Autores

Régis Campos Silva, R. (CEFET-MG) ; ângelo Coutinho, F. (UFMG) ; da Costa Lima, A. (CEFET-MG)

Resumo

Neste trabalho, tentamos aplicar as teorias de Bruno Latour, baseado em seus livros Ciência em Ação: Como Seguir Cientistas e Engenheiros Sociedade Afora e A Vida de Laboratório: A Produção dos Fatos Científicos, para tentar desvendar e abrir as caixas-pretas do “universo” dos cientistas, de forma a encontrar controvérsias e incertezas da prática científica, verificando se os cientistas realmente entendiam as expressões por ele utilizadas em resumos de congresso. A maneira comumente utilizada pelos cientistas na comunicação científica, torna-se, segundo Latour, uma caixa-preta para aqueles que não são iniciados no meio. Compartilhamos o desejo de Latour de abrir a caixa-preta criada, para que muitos possam olhar. Estudar a Ciência em construção, com todas suas incertezas.

Palavras chaves

Discurso Científico; Controvérsias e Incerteza; Bruno Latour

Introdução

A maneira comumente utilizada na comunicação científica, encontrada nos artigos científicos, torna-se uma caixa-preta para aqueles que não são iniciados no meio. Por caixa-preta, podemos retirar a definição do livro Ciência em Ação: "A expressão caixa-preta é usada em cibernética sempre que uma máquina ou um conjunto de comandos se revela complexo demais. Em seu lugar, é desenhada uma caixinha preta, a respeito da qual não é preciso saber nada, senão o que nela entra e o que dela sai." (LATOUR, 2000, p.14). Compartilhamo o desejo de Latour de abrir a caixa-preta criada, quando o mesmo escreve: “Afora as pessoas que fazem ciência, que a estudam, que a defendem ou que se submetem a ela, felizmente existem algumas outras, com formação científica ou não, que abrem as caixas-pretas para que os leigos possam dar uma olhadela.” (LATOUR, 2000, p.34). A figura do personagem observador do livro A Vida de Laboratório: A Produção dos Fatos Científicos, que se insere em um laboratório de pesquisa e tenta desconstruir a verdade exata dos fatos científicos nos inspirou a desenvolver este trabalho, que visa corroborar com a etnografia utilizada por Latour em seu livro, onde o autor critica a ausência de contradição no discurso científico: "[...] cumpre estudar a ciência atual, a que esta sendo feita, em meio a toda a controvérsia, de modo a sair definitivamente do conforto intelectual dos historiadores que estão sempre chegando atrasados. Em lugar de estudar as ciências "sancionadas", cabe estudar as ciências abertas e incertas."(LATOUR; WOOLGAR, 1997, p.21).

Material e métodos

Foram realizadas pesquisas nos arquivos on-line de congressos de química, nas áreas de química inorgânica e química de materiais, a fim de encontrar resumos que utilizavam o íon európio (III) como palavra chave. Essa área de conhecimento, foi utilizada por um dos autores deste trabalho em seu mestrado, aplicando os espectros de emissão deste íon para elucidação estrutural. Durante este período, foi constatado o grande número de jargões utilizados pelos pesquisadores da área, que se tornam caixas-pretas para a grande maioria de pesquisadores das outras áreas da química. Identificados os trabalhos, foram enviados e-mails para os autores, para que os mesmos pudessem responder alguns questionamentos sobre expressões utilizadas por eles nos seus resumos. Os questionamentos enviados para os autores tinham a intenção de verificar se os mesmos conseguiam explicar alguns jargões muito utilizados na sua área de pesquisa. Como referencial teórico, nos baseamos nas teorias de Bruno Latour, sociólogo da Ciência que entre os seus objetos de estudo, analisa a atividade científica através de uma etnografia no interior dos laboratórios de pesquisa. Esta etnografia é muito bem representada em seu livro A Vida de Laboratório: A Produção dos Fatos Científicos, onde o próprio Latour se instala como observador em um laboratório, e analisa toda a linguagem utilizada pelos cientistas, antes de ser editada e publicada.

Resultado e discussão

Na tabela 1, alguns questionamentos que foram enviados aos pesquisadores e suas respectivas respostas. Podemos observar que existem algumas expressões comumente encontradas na comunicação científica que são tidas como adquiridas e não precisam de explicação, os chamados jargões. Estas expressões são comentados por Latour da seguinte maneira, quando o mesmo se insere como observador em um laboratório de pesquisa: "[ ]...Nosso observador notou que, precisamente porque eram tomados como adquiridos, esses enunciados nunca surgiam nas discussões entre os membros do laboratório, exceto quando os novatos pediam que se explicasse de onde eles tinham saído". (LATOUR; WOLGAR, 1997, p.77) Assim, notamos que esses jargões, apesar de muito utilizados, não foram devidamente explicados nas respostas dos pesquisadores que analisamos. Com as respostas dos pesquisadores, podemos observar como os mesmos se baseiam em outros artigos. Latour discute esta influência no seguinte trecho do livro: "[ ]...os artigos de revista cobrem a mesa de um dos "doutores" da seção A; distingue-se à esquerda um número aberto da Science, e, à direita, um esquema que não passa de um resumo dos dados empilhados mais adiante, também à direita. É como se dois tipos de literatura estivessem justapostos: publicações externas ao laboratório e documentos produzidos no interior do laboratório."(LATOUR; WOOLGAR, 1997, p.40) O contato dos pesquisadores com cópias de outros textos é enorme,pois para Latour, a ciência se faz não só pelo que se descobre, mas também pelo que se escreve. De tanto repetir, as expressões se tornam verdades que não necessitam de questionamentos. Não há tempo ou interesse em tentar explicá- las.

Tabela 1

Questionamentos e respostas dos pesquisadores

Conclusões

Por que os cientistas utilizam tantos jargões, sem a devida compreensão dos seus significados e conceitos? Talvez a imposição de escrever artigos e resumos em linguagem científica acabe por levá-lo a usar o recurso de copiar as expressões utilizadas na área. Pela visão de Latour, a ciência se faz não só pelo que se descobre, mas também pelo que se escreve. Mas incomoda-nos a linguagem esotérica utilizada na maioria dos textos científicos, o que nos faz distanciarmos da Ciência, que se torna uma caixa-preta para muitos.

Agradecimentos

Aos pesquisadores, que perderam algum tempo de suas pesquisas para responder aos nossos questionamentos.

Referências

LATOUR, B. Ciência em Ação: Como Seguir Cientistas e Engenheiros Sociedade Afora. São Paulo, Editora UNESP, 2000.

LATOUR, B. e WOOLGAR, S. A vida de laboratório; a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1997.