Autores

Machado Peransoni, A.C. (UNIPAMPA) ; Tolfo Peransoni, M. (INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CALOS KLUVE)

Resumo

Este trabalho foi desenvolvido em uma Escola Estadual da Região da Campanha– RS com alunos do ensino fundamental. Estes possuem sérias dificuldades na disciplina de Ciências, o que é refletido nos índices de aprovação. Assim, desenvolveu-se uma pesquisa com o objetivo de analisar as possíveis relações entre os conteúdos abordados na escola e o cotidiano dos alunos. Para tanto se estabeleceu uma investigação nas casas dos alunos com o fim de atender o objetivo da pesquisa. Este trabalho mostrou-se produtivo, pois despertou nos alunos novas possibilidades para outras investigações. Ainda, explicitou relações entre os conceitos da Química e os seus cotidianos. Por meio dessas atividades estabeleceram-se principalmente o ato de pesquisa, o qual não integrava as atividades escolares até então.

Palavras chaves

Química; Cotidiano; Ensino-Aprendizagem

Introdução

Segundo os constantes nos Planos Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino de Ciências/química, a educação brasileira passa por um período de estruturação de novos processos educativos, estes buscam um método reflexivo que abarque meios e linhas de ensino/aprendizagem de fácil assimilação e entendimento aos professores e alunos. Esta busca está voltada para procedimentos que envolvam as questões abordadas pelos agentes envolvidos no seu próprio dia a dia. O ensino da química, nos mais diversos níveis, sofre constantemente com a dificuldade de entendimento e concretização dos conteúdos abordados por esta, “A ênfase na memorização, a ausência de experimentação, a sequência inadequada dos conteúdos, a extensão dos programas e a falta de correlação entre o currículo químico e a vida diária do aluno têm sido as principais características do ensino de química no Brasil [...]” (LOPES; KRUGER, 1997, p.135). Deste modo buscamos desenvolver uma prática pedagógica na disciplina de Química em uma escola de Ensino Médio da Região da Campanha – RS, Brasil. A mesma possui alunos de todos os anos da Educação Básica, sendo que os alunos de oitava série (nono ano) têm em sua maioria, dificuldades no entendimento da disciplina de Ciências. A escola possui estrutura física adequada para o ensino da disciplina de Ciências, com laboratório equipado e montado em sala específica para este fim. Possui ainda, meios auxiliares para o desenvolvimento de pesquisas, como biblioteca e sala de informática a qual conta com 15 computadores novos. A estruturada administrativa da escola está organizada da seguinte forma: um diretor, um orientador educacional, um coordenador pedagógico, um secretário. A dificuldade de entendimento dos alunos associados a altos índices de reprovação são questões preocupantes para escola, tendo em vista que a escola possui excelente estrutura físico- administrativa disponível para a fluência dos conteúdos abordados neste nível de ensino. Desta forma sugerimos mudanças nas estratégias de ensino, bem como diferenciar os métodos de abordagem dos conteúdos programáticos relacionados ao ensino fundamental. “Esses temas, mais do que fontes desencadeadoras de conhecimentos específicos, devem ser vistos como instrumentos para uma primeira leitura integrada do mundo com as lentes da Química (PCNs, p. 34)”. Para tanto, objetiva-se que os alunos tenham uma possibilidade diferenciada de construir seu conhecimento por meio de atividades inovadoras que visem situar o aluno na sociedade em que vivem gerando o entendimento da disciplina de ciências/química por meio da pesquisa. “Não se pretende [com isso] que esses temas sejam esgotados, mesmo porque as interrelações conceituais e factuais podem ser muitas e complexas (IBIDEM, p.34)”. Tais relações poderão levar o aluno a questionar a posição da disciplina de Química no contexto educacional levando-os assim a pesquisa como forma viável de construção do conhecimento. Esta atitude poderá proporcionar ao estudante o entendimento de que a Química faz parte da sociedade e está estreitamente ligada ao desenvolvimento de suas vidas, melhorando suas possibilidades e facilitando seu desenvolvimento sócio educativo.

Material e métodos

Esta atividade foi desenvolvida com vinte alunos do nono ano do Ensino Fundamental. Inicialmente, os alunos tomaram conhecimento da ementa dos conteúdos que seriam abordados na disciplina de Ciências. A partir disso, estes passaram a ser trabalhados em sala de aula, servindo de base teórica para o desenvolvimento de uma pesquisa a ser elaborada pelos alunos. Tal pesquisa desenvolveu-se em seus âmbitos familiares, tendo como objetivo identificar possíveis relações entre os conteúdos de química, abordados previamente, e seu cotidiano. Após a abordagem dos conteúdos, os alunos recebiam um quadro (ver exemplo), este espaço servia para que os estes fizessem suas anotações e elencassem suas atividades cotidianas. Quadro 1. Listagem do conteúdo Fenômeno Atividade executada Mudança dos estados fiscos da matéria. Fusão Descongelamento da geladeira para posterior limpeza, como ocorre à troca de estado físico do gelo este é um bom exemplo de mudanças de estado físico.(Fusão) Após a pesquisa, os alunos, em grupo, elaboraram textos relacionando a química as suas atividades diárias. Para tanto utilizaram meios eletrônicos para expressar os resultados de suas investigações, como slides etc. Outros preferiram atividades práticas como reações químicas, combinações e misturas. Cada grupo teve de 15 minutos para apresentação e contextualização. As atividades foram registradas em forma de produção textual, fotos e vídeos as quais estão disponíveis na escola para futuras pesquisas. As atividades citadas a seguir foram executadas por etapas, cabe ressaltar que os conteúdos foram abordados por meio de aula expositiva e exemplificativa com resolução de questões. A seguir, apresenta-se a sequência de etapas da prática pedagógica. Etapa 1: Tema gerador: noções sobre estrutura da matéria e suas propriedades - “química do cotidiano”. Etapa 2: Organização dos dados levantados pelos alunos e produção textual. Etapa 3: Apresentações dos grupos, contextualizações, justificativas e ressalvas. Etapa 4: Conteúdo: os estados físicos da matéria, forças de coesão, forças de repulsão, vibração e mudanças dos estados físicos da matéria. Etapa 5: Organização dos dados levantados pelos alunos com base na tabela de pesquisa e produção textual. Etapa 6: Apresentações dos grupos, contextualizações e justificativas. Etapa 7: Conteúdo: Substâncias puras, simples, compostas, misturas, combinações, fracionamento de misturas, fenômenos físicos e químicos. Etapa 8: Organização dos dados levantados pelos alunos com base no quadro de pesquisa e produção textual. Etapa 9: Apresentações dos grupos, contextualizações e justificativas. Durante estas etapas os alunos foram avaliados nos seguintes itens: qualidade das produções textuais, qualidade e desenvoltura das apresentações. O peso de cada requisito ficou a critério do professor, mas produção textual teve o maior peso na composição da nota de avaliação.

Resultado e discussão

As atividades propostas, explicitadas anteriormente, trouxeram como primeiro resultado a necessidade de mais tempo para o desenvolvimento das pesquisas, o que não ocorre com a metodologia tradicional. Isso se deve ao fato de que a proposta de trabalho envolve uma investigação de “campo” e produção textual, o que dificultou um pouco o cumprimento de todos os componentes curriculares previstos para a disciplina de química para os dois bimestres da oitava série (nono ano) do ensino fundamental. Contudo, a legislação e a dinâmica que o ensino da Química possui, nos possibilitou a inserção e a disseminação de procedimentos diferenciados e métodos mais abrangentes que se utilizem de meios concretos para construção do conhecimento. Para melhor desenvolver trabalhos que abarcam metodologias diferenciadas de construção do conhecimento é interessante propor um tema norteador. Este foi o primeiro passo para se edificar o conhecimento baseado em atividades concretas de vivenciar e aprender com as atividades da vida dos alunos, neste sentido, “a metodologia prevê discussões, questionamentos, pesquisas, debates, atividades práticas que levem os alunos à construção do conhecimento não a simples memorização de conteúdos, que é o que vem acontecendo no Ensino de Química” ( LOPES; KRUGER, 1997, p. 135). Desta forma, o modo adotado para o ensino/aprendizagem dos nossos alunos neste processo diferenciado de ensinar a química tornou-se vinculado a atividades que levavam os alunos a pesquisa, a socialização e a indagar-se “Qual é o lugar da Química na escola?”, tem-se como hipótese que posições mais legitimadoras da disciplina enquanto conhecimento científico apontam para um lugar que é próprio, como o laboratório ou a estante de tubos de ensaio” (ROSA; TOSTA, 2005, p. 257). Conforme as colocações dos autores a imagem que se construía da disciplina de Química é de uma disciplina enclausurada dentro de um laboratório onde se manipulam fórmulas distintas do que se tem no cotidiano das pessoas. No entanto, os alunos constataram por meio das atividades aqui relatadas que a Química, assim como outras disciplinas, está presente em várias situações no desenvolvimento do dia a dia dos indivíduos integrantes da sociedade como um todo. Cabe ressaltar que os procedimentos propostos por esta investigação são perfeitamente exequíveis em qualquer sala de aula, pois estes buscaram o entrelaçamento dos conteúdos com a realidade vivida pelos alunos estimulando-os a pesquisa, a identificar onde a química estava inserida no transcorrer de suas atividades e como era manipulada. A prática pedagógica aqui relatada teve como resultado uma melhora considerável, por parte dos alunos participantes da pesquisa, no entendimento dos conteúdos trabalhados em sala de aula, no interesse destes, na concentração e na disciplina da turma no desenvolvimento das atividades propostas. No entanto, não poderia deixar de relatar que uma pequena parcela, ou seja, um dos cinco grupos envolvidos não se integrou ao método de ensino utilizado. Nesse grupo, os alunos não conseguiram se desfazer da reprodução de conteúdos de forma tecnicista, pois os mesmos estavam habituados de tal forma que apenas buscavam cumprir as etapas propostas. Ainda, outro resultado relevante, que emergiu dessas atividades, ocorreu quando os alunos expuseram seus trabalhos e relacionaram estes aos conteúdos de química. Demostraram com isso que edificaram seu conhecimento de forma concreta utilizando para tanto de textos produzidos dentro e fora das salas de aulas, pesquisas, exposições e contextualizações de seus resultados, debates e justificativas de suas atividades cotidianas relacionadas à Química apresentando-as em sala de aula. Desta forma os alunos partícipes desta investigação tiveram a oportunidade de vivenciar “novos ares” e não somente a fechada e sufocante aula tradicional previstas nos currículos lineares das escolas. Cabe enfatizar que esses procedimentos atenderam as prerrogativas constantes nos parâmetros curriculares nacionais das ciências da natureza que preconiza que “o aprendizado é proposto de forma a propiciar aos alunos o desenvolvimento de uma compreensão do mundo que lhes dê condições de continuamente colher e processar informações [...]” (BRASIL, 1998, p. 62).

Conclusões

A presente pesquisa levou a algumas constatações: a metodologia proposta neste trabalho era pouco adotada na escola, isso ficou evidente pelas reações e relatos dos alunos, os quais demonstraram se inicialmente resistentes à proposta deste trabalho, pois estavam acostumados a abordagem tecnicista. Por meio da investigação executada dentro e fora da sala de aula, verificou-se que a falta de vínculos entre os conteúdos e o cotidiano dos alunos formava uma barreira para construção do conhecimento. Nessa perspectiva à medida que, os alunos foram vinculando-se a este método de ensinar/aprender, ganhavam algo muito importante para os processos educativos, a curiosidade. Esta os levou a buscar novas atividades, novos meios e métodos, entrelaçando o conteúdo escolar ao seu dia a dia. Os relatórios produzidos pelos alunos foram parte das atividades desenvolvidas em sala de aula e se tornam instrumentos indispensáveis à produção do conhecimento que toma a química como fonte inspiradora. Estas atividades levaram os alunos a pesquisar, questionar, socializar, conhecer e reconhecer, negar e confirmar informações e conteúdos programáticos. A sequência na abordagem do método fez com que as ideias fossem aflorando no transcorrer das atividades, os momentos foram surgindo, os procedimentos foram sendo assimilados e o conhecimento foi construído passo a passo. As atividades sugeridas instigavam, intrigavam, tornavam os agentes envolvidos “curiosos por excelência”. A fase final desta atividade trouxe bons frutos e a pesquisa que tinha como objetivo analisar e problematizar as possíveis relações entre os conteúdos abordados na disciplina de ciências/química do mundo escolar e o cotidiano dos alunos, fez com que a maioria dos destes atingisse os objetivos estabelecidos. Esta proposta de pesquisa possibilitou concretizar todos os esforços empenhados em gerar conhecimento por meio da investigação e aproximação de conteúdos a realidade cotidiana dos alunos no processo educacional.

Agradecimentos

Referências

BRASIL, Lei nº 9493, de 20 de dezembro de 1996. Lei das Diretrizes e Bases da Educação. Disponível em :<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 23 março. 2013.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1998. 174 p. Disponível em :< http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/introducao.pdf>. Acesso em: 23 dezembro. 2013.

FIALHO, N. N.; Jogos no Ensino de Química e Biologia, Curitiba - PR, Ed. Ipebex, 2007.

LÔBO, S. F; Trabalho Experimental no Ensino de Química. São Paulo-SP, Ed.Química Nova, v.35, n.2, p. 430 - 434, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422012000200035&lang=pt>. Acesso em: 4/06/2013.

LOPES, C. V.M.; KRUGER, V.; Propostas para o Ensino de Química: Poluição do Ar e do Lixo. Porto Alegre - RS, Ed. CeciRS,1997.

LOPES, C. V.M.; KRUGER, V.; Propostas para o Ensino de Química: Àgua. Porto Alegre - RS, Ed. CeciRS, 1997.

ROSA, M.I.P.; TOSTA, A. H.; O Lugar da Química na Escola: Movimentos Constitutivos da Disciplina no Cotidiano Escolar, Bauru – SP, Ed. Ciência & Educação, v. 11, n. 2, p. 253-262, 2005.