TÍTULO: A FORMAÇÃO DE UMA CULTURA QUÍMICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

AUTORES: BOTTECHIA, JULIANA A. DE A. (UEG/SEDF) ; SANTOS, WILDSON L. P. DOS (UNB)

RESUMO: Incursões na didática aplicada ao ensino da Química com investigação bibliográfica e entrevistas a uma professora e 20 de seus estudantes do 1º ano do Ensino Médio, revelaram um abismo entre mundos distintos: Duas culturas sendo uma marcada pelo discurso científico e a outra pelo discurso do senso comum. Com objetivo de verificar se há uma Cultura Química capaz de relacionar estes dois mundos, este trabalho apresenta resultados da investigação que indicam que uma Cultura Química pode contribuir com a contextualização e interdisciplinaridade na educação básica e assim, contribuir com o ensino para a qualidade de vida dos estudantes não bastando Ensinar Química: é necessário uma Educação Química para reconhecer aspectos sócio-científicos dos conhecimentos químicos conjuminando os dois mundos

PALAVRAS CHAVES: ensino de química, cultura química, educação química

INTRODUÇÃO: As interações culturais em campos como a economia, questões políticas e sociais intensificaram-se nos últimos anos e esses fenômenos repercutem no ensino de Química. Seja pela complexidade dos processos observados e que precisam ser contextualizados – e não apenas passados – seja pelo aumento da desigualdade social e toda a diversidade de situações que se encontram numa sala de aula e que professores(as) vivenciam diuturnamente.
No entanto, deparamos com a distância entre os discursos dos professores e estudantes pesquisados revelando mundos inicialmente distintos, tal e qual duas culturas separadas: uma marcada pelo discurso científico e a outra pelo discurso de senso comum, ambos inicialmente estudados à luz de Snow (1995) e Sousa Santos (2001) para atender o objetivo de descobrir se há uma Cultura Química, doravante CQ, nas aulas.
Então, explorando os conceitos de Cultura e Cultura Científica para investigar em que medida podem contribuir para a contextualização e a interdisciplinaridade no ensino de Química, construímos o conceito de CQ, e, uma vez que entendemos não ser possível desconsiderar as relações de Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA) da Educação Química se a pretensão é um cidadão de formação global e humanística como escreveu Freire (1987, 1996) e não de visão ingênua do seu mundo.
Esta perspectiva também aparece no ideário de pesquisadores da Educação Química como Lutfi (1992), Santos e Schnetzler (1997), Chassot (2000), Santos (2008), após as visitações ao termo “cultura”, tomamos como ponto de partida sua etimologia, chegando ao conceito antropológico, para então discutir a cultura científica e a possibilidade de uma CQ. Esta CQ pode contribuir para uma formação plural e justa do cidadão que lê os aspectos sócio-científicos do seu mundo

MATERIAL E MÉTODOS: Em uma escola os palcos em que os estudantes podem se desenvolver são muitos e não se deve desconsiderar as aulas de Química para o estudante exercitar conhecimento e cidadania com autonomia. Com entrevistas esperávamos descobrir situações que ocorrem com os estudantes que acabam por afastá-los da Química ou da escola.
A revisão bibliográfica, segundo Vygotsky (1989), traz o ensino-aprendizagem para induzir um tipo de desenvolvimento mental necessário à inserção cultural das novas gerações. Então, a escola como meio cultural adequado ao desenvolvimento da CQ que consideramos como conhecimento químico contextualizado na cotidianidade, termo cunhado por Lutfi (1992), dos estudantes.
Assim, concordamos com Freire (1987) e preferimos dizer que na aula de Química ocorre uma enculturação química. Não é o entendimento da educação como um processo de aculturação, que não considera o patrimônio pessoal do estudante repleto de significados para ele. O terreno invadido, a tecnologia, enfim, o quê o estudante conhecer e o(a) professor(a) quiserem. Na medida em que a ciência explica o mundo e as coisas que nele estão escolhemos o melhor ‘laboratório de ensino’ para o que se quer ensinar.
Desta forma, o estudante aprende a relacionar os conteúdos estudados, experimentados na escola com os momentos vivenciados fora dela, uma vez que articulados com os saberes, consolidarão os cidadãos entre os “dois mundos” de Snow (1995) e afinal, uma CQ passa a ser existente nas escolas com a práxis dos professores, os currículos e com a divulgação que as mídias (incluindo o livro didático) fazem da cultura, de polêmicas científicas da atualidade e que possam exigir uma participação democrática destes cidadãos. Acreditamos que algumas destas pontes poderão ser construídas pelos cidadãos na CQ.

RESULTADOS E DISCUSSÃO: As entrevistas revelaram que são muitas as situações que afastam os estudantes da Química e até da escola, inclusive aulas que perpetuam a desvalorização dos conhecimentos não científicos e deixam de considerar os contextos culturais, sociais em que o estudante se faz e/ou utiliza destes saberes.
Para contribuir com esse entendimento, propomos a análise do quadro comparativo construído para relacionar a Ciência Moderna e Positivista como explicou Dos Santos (2009) e a Ciência Pós-Moderna, ambas discutidas por Sousa Santos (2001) ao longo de sua obra, da tabela 1. Neste sentido, continuando as aulas de Química presas ao paradigma vigente da “ciência pura” não se formam cidadãos para lidar com realidades.
À luz de Dos Santos (2009), consideramos Ensino de Química como uma postura centrada em quem ensina: o professor que transmiti conteúdos ao passar informações em sala de aula, alimentando o cientismo e formando alienados. Educação Química valoriza conceitos elaborados e construídos pelos estudantes com mediação dos professores, como vemos na tabela 2.
Pitombo e Lisbôa (2001) dentre outros, explicam que são poucos os estudantes que conseguem relacionar a vida cotidiana com o que vivenciam em sala de aula. Uma vez que o cidadão deve ter os conhecimentos de sua época, e, se pode dizer que eles são a própria cultura; por conseguinte; a Química também fará parte de um patrimônio cultural como CQ.
Uma vez que a vida cotidiana é toda construída sobre crenças silenciosas e de evidências não questionadas como componentes culturais; ao considerar inclusive o que é aprendido nas aulas de Química, tornam a CQ um direito dos estudantes, pois a difusão de tal cultura se reflete no seu dia-a-dia para decisões sem ser um indivíduo manobrável que não sabe exercer sua autonomia.





CONCLUSÕES: Definir cidadão é vago e impreciso sem considerar uma Cultura como referencial. Não se pode dizer menos das definições para Química ou Ciência, mas segundo Da Silva (1993), Química é uma Ciência que procura explicar as substâncias e as transformações entre elas, seus usos e consequências. A partir da definição ampliada de cultura, na perspectiva da CQ, propomos que a relação entre os conteúdos químicos se articule aos conhecimentos sócio-científicos contribuindo para uma enculturação científica resultante na CQ, mas as práxis dos professores possam mediar a construção desta CQ.

AGRADECIMENTOS: Agradeço o apoio da SEDF para a realização desta pesquisa e ao Prof. Wildson Luiz Pereira dos Santos pelas orientações ao longo do percurso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA: CHASSOT,Attico I. Alfabetização Científica: questões e desafios para a educação. Ijuí: Unijuí, 2000.

DA SILVA, Roberto R. da. A Química deve ser ensinada a partir do concreto em sala de aula. Fundação Victor Civita, Ano 3; n° 18. São Paulo, 1993.

DOS SANTOS, Maria Eduarda V. M. Centro de Investigação em Educação, Universidade de Lisboa, Portugal. Ciência como Cultura – Paradigmas e implicações epistemilógicas na educação científica escolar. Química Nova, vol.32, nº. 2, p.530 -537. São Paulo, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1987.

LUTFI, Mansur. Os ferrados e os cromados: produção social e apropriação privada do conhecimento químico. Ijuí: UNIJUÍ, 1992.

PITOMBO, L. R. M. e LISBÔA, J. C. F. Sobrevivência Humana: um caminho para o desenvolvimento do conteúdo químico no ensino médio. Química Nova na Escola, n. 14, p. 33, São Paulo: SBQ, 2001.

SANTOS, Wildson Luiz P. dos. Aspectos Sócio-Científicos em Aulas de Química. Tese de Doutoramento – UFMG, Belo Horizonte – 2002.

SANTOS, Wildson Luiz P. dos. Educação Científica Humanística em uma Perspectiva Freireana: resgatando a função do ensino de CTS. Alexandria, v. 1, p. 109-131, mar. 2008.

SANTOS, Wildson Luiz P. dos. Educação Científica na Perspectiva de Letramento como Prática Social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação, v. 36, p. 474-492, set./dez. 2007.

SANTOS, W. L. P. dos; SCHNETZLER, R. P. Educação em Química: compromisso com a cidadania. Ijuí: Unijuí, 1997.

SNOW, C. P. As Duas Culturas e uma Segunda Leitura: uma versão ampliada das duas culturas e a revolução científica. São Paulo: Editora da USP, 1995.

SOUSA SANTOS, Boaventura de. Um Discurso sobre as Ciências. 12ª. ed. Porto: Afrontamento, 2001.

VYGOTSKY, L. A Formação Social da Mente. 3ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.