Autores
Zanela, E.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS) ; Soares, M.H.F.B. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS)
Resumo
O momento de avaliação se constitui como um momento tenso e formal. Em alguns casos, não atende alguns dos objetivos básicos de um processo avaliativo, como por exemplo, diagnosticar as dificuldades dos estudantes e construir seu conhecimento. Para compreender e relacionar os objetivos com os resultados obtidos, faremos uma abordagem sobre as três temáticas dessa pesquisa: a avaliação, o lúdico e o jornal. O lúdico configura-se como uma alternativa viável para versatilizar o processo de avaliação, para despertar o interesse dos avaliados, como oportunidade de aproximar professor e estudantes. No processo avaliativo que constituiu-se na construção do jornal, analisamos as categorias MEDIAÇÃO e PERSONIFICAÇÃO, a partir dos resultados da elaboração do jornal por parte dos alunos da escola.
Palavras chaves
Jornal; Avaliação; Lúdicidade
Introdução
Uma boa avaliação, mesmo que seja realizada com uma instrumentação tradicionalista, deve ser mediadora. Para que isso seja possível, a percepção do professor no cotidiano escolar deve ser máxima. Ninguém melhor do que o mediador ( professor) para perceber qual será a melhor instrumentação e de que maneira poderá ser aplicada para contemplar senão todos, a maior parte dos educandos. A avaliação mediadora é sistemática e intuitiva. Ela se constitui no cotidiano da sala de aula...Nem todas as situações de sala de aula ou tarefas realizadas pelo aluno tem por objetivo a verificação de suas aprendizagens, podendo absorver diferentes dimensões avaliativas. O que define tal dimensão são as intenções do educador ao propor a tarefa, bem como sua forma de proceder frente ao que nela observa (Hoffmann, 2008). Atividades mediadoras, se diversificadas, podem contemplar uma sala de aula heterogênea da melhor forma possível. Essa diversificação pode se dar de acordo com a estrutura, com a metodologia, de acordo com o tempo, diferenciando os graus de dificuldade, em realização, de maneira grupal ou individual, em termos de linguagem ou em termos de recursos didáticos. É nesse âmbito, que o lúdico se torna uma proposta interessante. Uma atividade lúdica, além de representar um método diferenciado para avaliação, pode também dar significado a mesma. Atividades como jogos ou brincadeiras, podem ser usados para apresentar obstáculos e desafios a serem vencidos, como forma de fazer com que o indivíduo atue em sua realidade, o que envolve, portanto, o despertar do interesse e a motivação que vem a seguir (Soares, 2008). Ainda de acordo com o autor, o uso de atividades lúdicas desperta o aluno para o conhecimento real e não para interesses artificiais. Na cultura da avaliação, muitas vezes, o interesse político é reproduzido nos estudantes, com objetivos diferentes. Enquanto governantes se interessam por rankings de notas, professores se interessam (e muitas vezes são pressionados para isso) pela aprovação de uma porcentagem considerável de estudantes, esses se interessam pela aprovação, pelas notas obtidas em avaliações de caráter classificatório, ou simplesmente por um “status” perante os colegas. A atividade lúdica pode proporcionar ao estudante a possibilidade de desenvolver uma ou mais habilidades, ser avaliado de uma maneira diferenciada para isso, porém não deixando de lado o conhecimento científico necessário para realizar tal atividade. Uma atividade lúdica é uma atividade de entretenimento, que dá prazer e diverte as pessoas envolvidas. O conceito de atividades lúdicas está relacionado com o brincar, mas isso não tira sua capacidade de avaliar. Existe aqui uma nova proposta de avaliação em Química, apoiando-se no lúdico e seu grande poder exercido sobre os adolescentes, na busca de percepção, concentração, construção e assimilação de saberes. Ao utilizar o lúdico para avaliação, as partes criativa e interacional do estudante são contempladas, considerando-se as características formais do jogo: “...poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como não séria e exterior a vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total”. (Huizinga, 2001). É essa capacidade de absorção que torna interessante a proposta de utilizar uma atividade lúdica para avaliação. É necessário que ao aplicar a atividade lúdica, coexistam o caráter lúdico e o caráter pedagógico dela. No caráter lúdico, serão respeitadas as regras e a intencionalidade de jogar, brincar ou construir algo coletivamente. No caráter pedagógico, serão respeitadas a necessidade de construção de saberes e apreensão do mundo. Soares (2008) adverte que se uma das funções for mais utilizada que a outra, ou seja, se houver um desequilíbrio entre elas, provocaremos duas situações: quando a função lúdica é maior do que a educativa, não temos mais um jogo educativo, mas somente o jogo.Quando temos mais a função educativa do que a lúdica, não temos mais um jogo educativo e sim, um material didático.
Material e métodos
Com base em cada relação de troca entre pesquisador e público alvo, pode-se dizer que o método extremamente condizente com a pesquisa exercida é o método de pesquisa- ação. A pesquisa- ação é descrita por Tripp (2005) como um ciclo, com três etapas, no mínimo: o reconhecimento da situação, a interação participativa e a reflexão. Em cada um desses momentos, releva-se o ambiente pesquisado, o contexto e o público alvo. Especificamente sobre o reconhecimento da situação problema na pesquisa, Tripp (2005) afirma que o reconhecimento é uma análise situacional que produz ampla visão do contexto da pesquisa-ação, práticas atuais, dos participantes e envolvidos. Paralelamente a projetar e implementar a mudança para melhora da prática, o reconhecimento segue exatamente o mesmo ciclo da pesquisa-ação, planejando como monitorar e avaliar a situação atual, fazendo isso e, a seguir, interpretando e avaliando os resultados a fim de planejar uma mudança adequada da prática no primeiro ciclo de pesquisa-ação de melhora. Os estudantes foram encarregados de produzir materiais como por exemplo, reportagens, charges, crônicas e entrevistas sobre temas relacionados à Química. Todo esse material faria parte de um jornal que circularia na escola, denominado JORNAL DAQUÍMICA. O trabalho foi aplicado em duas turmas de alunos. Uma delas trabalhou a temática relacionada à Química da Saúde e a outra, trabalhou sobre o acidente com o Césio 137, ocorrido na cidade de Goiânia, em 1987. Os temas foram selecionados pelas próprias turmas. Após diversas orientações coletivas e individuais, seis reuniões com cada turma, os materiais prévios foram entregues, corrigidos pelo professor e devolvidos aos alunos, para correções e adaptações. Somente após essas etapas, o período de confecção do jornal foi concluído.
Resultado e discussão
A medida que a pesquisa foi avançando, outros encontros foram realizados,
primeiras versões de materiais entregues e orientações foram dadas. Após o
primeiro encontro, com as turmas de 1° e 2° Ano, de caráter expositivo, mais
cinco encontros com cada turma foram realizados. O primeiro caracterizou-se
por debates e esclarecimentos após os estudantes terem pesquisado sobre os
temas selecionados. No segundo encontro, uma nova pesquisa havia sido
realizada, de maneira que os conhecimentos estavam mais sólidos e algumas
ideias surgiram, cumprindo o propósito da avaliação diagnóstica.
Para as duas turmas, adotou-se o padrão de produzir seis páginas de
reportagens, duas destinadas a jogos e passatempos ligados aos temas. Uma
das paginas do jornal do 1°Ano foi dedicada a uma história em quadrinhos,
enquanto que para o 2°Ano, foi realizada uma entrevista com uma vítima do
acidente com o Césio 137. A primeira página corresponde à capa, totalizando
dez páginas de cada jornal. No terceiro encontro, os estudantes levaram
esboços das reportagens, passatempos, entrevistas e história em quadrinhos.
Tudo foi devidamente corrigido pelo professor, cumprindo o propósito da
avaliação mediadora. O quarto encontro foi para explicar as correções aos
alunos e solicitar a devolução dos materiais corrigidos e formatados no
quinto encontro, que teve por finalidade a organização conjunta dos
materiais elaborados.
Assim, a partir dessas discussões, emergiram algumas características do
lúdico e do processo avaliativo cinco categorias de análise surgiram da
pesquisa. Neste trabalho, analisou-se duas delas:
MEDIAÇÃO: Consiste em analisar a principal função do professor/pesquisador
que foi mediar e tentar influenciar de maneira positiva para que os
estudantes realizassem a pesquisa apropriadamente e construíssem o
conhecimento
PERSONIFICAÇÃO: Ao contrário dos outros métodos avaliativos, o lúdico
propicia a personificação em alguns momentos do processo. Tanto pesquisador,
quanto pesquisados puderam demonstrar marcas e características pessoais, que
contribuíram para a pesquisa.
Em uma atividade lúdica, totalmente diferenciada dos processos avaliativos
pelos quais os estudantes estavam acostumados a passar, a mediação do
professor era inevitável. Em várias situações, os estudantes se mostraram
receosos, questionadores e até mesmo dependentes de orientações. A autonomia
para a produção do Jornal da Química foi concedida, mas na maior parte do
tempo, os estudantes não se mostraram preparados para isso.
Ao falar sobre avaliação mediadora, Hoffmann ( 2007) esclarece que o sentido
da avaliação está em fornecer informações ao aluno que o ajudem a progredir
até a auto aprendizagem, oferecendo-lhe notícias do estado em que se
encontra e as razões do mesmo, para que utilize esse dado como guia de auto
direção, meta da educação.
As orientações, não tinham somente perspectiva conceitual. Os estudantes
tinham dificuldades em pesquisar ou usar adequadamente as ferramentas
disponíveis ( no caso citado sobre a internet, por exemplo). Alguns, tiveram
problemas de relacionamento interno no grupo, o que teve de ser contornado
pelo professor. Outros, tinham dificuldade em como organizar seu trabalho,
sem perder a tendência lúdica do mesmo.
A outra categoria de análise refere-se a personificação, ou seja, o
surgimento de marcas e características pessoais que colaboraram para o
trabalho. Em avaliações tradicionais, a personificação dificilmente emerge,
mas com o uso do lúdico, isso se torna possível e até se torna um fator
determinante para que haja aprendizagem. Se não houvesse personificação ou
se a atividade lúdica proposta despertasse o interesse somente do professor,
a proposta lúdica perderia o sentido e o método de avaliação se assemelharia
a outros métodos tradicionais. Quando o professor utiliza um jogo educativo
em sala de aula, de modo coercitivo, não oportuniza aos alunos liberdade e
controle interno. Predomina, neste caso, o ensino, a direção do professor.
(KISHIMOTO, 2001, p. 26).
Além de respeitar a individualidade dos estudantes, procurou-se incentivar
a criatividade dos estudantes e não ser taxativo quanto às propostas
iniciais de trabalho. Após o interesse, a motivação e a criatividade,
surgiram as marcas pessoais nessa criação, o que rendeu surpresas positivas
durante os encontros com os estudantes.
Uma dessas surpresas está relatada abaixo:
Aluna B: professor, eu queria te mostrar uma coisa que escrevi. Tem jornal
que tem colunas com a opinião de pessoas sobre alguns temas e eu tentei
escrever um negócio parecido. Queria que você desse uma lida.
Professor: Totalmente escrito por você? Não tem nada da internet?
Aluna B: Sim, eu que escrevi.
Professor: Pode deixar que vou ler todinho, detalhadamente.
Aluna B: se você quiser, eu digito e mando pra você e pra A.P também.
Professor: Certo, sem problemas. Deixa eu ver o que mais vocês tem pra me
mostrar. (O professor coloca com cuidado a crônica sobre a mesa e olha o que
mais é entregue). Vocês tem que tomar cuidado pra não serem tendenciosos nas
reportagens.
Aluna A: Como assim?
Professor: Cada pessoa tem sua opção de vida, de estilo de vida. Nossa
função é mostrar até que ponto isso é saudável e até que ponto a Química
entra nessas questões.
Em seguida, o professor lê a crônica com calma e chama para o grupo, o aluno
L, responsável pela formatação e troca idéias sobre em que local do jornal
será encaixada a crônica. O aluno se comprometeu a observar algumas edições
do jornal O Popular, para saber como são formatadas e como essas opiniões
são expressas. Após orientar a formatação, o professor se dirige a aluna B:
Professor: Gostei muito do que você escreveu, mas acho que podíamos só mudar
um pouco a organização. O texto tem introdução, mas alguns parágrafos do
desenvolvimento estão longos. Você tem a opção de fragmentá-los ou retirar
um pouco de cada um. Você que decide. Outra coisa: na conclusão, você pode
explicitar ainda mais sua opinião, já que se trata de uma crônica e do fato
de suas idéias estarem bem embasadas.
Aluna B: Professor, eu tentei evitar palavras como “eu acho”, para não
deixar a crônica muito simples, nem para parecer que é só minha opinião. O
que tá escrito aqui, foi nosso grupo todo que conversou, mas quem passou
para o papel fui eu.
Se observa nesse momento, que o grupo foi avaliado positivamente pelo
professor, por ter tomado uma iniciativa e que, após a leitura, uma sugestão
é dada, porém preservando a personificação demonstrada. Mesmo tendo
compromisso com a mudança, com a melhoria, com a construção do conhecimento,
a autonomia do pensar e do viver criativo foram mantidos.
A personificação e incorporação lúdica não foi observada somente em diálogos
com os estudantes, mas na produção final do material. Marcas de linguagem,
características dos estudantes e até mesmo a desinibição dos mesmos nas
últimas filmagens. A atividade foi tão bem aceita e houve tanta empolgação
com o resultado final, que os estudantes sugeriram para que seus nomes
saíssem no final, com as fotos, como redatores do jornal, o que foi
prontamente aceito.
Além dos avaliados, o avaliador também explicitou marcas pessoais durante o
processo, tanto na maneira como orientava os estudantes, quanto na condução
das reuniões. A intenção era que houvesse liberdade para criação, porém sem
fugir do tema e sem perder a essência científica do trabalho. Na entrega de
materiais ao professor, outra característica pessoal: inicialmente um
material prévio foi entregue, lido e corrigido pelo professor e devolvido
aos estudantes para as devidas correções. Com isso, cumpriu-se o
propósito de diagnosticar algumas dificuldades dos estudantes, para
trabalhá-las nas reuniões que procederam essa entrega.
Conclusões
Considerando o que foi exposto sobre avaliação e sobre lúdico, mais especificamente o jornal, analisando os resultados obtidos, verificou-se a validade e eficácia da proposta de pesquisa. Os estudantes se mostraram interessados e participativos no processo avaliativo e o propósito de realizar uma avaliação diagnóstica e mediadora foi cumprido.O diagnóstico foi estabelecido desde o início da pesquisa, nos primeiros encontros, quando os grupos foram divididos e, durante a interação com os estudantes, o professor conseguiu identificar o conhecimento prévio dos estudantes e traçar estratégias para construir consolidar o conhecimento, através da mediação. Em muitos casos, o debate e a proximidade entre alunos e professor favoreceram esse processo de identificação do conhecimento prévio e a mediação para construção do conhecimento. As características apontadas, o debate e a proximidade ou interação, são marcas do lúdico. Com a utilização do jornal, de maneira específica, cada encontro, cada conversa e contato entre professor e estudantes, se transformaram em aprimoramento de perspectiva crítica e, mesmo a avaliação não sendo de ordem quantitativa ou classificatória, o propósito maior de avaliar um conhecimento e aperfeiçoá-lo, foi alcançado, a partir de um método diferenciado do tradicional.
Agradecimentos
Referências
HOFFMANN, Jussara. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré- escola a universidade. Porto Alegre: Mediação, 2008.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: O jogo como elemento na cultura. (1938). São Paulo, Perspectiva 2008.
SOARES, M. Jogos para o Ensino De Química: Teoria, Métodos e Aplicações. Guarapari – ES. Ex Libris, 2008.
TRIPP. D. Pesquisa ação: uma introdução metodológica. Educ. Pesqui. São Paulo, 2005.