Autores

Nogueira da Silva, B. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA) ; Marques Magalhães Rubinger, M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA)

Resumo

A Lei de Diretrizes e Bases de 1996 (LDB) definiu que os alunos com necessidades especiais devem ser inseridos nas escolas de ensino regular. Dessa forma os alunos deficientes visuais passaram a se matricular nessas instituições. Porém os professores, principalmente os de Química, encontraram dificuldades em desenvolver e aplicar materiais e metodologias para esses estudantes. Um dos temas de maior dificuldade é o estudo dos gases, que envolve conceitos complexos como as relações entre pressão, temperatura, volume e quantidade de matéria. O Trabalho em questão apresenta uma alternativa de material educativo para alunos cegos que possibilite o ensino das propriedades dos gases e realização de exercícios envolvendo a equação de Clapeyron.

Palavras chaves

ensino para cegos; gases; equação de Clapeyron

Introdução

De acordo com LDB, os alunos com necessidades especiais devem frequentar as escola de ensino regular de maneira que todos os estudantes possam conviver com a diversidade (BRASIL, 1996). A partir desse momento alunos com deficiência visual começaram a frequentar esses ambientes. Porém, esse ingresso não proporcionou necessariamente uma inclusão devido ao despreparo das escolas e professores, e também da falta de materiais didáticos e metodologias que efetivassem a construção do conhecimento de forma inclusiva. A literatura aponta que o principal sentido para a veiculação de informações a serem processadas pelo cérebro é a visão. Dos cinco sentidos, a visão é o que desempenha o papel mais importante para a socialização através da imitação ou da comparação (SILVA, 2008). A área da química apresenta dificuldades peculiares, dado o volume de conceitos abstratos relacionados a transformações que, em grande parte, requerem a percepção visual dos fenômenos em estudo. Assim, a elaboração de recursos que possam ser explorados em sala de aula de forma que a aprendizagem se torne significativa para todos é extremamente importante e urgente (MOL et al, 2011). Com o objetivo de ensinar as propriedades dos gases de forma a contemplar a presença de estudantes cegos na classe, foi preparado um material paradidático envolvendo experimentos com materiais simples como balões de festa. O material e a metodologia proposta foram testados com uma estudante cega que cursa o 2o. ano do ensino médio em uma escola pública de Viçosa-MG.

Material e métodos

Inicialmente foram levantados conhecimentos prévios que a estudante cega trazia a respeito do tema, constatando-se dificuldades com os conceitos de estado físico, gás, mol, pressão, volume, temperatura e proporção. Introduziu-se o conceito de estados físicos da matéria utilizando modelos com miçangas, representando moléculas, coladas em cartolinas com diferentes espaçamentos para diferenciar a intensidade das interações e distâncias intermoleculares nos estados sólido, líquido e gasoso. Os estados sólido e líquido foram exemplificados tatilmente por água líquida e gelo. A presença de vapor de água no ar foi constatada pela condensação de gotas na parte externa de um frasco fechado contendo gelo. Assim também foram discutidas as mudanças de fase das substâncias. O conceito de gás foi ainda demonstrado por deslocamentos de ar (vento) e pela percepção de odores. Depois a estudante encheu dois balões de festa com volumes diferentes de ar para verificar a relação entre número de mols de gás e volume. Ao comprimir um balão (com pouco ar) entre as mãos, pressão e volume foram relacionados. Para entender o conceito de temperatura, água foi aquecida em um béquer e, enquanto foi possível, o aumento da temperatura foi percebido com as mãos, associado à leitura da temperatura feita pelo professor. Para analisar a relação entre a temperatura e o volume, dois balões com o mesmo volume de gás foram colocados um em recipiente contendo gelo e sal e outro sobre a bancada em temperatura ambiente. A relação de proporcionalidade direta ou inversa dessas variáveis foi discutida e representada por meio de equações em Braille. Depois de realizados os experimentos, a aluna calculou o valor da constante universal dos gases chegando à conhecida equação de Clayperon que mostra que PV=nRT.

Resultado e discussão

A aluna cega tinha dificuldades para entender o conceito de gás e suas propriedades e não conseguia resolver exercícios envolvendo a equação de Clapeyron. Ao tatear os modelos com miçangas a aluna percebeu que as substâncias no estado gasoso apresentam moléculas mais separadas, com interações mais fracas, do que nos estados sólido e líquido. A presença de água no ar foi surpreendente para a estudante. Ao encher dois balões com volumes diferentes a estudante percebeu que o balão mais volumoso tinha maior quantidade de moléculas de gás do que o de menor volume, concluindo que o volume é proporcional à quantidade de matéria (V α n). Quando apertou o balão entre as mãos, percebeu que estava exercendo uma pressão sobre ele de forma que o seu volume diminuía. Foi introduzido assim o conceito de grandezas inversamente proporcionais (V α 1/P). No experimento em que foi colocado o balão dentro do recipiente com gelo e sal, ela percebeu que depois de um tempo o volume diminui quando se compara com o balão que permaneceu em temperatura ambiente, concluindo assim que essas propriedades são diretamente proporcionais (V α T). Esses dados foram anotados em Braille. A união dessas relações de proporcionalidade levaram à expressão PV α nT. Para verificar a diferença entre porporcionalidade e igualdade, foram atribuídos valores a P, V, n e T. Em seguida foi introduzido o significado da constante universal dos gases (R) para igualar a relação entre essas variáveis. Calculou-se o valor dessa constante nas CNTP. Todos esses processos da metodologia proposta ocorreram com a mediação do professor e envolveram materiais de baixo custo e experimentos sem riscos que podem ser realizados na própria sala de aula.

Figura 1.

Aluna comparando balões com volumes diferentes.

Conclusões

A estudante cega relatou que entendeu melhor o assunto após realizar essas atividades e que o material elaborado e a metodologia utilizada foram úteis para a sua aprendizagem. Além de facilitar o ensino das propriedades dos gases para estudantes cegos, o mais interessante é que essa proposta pode ser utilizada em uma sala de aula de escola regular, facilitando também a aprendizagem dos alunos videntes. Portanto, a proposta constitui uma metodologia inclusiva que facilita a aprendizagem de um tema considerado abstrato e difícil por alunos do EM.

Agradecimentos

À CAPES-PIBID, ao MEC-PROEXT e à estudante.

Referências

BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96. Brasília: 1996.

MÓL, G.S.; RAPOSO, P.N. e PIRES, R.F.M. Desenvolvimento de estratégias para o ensino de química a alunos com deficiência visual. In: SALLES, S.B.A. e GAUCHE, R. (Orgs.). Educação científica, inclusão social e acessibilidade. Goiânia: Cânone, 2011. p. 127-154.

SILVA, L. C. O Braille e a sua importância na educação dos cegos. In: RIBEIRO, L. B. Ed. Ensino inclusivo para deficientes visuais - guia do professor. Braga: Ed. Cidade Berço, 2008. p. 74-79. Disponível em: <http://dei-s1.dei.uminho.pt/pessoas/ribeiro/midichat/ECB-Ensino_Inclusivo__TIPOGRAFIA.pdf> acesso 09/06/2015