Autores
Brito, C.A. (IFRJ-NILÓPOLIS) ; Cavalcante, M.P. (IFRJ-NILÓPOLIS) ; Messeder, J.C. (IFRJ-NILÓPOLIS)
Resumo
Neste trabalho foi feito um levantamento bibliográfico na revista Química Nova na Escola, sobre as publicações referentes ao tema de funções orgânicas, no período de 2005-2015. Buscou-se contabilizar os artigos com esta temática, com frequências de: categoria profissional dos autores, seção de publicação da revista, estratégias de ensino e temas geradores utilizados para a contextualização do tema. Foram encontrados 22 artigos, onde em sua maioria foram publicados na seção Relatos de Caso. Os resultados indicam que o tema é de interesse dos pesquisadores, que vêm propondo estratégias e temas geradores para um ensino mais contextualizado e significativo das funções orgânicas.
Palavras chaves
Funções orgânicas; Química Nova na Escola; Estratégias de Ensino
Introdução
O ensino de Química Orgânica tem sido um dos grandes problemas da educação em química, ao menos no Brasil, por motivos que tangem em apresentar um conteúdo desvinculado com os demais e ter apenas o foco na classificação e nomenclatura de compostos orgânicos. Estudos apontam que o que falta na abordagem dos conteúdos da Química Orgânica são momentos de reflexão sobre aspectos mais relevantes para a cidadania, uma vez que ensinar regras é mais fácil do que ensinar os reais conceitos. Zanon, Guerreiro e Oliveira (2008) corroboram a ideia de um ensino de Química Orgânica ainda muito fragmentado, como observações do tipo: [...] Quando nos referimos ao ensino de Química Orgânica no ensino médio notamos que a prática comumente efetivada em sala de aula consiste na transmissão-recepção de conhecimentos que, muitas vezes, deixa lacunas no processo (p. 73). Normalmente esta disciplina é vista nas escolas somente no terceiro ano do ensino médio, como um campo fragmentado da química apresentada nos dois anos anteriores onde são apresentados os princípios e leis da Química Geral e Físico-Química (MARCONDES et al., 2014). Com isso, a alternativa para essa abordagem descontextualizada e isolada para o ensino de Química Orgânica seria baseada em temas de maior relevância social, possibilitando um melhor ensino-aprendizagem e tendo contribuição direta com a formação da personalidade do sujeito. A esses saberes empíricos que cada aluno trás com sua vivência, pode-se desenvolver um conhecimento químico significativo, de modo que haja a possibilidade de correlação dos processos químicos envolvidos em seu próprio cotidiano. Neste âmbito, os temas geradores vêm como forma de vincular as experiências dos estudantes ao conhecimento teórico adquirido nas aulas de Química, sempre na tentativa de romper com o método tecnicista, sistematizando uma visão de mundo para resolver problemas, dar o incentivo a investigação e oferecer a esse aluno ferramentas que o fazem ter uma postura crítica mediante as informações advindas da sociedade que o cerca. É preciso superar a concepção de que determinada disciplina seja constituída de apenas fórmulas, equações e raciocínios matemáticos que exigem uma memorização. Uma das maneiras de se conseguir romper com essa barreira seria trazer nas aulas temas do cotidiano do alunado, nos quais eles e, bem como toda a comunidade que os cerca, estão inseridos. Essa alternativa torna mais consistente e significativa o aprendizado e se configura em uma melhoria tanto no entendimento quanto na leitura dos fenômenos químicos ensinados ao longo de todo o ensino médio (OLIVEIRA et al., 2011). Das estratégias de ensino é o que difere em cada pesquisa, pois são estudadas diferentes meios que podem ser utilizados pelo docente para a articulação do ensino-aprendizagem, ou seja, cada professor explora alternativas didáticas - pedagógicas mais coerentes à temática que utiliza em suas aulas e ao público de alcance (BRAIBANTE; PAZINATO, 2014). Em relação à análise no que tange as avaliações para o ingresso ao nível superior, o próprio ENEM que hoje é a única forma de acesso para muitas universidades e teve reestruturações metodológicas e teóricas em 2009 com o objetivo de assemelhar sua matriz das proposições das Diretrizes Curriculares do Ensino Médio, ou seja, ter a pretensão em adotar uma abordagem mais interdisciplinar ainda requer alguns avanços, pois segundo Costa, Santos e Silva (2016) apesar do ENEM apresentar o objetivo de buscar a articulação das disciplinas por área de conhecimento, é percebido que muitas questões ainda têm um caráter segregado. Diante desse cenário, é notório que o ensino médio atual tende a ser ainda muito influenciado pelos parâmetros dos vestibulares, principalmente no que diz respeito ao currículo e aos conteúdos que os estudantes devem ter maior entendimento, ou que, pelo menos, devem ter ao longo dos anos do Ensino Médio. Nota-se então que a aprovação dos alunos nas Instituições de Ensino Superior tornou-se prioridade frente ao ensino emancipador que possibilite a formação de cidadãos críticos e atuantes na sociedade (SILVA et al., 2010). Como colocado nas palavras de Júnior e coautores, sobre o ensino de Química Orgânica: [...] o estudo de tal disciplina é, para muitos, tarefa árdua, provavelmente por não verem a relação entre determinado tópico e sua aplicação, isto provoca no aluno desestimulo e a uma antipatia pela disciplina (JÚNIOR et al., 2009) Com essa argumentação, o propósito deste trabalho é apresentar o levantamento bibliográfico feito de artigos da Revista Química Nova na Escola, revista trimestral da Divisão de Ensino de Química da Sociedade Brasileira de Química (DED/SBQ), no período de 2005 a 2015, que tiveram como tema central um dos tópicos do ensino de Química Orgânica que é muito corrente nas salas de aula, o estudo de funções orgânicas.
Material e métodos
Cabe aqui indicar o porquê da escolha da Revista Química Nova na Escola. Pode-se enunciar que a mesma apresenta uma linguagem simples, próxima à encontrada nos materiais didáticos utilizados pelos alunos do ensino médio, e, dessa maneira, torna-se um periódico possível de ser usado com esse público. A disponibilidade gratuita por acesso eletrônico também é um dos aspectos importantes que contribuem para a grande popularidade da revista, uma vez que nos encontramos em um mundo virtual. Além disso, é uma revista que aponta um espaço de discussão tanto para os docentes quanto para seus discentes, por sempre trazer assuntos relacionados ao campo da educação em ciências, assim como a veiculação de propostas pautadas em abordagens de ensino inovadoras. E também, como é colocado por Queiroz e Veras (2015), é uma revista que contempla temáticas comumente abordadas em sala de aula, em distintos níveis de ensino, facilitando ainda mais a possibilidade da contextualização/interdisciplinaridade na práxis docente. Neste trabalho, foi dedicada a análise de artigos da revista Química Nova na Escola, com obras publicadas entre os anos de 2005 e 2015, que abordassem o ensino das funções orgânicas no Ensino Médio. No website da revista Química Nova na Escola (http://qnesc.sbq.org.br/), no campo escrito “digite a palavra- chave...”, foi inserido o termo “Funções Orgânicas”. Isso direcionou a busca para outro website, onde foi filtrada a pesquisa para o intervalo 2005-2015, e então foram selecionados os artigos que ali apareceram. Com o objetivo fazer com que a busca ficasse mais refinada, foram selecionados apenas os artigos que apresentavam uma proposta para o ensino das funções orgânicas. Após essa triagem, restaram 22 trabalhos que posteriormente foram analisados conforme a data de publicação, seção da revista, estratégias de ensino e temas geradores.
Resultado e discussão
Foi possível constatar que no período de estudo há um total de 48 artigos
que abordam o tema geral “Química Orgânica”, e dentre estes, 22 artigos
abordam propostas para o ensino das funções orgânicas, ou seja, um pouco
menos da metade do total de artigos são voltados para o estudo deste tópico,
o que pode ser considerado como um número bem elevado. Isso demonstra a
relevância e a preocupação dos autores em relação à aprendizagem deste
assunto, sendo este uma base para assuntos posteriores. Cruz e Neto (2012),
em um trabalho apresentado no Encontro Nacional de Educação, Ciência e
Tecnologia, realizado na UEPB, fizeram uma análise dos artigos publicados na
revista Química Nova na Escola que tratavam do ensino de Química Orgânica,
no período de 1994 a 2007. Esses autores encontraram 24 artigos, onde 12
deles abordam o tópico de funções orgânicas. O aumento de artigos sobre o
tema, verificado no presente trabalho, pode ser uma conseqüência da mudança
da periodicidade da revista e do crescimento do número de cursos de pós-
graduação da área de Ensino de Ciências. Mortimer e colaboradores (2015)
verificaram que houve um maior número de pós-graduandos que começaram a
divulgar os seus trabalhos de pesquisa na revista. Os artigos da temática de
funções orgânicas também foram sondados quanto à região das publicações e
obteve-se que 46% dos trabalhos são oriundos da Região Sudeste, 27% da
Região Sul, 9% da Região Centro-Oeste, 18% da Região Nordeste e 0% da Região
Norte. Salienta-se que a quantidade total de publicações provenientes da
Região Sul é do Rio Grande do Sul. É importante enfatizar que no trabalho de
Cruz e Neto (2012), sobre a temática de Química Orgânica, também não houve
trabalhos advindos da Região Norte. A presença de alunos de graduação na
autoria dos artigos é considerada relativamente baixa, esperava-se uma maior
participação destes alunos, pois os mesmos participam de projetos de
pesquisa, sejam de iniciação científica ou de iniciação à docência (PIBID).
É interessante a observar a atuação de estudantes do ensino médio em
projetos de pesquisa e também de técnicos de nível superior que geralmente
apenas desenvolvem atividades de pesquisa quando em concomitância com curso
de pós-graduação. Segundo Luckesi (1994, p. 155), as estratégias de ensino
são soluções criativas para que se possa driblar o ensino tradicional e
desinteressante para os alunos, com a finalidade de cativar, motivar e
atrair atenção dos alunos para o aprendizado. Na Tabela 1 estão expostas as
estratégias de ensino identificadas nos trabalhos. A estratégia mais
utilizada por parte dos autores dos trabalhos selecionados é a
experimentação, que quando desenvolvida concomitantemente com a
contextualização pode gerar resultados mais efetivos em relação à
aprendizagem. Trata-se de uma estratégia que desperta o interesse por parte
dos alunos para a aprendizagem (SILVA et al., 2009). Outras estratégias
bastante utilizadas foram a abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS)
e análise de rótulos. A utilização de temas geradores são formas de
contextualizar o conteúdo e assim aproximá-los do conteúdo e fazendo com que
tenha um significado, habilitando-os a refletir sobre o mundo a sua volta de
forma mais crítica e cidadã (OLIVEIRA et al., 2011). Na Tabela 2 são
trazidos os temas geradores utilizados nos trabalhos para a proposta de
ensino de funções orgânicas. Nesse artigo foram explanadas algumas
considerações sobre como o ensino de funções orgânicas foi relacionado com o
uso dos temas geradores identificados nos trabalhos selecionados, a saber:
Pigmentos: foi realizada uma experimentação de cromatografia em papel para a
identificação e separação dos pigmentos presentes em diferentes tipos de
pimentões. Há uma proposta para o ensino das funções orgânicas juntamente
com polaridade e interações intermoleculares. Carboidratos: o estudo propôs
vários experimentos na temática de carboidratos. Há sugestão para trabalhar
o tema funções orgânicas quando realizado o teste de Benedict. Embora os
autores apresentem uma sugestão para a abordagem do tema apenas para este
experimento citado, os outros experimentos apresentados no trabalho também
possibilitam a abordagem. Alimentos: Em um primeiro trabalho foi proposto
análise de rótulos de alimentos, onde foram apresentados os principais
grupos bioquímicos que fazem parte dos alimentos possibilitando a correlação
dessas estruturas com as funções orgânicas previamente estudadas e também
trabalhadas questões relacionadas aos termos light e diet. Outro trabalho
onde foi proposto experimentação sobre processamento de alimentos como
motivação para o estudo das funções orgânicas e química de biomoléculas. Em
um terceiro trabalho, as funções orgânicas foram revisadas por meio de
exercícios que utilizavam alguns componentes dos alimentos e também foi
realizado um experimento de caráter investigativo utilizando os alimentos
para a identificação da presença de alguns nutrientes. Um quarto trabalho
foi proposto um estudo de casos envolvendo o tema “aditivos alimentares”,
onde a função orgânica hidrocarboneto foi abordada. Em um quinto trabalho,
foi proposto análise de rótulos sob a temática aditivos químicos, onde foi
proposto o ensino das funções orgânicas com suas respectivas nomenclaturas e
grupos funcionais. Agrotóxicos: em um primeiro trabalho é proposto o uso do
tema “agrotóxicos”, sob um enfoque CTS, onde há a proposta de uma
articulação entre a história dos agrotóxicos, bem como as conseqüências para
a sociedade e meio ambiente. É sugerido pelos autores que utilize as
estruturas dos principais princípios ativos de alguns agrotóxicos para se
trabalhar as funções orgânicas, nomenclaturas e suas respectivas
toxicidades. O segundo trabalho é conduzido de forma similar ao supracitado,
porém a proposta foi aplicada em turmas de ensino médio e com duração de
aproximadamente três meses. Perfumes: este tema gerador baseou dois estudos,
no primeiro foi utilizado um filme comercial para o desenvolvimento das
atividades, onde foram utilizadas cenas do filme para a identificação das
funções orgânicas presentes nos perfumes. No segundo há uma proposta muito
semelhante, porém utilizando como estratégias as fotonovelas. Agricultura:
Com este tema foi proposto um estudo de caso, onde um agricultor possuía
problemas no cultivo de maçãs. O ensino das funções orgânicas é proposto em
debates acerca do uso de inseticidas, onde serão identificados nos
diferentes tipos de inseticidas organoclorados e organofosforados.
Medicamentos: em um primeiro trabalho, é proposto o ensino das funções
orgânicas por meio de experimentações utilizando medicamentos. A proposta é
voltada a identificação dos grupos funcionais e funções aplicados em Ensino
Superior, porém os autores sugerem a aplicação em ensino médio. Em uma
segunda proposta, foi trabalhada a análise de rótulos de medicamentos. Neste
trabalho o tema funções orgânicas foi conduzido com a montagem das
estruturas dos medicamentos descritos nos rótulos e também foram
introduzidos conceitos acerca das propriedades físicas das substâncias
orgânicas e interações intermoleculares. Cana-de-açúcar: este tema foi
proposto em um projeto interdisciplinar realizado para as áreas da Química e
História. Para química na parte de funções orgânicas há identificação do
álcool por meio de uma reação de Jones, assim como a abordagem das funções
no geral, fórmula molecular e estrutural. Na abordagem histórica foram
tratados os conteúdos de escravidão, trabalho e economia da cana de açúcar e
consumismo. Dentre os artigos analisados, apenas um não possui tema gerador,
pois se trata de uma proposta de um jogo de tabuleiro e baralho, aplicado
com alunos deficientes auditivos, para o ensino das funções orgânicas, bem
como de suas respectivas nomenclaturas.
ESTRATÉGIAS DE ENSINO IDENTIFICADAS NOS ARTIGOS
TEMAS GERADORES UTILIZADOS NOS ARTIGOS
Conclusões
Com este levantamento foi verificado que há um número bastante expressivo de trabalhos direcionados para o ensino das funções orgânicas, sob uma abordagem mais dinâmica e contextualizada. Observou-se que a maior quantidade de artigos publicados na revista provém de instituições da Região Sudeste. Quanto à categoria profissional dos autores, há um quantitativo acentuado de professores da educação básica. Quanto às estratégias para o ensino detectadas nos trabalhos, as mais utilizadas foram a experimentação e a abordagem CTS. Foram identificados diversos temas geradores utilizados para o ensino de funções orgânicas, o que indica que pesquisadores estão estudando formas diferentes de inovadores para atingir o objetivo de um ensino que contribua de maneira mais significativa para a formação de um cidadão em sua plenitude.
Agradecimentos
Referências
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