TÍTULO: Da pilha de Daniell ao eletrodo de vidro no livro de Análise Química Instrumental: Uma abordagem didática?

AUTORES: ÁLVARO LIMA MACHADO (UNEB-CEFET) ; ADRIANA VIEIRA DOS SANTOS (IFBA)

RESUMO: Este trabalho apresenta uma reflexão sobre a (des)articulação entre conteúdos de eletroquímica e potenciometria veiculados no livro de Química Analítica Instrumental e seu impacto para a aprendizagem. Utilizou-se uma metodologia qualitativa de cunho exploratório, tendo como base abordagens do livro superior e dificuldades vivenciadas por alunos de cursos técnicos do IFBA. O trabalho evidencia que a forte influencia do paradigma positivista e do modelo da racionalidade técnica termina por criar obstáculos epistemológicos no livro superior utilizado em cursos técnicos, apontando ainda a necessidade investigações de ordem didático-epistemológica construídas a partir de ferramentas da Didática das Ciências, da História e da Filosofia das Ciências como forma de superar estes desafios.

PALAVRAS CHAVES: epistemologia e conhecimento químico, ensino técnico, prática reflexiva.

INTRODUÇÃO: O livro técnico para o ensino de Química, em nível superior, não tem sido muito investigado nas pesquisas, do ponto de vista didático (SILVA, 2003; FERNANDEZ, 2008). No entanto, quando comparado a livros de outras áreas do conhecimento científico é que se constatam algumas de suas deficiências. Fica evidente a não preocupação na construção de um estado da arte didática que incorpore ao texto objetivos de ensino, transposições didáticas (CHEVALLARD, 1991), análise de contextos reais, resolução de exercícios e uso de ferramentas potencialmente didático-epistemologisadoras tais como a filosofia e a história, (GAGLIARD, 1988; MATTEWS, 1994), dentre outras.
Construído desta forma, esse livro técnico, que também deveria ser didático, termina por manifestar a influência do paradigma positivista e do modelo da racionalidade técnica (SCHÖN, 2000) numa obra onde as idéias ou conceitos nem sempre se articulam entre si, do ponto de vista didático-epistemológico, dificultando no ensino, uma prática acadêmica reflexiva e investigativa.
Uma abordagem através de conceitos estanques dificilmente revelará um movimento epistemológico; uma etapa importante na construção do espírito acadêmico. A ausência de abordagens históricas, de experimentos investigativos e de identificação de um perfil conceitual são dificuldades evidenciadas no livro superior, que terminam por se caracterizar como obstáculos epistemológicos, numa perspectiva bachelardiana (BACHELARD, 1996).
O trabalho se volta para uma análise de abordagens realizadas, da pilha de Daniell até o elétrodo de vidro, que ocorrem no livro de forma desconectada, ocultando movimentos de evolução tecnológica e desarticulando conteúdos, ao mesmo tempo em que procura ainda apontar caminhos para superação desses obstáculos.


MATERIAL E MÉTODOS: Este trabalho utiliza uma metodologia de natureza exploratória (GIL, 1999) e foi elaborado com base em livros de Química Analítica Instrumental, comumente utilizados no ensino profissionalizante (EWING, 1972; HARIS, 1999, OHLWEILER, 1980; SKOOG, 2006; VOGEL, 2002), tendo como problema a abordagem estanque e desarticulada de conteúdos veiculados, desde a pilha de Daniell (na discussão iniciada na eletroquímica) até eletrodos (de vidro, por exemplo).
A investigação, consubstanciada na prática reflexiva, foi desenvolvida com alunos e professores de Análise Química Instrumental de cursos técnico-profissionalizantes de ensino médio do Instituto Federal da Bahia - IFBA, e tem finalidade de investigar a compreensão e dificuldades dos estudantes no entendimento de conceitos e da evolução tecnológica que levou à mudança de foco de um dispositivo voltado para a produção de eletricidade a partir de reações químicas para outro, construído na perspectiva de determinação da concentração a partir da eletricidade gerada.
O estudo, em andamento, pretende ainda desenvolver uma abordagem que vá além das ferramentas conteudistas do livro didático e incorpore aspectos investigativos da ciência, da História, da Filosofia da Ciência e da Didática das Ciências na construção de um caminho didático-epistemológico, nem sempre apresentado no livro didático. Esse processo encontra-se em fase preliminar de investigação através de pesquisa bibliográfica e elaboração do material didático a ser aplicado em situações concretas de ensino tecnico-profissionalizante no IFBA até 2010.


RESULTADOS E DISCUSSÃO: Durante o estudo pode-se perceber que os livros não procuram construir os conceitos em eletroquímica e na potenciometria de forma articulada e, portanto, didático-epistemológica, o que dificulta a compreensão do estudante da relação analógica que os dispositivos tecnológicos têm entre si quanto à sua estrutura e funcionamento, uma condição necessária na construção de um perfil tecnológico evolutivo. Em consequência, o estudante não consegue perceber no eletrodo de vidro qualquer relação com a pilha de Daniell, tendo como base o texto do livro didático.
Muitos destes problemas são oriundos de uma forma positiva de ver e fazer ciência pautada no paradigma cartesiano e no modelo da racionalidade técnica e que se manifestam no livro didático de nível superior. A análise de determinados conteúdos desse livro aponta para alguns desafios que envolvem i) a forte influência do paradigma cartesiano e do modelo da racionalidade técnica, e; ii) Em decorrência disto, observa-se dificuldades na realização de transposições didáticas e de processos de didatização adequados que levem em consideração a construção do conhecimento através do uso de ferramentas didáticas. Obstáculos que podem ser situados tanto no no campo da didática como da epistemologia. Ao mesmo tempo, o estudo aponta que o uso de ferramentas didáticas podem contribuir para uma aproximação do livro de ensino superior da didática à medida que se construam situações favoráveis de aprendizagem. Durante a fase preliminar do estudo evidenciou-se a necessidade de uma ação propositiva, voltada para a (re)construção de uma abordagem pautada também na Didática, na História e na Filosofia da Ciência que busque superar essas dificuldades vivenciadas.


CONCLUSÕES: O livro de Análise Química Instrumental tem grande importância para o ensino e não pode ficar imune a processos de avaliação quanto à sua qualidade, principalmente do ponto de vista didático. Neste sentido, alguns desafios se colocam para a pesquisa, tais como a necessidade de: i) desenvolver ações investigativas que aprofundem a crítica ao livro superior indo além dos conteúdos e se estendendo também ao campo didático da obra; ii) ações propositivas que valorizem o uso de ferramentas didáticas no aperfeiçoamento desse livro, tendo em vista a melhoria do processo de ensino-aprendizagem.

AGRADECIMENTOS: Aos alunos e docentes do IFBA que participaram ativamente deste projeto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA: BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Traduzido por Estela dos Santos Abreu Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, 311p.
CHEVALLARD, Y. La transposición didactica: del saber sabio ao saber enseñado. Buenos Aires: Aique, 1991, 196p.
EWING, G. W. Métodos Instrumentais de Análise Química. Trad. Aurora Giora Albanese e Joaquim Teodoro de Souza Campos. São Paulo: Edgard Blücher, Ed da Universidade de São Paulo, 1972, 296p.
FERNANDEZ, C.; BALTINATO, J. O; TIEDEMANN, P. W.; BERTOTTI, M. Conceitos de química dos ingressantes nos cursos de graduação do Instituto de Química das USP. Quím. Nova 2008, vol.31, n.6, p.1582-1590.
GAGLIARD, R.; GIORDAN, A. La historia de las ciências: uma herramienta para la enseñanza de las Ciências. Enseñanza de las Ciências, v. 4, n. 3: p. 235-2259, 1986.
HARIS, D. C. Análise Química Quantitativa. 6.ED., Rio de Janeiro: LTC Editora, 2005, 876p.
GIL, A. C. Como elaborar um projeto de pesquisa. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1999.
MATTHEWS, M. R. História, filosofia e enseñanza de las ciências: la aproximación actual. Enseñanza de las Ciências, v. 12, n. 2: p. 255-277, 1994.
OHLWEILER, O. A. Fundamentos de análise instrumental. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e científicos, 1981, 486p.
SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Traduzido por Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000, 256p.
SKOOG, D. A.; WEST, D. M. Holler, F. J. Crouch, S. R. Fundamentos de Química
Analítica. Tradução da 8a edição. Thomson, São Pauloublishing, 2006. 1124p.
SILVA, S. M.; EICHLER, M. L.; DEL PINO, J. C. As percepções dos professores de química geral sobre a seleção e a organização conceitual em sua disciplina. Quím. Nova, Jul/Ago 2003, vol.26, n.4, p.585-594.
VOGEL, A. Análise Química Quantitativa. 6. ed., Rio de Janeiro: LTC Editora, 2002, 462p.