TÍTULO: A Literatura de Divulgação Científica de cunho metafórico: alguns apontamentos
AUTORES: STRACK, R. (UFRGS) ; LOGUERCIO, R. (UFRGS) ; DEL PINO, J.C. (UFRGS)
RESUMO: O trabalho tem como objetivo trazer para a educação em química a discussão relacionada a alguns dos livros produzidos sob o título de Literatura de Divulgação Científica - LDC. Nesse sentido, faz-se importante conhecer e analisar essa literatura que é (ou cumpre função) de divulgação científica na perspectiva de suas potencialidades educacionais. Analisou-se aqui os possíveis problemas associados à literatura de cunho metafórico.
PALAVRAS CHAVES: literatura de divulgação científica, educação química, metáforas
INTRODUÇÃO: O presente trabalho parte da perspectiva que a escola, não sendo o único lugar de aprendizagem, é, seguramente, um lugar de eleição de aprendizagens, em particular daquelas que exigem atividades estruturadas. Assim sendo, tendo como objetivo trazer para a educação em química uma discussão relacionada a alguns dos livros produzidos em língua portuguesa sob o título de Literatura de Divulgação Científica buscou-se selecionar livros que são (ou cumprem função) de divulgação científica, voltados para
a temática da natureza corpuscular da matéria, pois segundo Benarroch (2000), um dos conteúdos de grande contribuição às linhas de pesquisa sobre as concepções dos alunos relaciona-se à essa temática.
A divulgação científica “se pode interpretar de forma geral como o processo pelo qual se quer legar a um público não especializado e amplo o saber produzido por especialistas em uma disciplina científica” (Calsamiglia, 2005). A escolha por este específico veículo de educação não formal (essa compreende, entre outros, os Museus e Centros de Ciência, exposições, filmes e documentários sobre ciência e artigos de divulgação científica) relaciona-se com a problemática dos livros didáticos que, segundo Candotti (2002) “hoje, os textos, em sua maioria, são pobres, desatualizados e repetem, há décadas, informações muitas vezes equivocadas”. Desta forma, os livros de divulgação científica representam uma alternativa para o professor em relação ao livro-texto na sala de aula
possibilitando a problematização e a reflexão, contribuindo na compreensão dos conceitos científicos, mais especificamente da Química, através da narrativa e da contextualização e datação das construções científicas.
MATERIAL E MÉTODOS: Para esse fim buscou-se livros disponíveis nas editoras e que contemplavam a temática relacionada, juntando-se a esses algumas aquisições em literatura de divulgação científica da Área de Educação Química - AEQ – (Departamento de Química Inorgânica - Instituto de Química – UFRGS). A partir disso os livros foram classificados em Metafórico/Fantástico e Histórico/Biográfico segundo a predominância das metáforas e/ou histórias fantásticas ou da narrativa que apresente o perfil histórico do conhecimento e/ou do cientista, respectivamente. Resultou da primeira análise que ‘Tio Tungstênio’, ‘O Sonho de Mendeleiev’, ‘Lavoisier - o estabelecimento da química moderna’, ‘Bohr – o arquiteto do átomo’, ‘O Átomo’ e ‘Dos Raios-X aos Quarks’ classificam-se como Literatura Histórico/Biográfica, enquanto que ‘O Tio Alberto e o Mundo dos Quanta’, ‘Alice no País do Quantum’, ‘O Mágico dos Quarks’ e ‘Viagem ao Reino da Química’ podem ser classificados como Literatura Metafórica, onde a predominância de metáforas e de recursos fantásticos (viagens a mundos subatômicos, conversas com entidades do mundo da ciência, diálogos fictícios com personalidades históricas da ciência) é o que identifica este gênero literário. Analisar-se-á presentemente a literatura de cunho metafórico tomando como caso-exemplo Alice no País do Quantum para discussão das questões de cunho epistêmico-educacional relacionadas às analogias e metáforas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO: A diferença entre uma analogia e uma metáfora está em que a primeira compara explicitamente as estruturas de dois domínios, enquanto a segunda compara implicitamente (García Cruz, 1998) ou, de forma mais específica quanto aos livros, cabe ao leitor estabelecer relações entre domínios. O mesmo autor define analogia como uma comparação baseada em similaridades entre estruturas de dois domínios diferentes, onde um dos domínios é um conteúdo de conhecimento familiar aos alunos (conhecido como ‘domínio base’ ou ‘domínio da analogia’) e o outro, de aspecto desconhecido destes, conhecido como ‘domínio alvo’. Cachapuz (1989) acrescenta a importância da linguagem metafórica como uma maneira de fomentar um estilo menos rígido no ensino de ciências e argumenta que “A falta de um quadro teórico suficientemente elaborado que permita racionalizar o uso educacional de metáforas e analogias não deve ser motivo bastante para as banir; deve sim aconselhar o seu uso com a necessária prudência”, apesar de autores como Bachelard (1991, 1996) serem críticos quanto ao uso das analogias e metáforas por constituírem um obstáculo à formação do espírito científico.
No livro ‘Alice no País do Quantum’ é contada a viagem de uma garotinha (a Alice) pelo mundo das partículas subatômicas onde o uso destas figuras gráficas de linguagem se faz presente (figura 01):
“O quarto logo estava tomado por uma horda de fótons idênticos, todos correndo de um lado para outro em perfeita sincronia. ” Pág. 91.
No próximo trecho Alice encontra uma partícula, o nêutron, e pensa ser um elétron (figura 02) que...
"Não era muito diferente dos elétrons que ela tinha visto antes, a não ser pela aura de poder em volta dele e pelos óculos escuros..." Pág. 135.
CONCLUSÕES: A literatura de cunho metafórico apresenta uma linguagem que pretende ser acessível ao leitor e facilitar a compreensão de conceitos complexos. No entanto, o uso de recursos de linguagem como metáforas associadas com imagens são motivos de discussão na comunidade de educadores em ciências e, com base num referencial bachelardiano, ressalta-se aqui a necessidade do professor esclarecer a linha-limite da transposição da explicação metafórica para uma compreensão no nível do conhecimento científico compatível com a capacidade de compreensão dos estudantes.
AGRADECIMENTOS:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA: Abdalla, M. C. Bohr – O arquiteto do átomo. São Paulo: Odysseus, 2003.
Bachelard, G. A formação do Espírito Científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Tradução: Estela Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
Bachelard, G. A Filosofia do Não. Tradução: Joaquim José Moura. Lisboa: Presença, 1991.
Benarroch, A. El desarrolo cognoscitivo de los estudiantes em el área de la natureza corpuscular de la matéria. Ensenãnza de las Ciências. 18(2): 235-246, junho de 2000.
Cachapuz, A. Linguagem Metafórica e o Ensino de Ciências. Revista Portuguesa de Educação, 2(3), 117-129, 1989
Calsamiglia, H. Divulgar: itinerários discursivos del saber. Revista Quark, nº 7. Disponível em <http://www.imim.es/quark/7/estrella.htm> Acesso em: 20/07/2005
Candotti, E. Ciência na Educação Popular In: Brito, F.; Massarani, L; Moreira; I. de C. (Organizadores). Ciência e Público: caminhos da divulgação científica no Brasil. Rio de Janeiro: Casa da Ciência - UFRJ, 2002. pags.15-24
Filgueiras, C. L. Lavoisier - O estabelecimento da química moderna. São Paulo: Odysseus, 2002.
García Cruz, C.M. De los obstáculos epistemológicos a los conceptos estructurantes: uma aproximación a la enseñanza-aprendizaje de la ciencia. Enseñanza de las ciencias, 16(2): 323-330, jun 1998.
Gilmore, R. O Mágico dos Quarks. Tradução por Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002.
Gilmore, Robert. Alice no País do Quantum. Tradução por André Penido. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998.
Kahn, F. O átomo. Tradução: Francisco J. Buecken. 7ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1964.
Sacks, O. Tio Tungstênio- Memórias de uma infância química. Tradução : Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Segrè, E. Dos Raios-X aos Quarks-físicos modernos e suas descobertas. Brasília: Unb, 1987.
Stannard, R. O tio Alberto e o mundo dos Quanta. Lisboa: Edições 70, 1994.
Strathern, P. O Sonho de Mendeleiev - A verdadeira história da química. Tradução: Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002.
Veado, W. Viagem ao Reino da Química. 2ª ed. São Paulo: Editora do Brasil, 19--.