorável para a aprendizagem deles, o que corresponde a 94% dos alunos. Na entrevista feita com os grupos, eles sinalizaram a importância da utilização das imagens, como pode ser exemplificado nos trechos a seguir, com relação aos grupos 15 e 16, quando a pesquisadora (P) perguntou a eles sobre o que poderia tê-los ajudado na reconstrução de ideias. Aluno B15: "Para mim, o bom foi ir fazendo em etapas a atividade e desenhar...desenhar me ajudou muiiiito...entendeu? As etapas, fez e viu a correção, então já tinha uma noção para a próxima...um parâmetro de correção, para dar mais segurança..." Aluno A15: "Acho que sim...porque o primeiro você só dá para a gente e a gente não sabe por onde começa...aqui a gente já sabe mais ou menos por onde começar...o que fazer..." Aluno B15: "É isso!" Aluno B16: "É...vendo a imagem, pois daí deu para ver como era o certo e comparar com o que a gente tinha pensado e viu que tinha conceitos certos e errados." P: "Certo e por isso que vocês foram melhor no segundo..." Aluno A16: "É! Porque a gente tinha uma ideia no primeiro só que não sabia fazer direito, representar...depois ficou mais fácil, porque tinha um modelo para seguir, não partia do zero." Aluno B16: "É isso mesmo!" Esses trechos podem indicar que os alunos conseguiram, ainda que em parte, se autorregularem com a ajuda da comparação com a imagem fornecida a eles. Especificamente, esses grupos conseguiram reconstruir tanto a representação do simbólico quanto do submicro. Dessa forma, a utilização da imagem para comparação (citado por 94% dos alunos e exemplificado pelos 2 grupos acima) parece ter sido bastante favorável à reconstrução das ideias para muitos alunos, que está de acordo com Zhang e Linn (2011) que trazem a ideia de que o uso de visualizações auxilia a aprendizagem em química, já que ela integra o raciocínio entre as representações e a linguagem escrita. Pensar sobre essas visualizações, são as etapas metavisuais que podem favorecer o aprendizado (LOCATELLI; ARROIO, 2014), já que isso pode auxiliar na reconstrução dos modelos que vão sendo construídos à medida que a sequência didática prossegue, já que os alunos estudaram dois experimentos, sendo um de cada vez. Entretanto pode haver uma dificuldade nessa real compreensão, se tornando um obstáculo (CHITTLEBOROUGH; TREAGUST, 2008; MOREIRA; ARROIO, 2012), já que alguns alunos podem não conseguir ver diferenças entre o seu desenho e o que foi apresentado (CHENG; GILBERT, 2009), não conseguindo reconstruir, haja visto que 15 grupos (94%) apontam como favorável, mas somente 4/16 dos grupos (25%) conseguiram reconstruir adequadamente o modelo explicativo para a representação submicroscópica, indicando que pode haver algum problema na interpretação dela e ainda outros fatores envolvidos, que está de acordo com o que Zhang e Linn (2011) dizem que a visualização pode não ser clara e tampouco autoexplicativa aos alunos. Outro aspecto é que os alunos podem ter sua atenção focalizada em aspectos superficiais ao comparar as imagens e não nos conceitos relevantes da química (COOK; WIEBE; CARTER, 2008). Com relação à interpretação da 1.a imagem (referente à interação química entre o ferro sólido e solução aquosa de sulfato de cobre), em que havia a representação de átomos de ferro e átomos de cobre depositados em cima, muitos alunos interpretaram como se talvez fosse uma liga, uma nova substância formada, parecendo terem ficado na dúvida, como pode ser exemplificado no trecho da conversa do grupo 5, no momento em que estão repensando suas ideias. Aluno A5: "Mas olha ali o desenho, o ferro junta com o cobre sim..." Aluno B5: "E agora A5, junta ou não junta?" Aluno A5: "Não sei, fiquei na dúvida..." Os alunos do grupo 11 também ficaram confusos e parecem concluir que os átomos de ferro se uniram aos de cobre, como pode ser exemplificado nas falas deles. Aluno B11: "Mas na situação final ele está junto com o ferro. Tem um pouco de espaço, mas ainda está bem grudado." Aluno A11: "Sim, está bem grudado." Essa dificuldade, exemplificada acima, foi identificada em 6 grupos (38% dos alunos) e, possivelmente, isso tenha contribuído para eles não conseguirem reconstruir suas ideias, que está de acordo com Bucat e Mocerino (2009) que trazem essa dificuldade demonstrada pelos estudantes. Apesar disso, Zhang e Linn (2011) sinalizam que a utilização dos desenhos pode ajudar especialmente aos alunos que têm ideias prévias parcialmente corretas. Dessa forma, a comparação com a imagem apresentada, pode favorecer o monitoramento e a regulação (FLAVELL, 1976), mais especificamente com relação às figuras, pode monitorar e regular as representações internas e externas (GILBERT, 2005), possibilitando aprender com o próprio erro (apontado por 14 dos grupos, 88% dos alunos), na medida que há a possibilidade de interagir com ele, redirecionando o aprendizado. Vale salientar o papel mediador do professor como fundamental na condução desse processo.

Conclusões

A utilização de imagens para comparação (a metavisualização) mostrou-se eficiente em possibilitar a reconstrução das ideias, sendo reconhecida por quase todos eles. Mesmo assim, alguns alunos podem ter algum problema na sua interpretação, pois nem sempre eles atribuem os mesmos significados que os educadores dessa área, assim deve-se ter em mente que as interpretações, que os alunos assumem, podem ser diferentes do que se deseja, podendo se constituir em um obstáculo para a aprendizagem. Então é importante a utilização da estratégia com a mediação do professor, já que nem todos os alunos conseguem se autorregular sem auxílio direto, pela dificuldade em conectar com suas ideias prévias, falta de compreensão em química, habilidades metavisuais ou outros fatores.

Agradecimentos

Aos 32 alunos que participaram da pesquisa.

Referências

BUCAT B.; MOCERINO M. Learning at the sub-micro level: structural representations. In: GILBERT, J.K.; TREAGUST, D.F. (Eds). Multiple representations in Chemical Education, v.4, p.11-29, 2009.

CHENG, M.; GILBERT, J.K. Towards a better utilization of diagrams in research into the use of representative levels in chemical education. In: GILBERT, J.K.; TREAGUST, D.F. (Eds). Multiple representations in Chemical Education, v.4, p. 55-73, 2009.

CHITTLEBOROUGH, G.; TREAGUST, D. Correct interpretation of chemical diagrams requires transforming from one level of representation to another. Research Science Educational, v.38, p.463-482, 2008.

COOK, M., WIEBE, E. N., CARTER, G. The influence of prior knowledge on viewing and interpreting graphics with macroscopic and molecular representations. Science Education, v.92, No.5, 848–867, 2008.

FLAVELL, J. H. Metacognitive aspects of problem solving. In RESNICK, L.B. (Orgs), The nature of intelligence. Hillsdale, N.Y., Erlbaum, p.231-235, 1976.

GILBERT, J. K. Visualization: A metacognitive skill in science and science education. In GILBERT, J.K. (Ed.), Visualization in science education. The Netherlands: Springer, p. 9-27, 2005.

GILBERT, J.K.; TREAGUST, D.F. Introduction: macro, submicro and symbolic representations and the relationship between them: key models in chemical education. In: GILBERT, J.K.; TREAGUST, D.F. (Eds). Multiple representations in Chemical Education, v.4, p. 1-8, 2009.

JOHNSTONE, A. H. The development of chemistry teaching: a changing response to a changing demand. Journal of Chemical Education, v.70, n.9, p.701-705, 1993.

LOCATELLI, S.; ARROIO, A. Metavisual strategy assisting the learning of initial concepts of electrochemistry. Natural Science Education, v.39, n.1, p.14-24, 2014.

LOCATELLI, S.; FERREIRA, C; ARROIO, A. Metavisualization: an important skill in the learnig chemistry. Problems of Education in the 21 st Century, v.24, p.75-83, 2010.

MOREIRA, M.F.; ARROIO, A. The complexity of representations in the chemistry teaching: an experience for atomic model. Natural Science Education, v.34, n.2, 2012.

ZHANG Z.H; LINN M.C. Can generating representations enhance learning with dynamic visualizations? Journal of Research in Science Teaching, v.48, n.10, p.1177–1198, 2011.