Explorando a sinergia do polímero ABS e o resíduo da casca da castanha do caju por meio da co-pirólise

ÁREA

Química Verde


Autores

Castro, K.S. (UFRN) ; Silva, A.B.A. (UFRN) ; Couto, K.F.L. (UFRN) ; Santos, W.S. (UFRN) ; Guimarães, H.H.C. (UFRN) ; Queiroz, P.F.A.C. (UFRN) ; Sena, M.K.A. (UFRN) ; Araujo, A.M.M. (UFRN) ; Gondim, A.D. (UFRN)


RESUMO

A casca da castanha de caju (B3C) é fonte promissora para biocombustíveis. A pirólise da biomassa lignocelulósica obtém um bio-óleo oxigenado, sendo necessário aprimoramento. Os plásticos podem atuar nessa questão devido ao alto teor H/C, obtendo um bio-óleo de alta qualidade. O plástico acrilonitrila butadieno estireno (ABS) é responsável por grande quantidade de resíduos. A análise termogravimétrica é uma análise rápida capaz de verificar a decomposição térmica de materiais. Diante disso, este trabalho investigou a atuação do plástico ABS na decomposição térmica da B3C. De acordo com os resultados, a presença do plástico provocou modificações na temperatura de decomposição da biomassa e diminuição no teor de resíduos a 900 °C.


Palavras Chaves

Biomassa; Plástico; Co-pirólise

Introdução

O acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera provocado pelo uso demasiado de combustíveis provenientes de fontes fósseis, além de provocar danos à saúde humana vem atenuando o fenômeno natural de efeito estufa ocasionando intensificação da temperatura na Terra e seus efeitos subsequentes. A biomassa lignocelulósica pode desempenhar papel fundamental na substituição das fontes fósseis diante de suas características de rápida renovabilidade, elevada abundância, baixo custo de aquisição e emissor neutro em carbono. Tais atributos permitem a mitigação das problemáticas enfrentadas (GHORBANNEZHAD et al., 2020). A castanha de cajú, o verdadeiro fruto do cajueiro (Anacardium occidentale L.) é vastamente utilizada como ingrediente na cozinha, produção de manteiga de caju, fonte de óleo e aplicada em dietas de atletas. Para consumi-lo deve ser removido a casca, resultando em volumes abundantes desse resíduo (MGAYA et al., 2019). Tal resíduo alimentar tem um potencial significativo para utilizá-lo como matéria-prima de biocombustíveis, pois não concorre com a indústria alimentícia, além da necessidade de implementação de um destino adequado a fim de evitar desafios de saneamento que resultam em poluição ambiental (KYEI et al., 2019). A pirólise é uma das técnicas de conversão mais econômica e que mostrou potencial máximo para a produção de combustível líquido a partir do bio-óleo, utilizando fonte de resíduos lignocelulósicos. No entanto, por ser constituída de hemicelulose, celulose e lignina o bio-óleo destes materiais possui alta concentração de compostos oxigenados conferindo-o características de baixo valor energético, alta viscosidade e corrosividade dificultando seu uso direto como combustível (KUMAR et al., 2020). Para eliminar tais gargalos, diversos processos são implementados para o “upgrading” do óleo pirolítico por técnicas que utilizam hidrogênio em alta pressão, como o hidrotratamento, e catalisadores nobres. Contudo, o uso dessas ferramentas torna a obtenção do biocombustível onerosa (PERSSON, 2019). O plástico é amplamente utilizado devido sua praticidade, versatilidade e baixo custo. Entretanto, o consumo desenfreado de produtos que utilizam tal material ocasionou enormes volumes de resíduos plástico onde 20% é reciclado, 25% incinerado e 55% são eliminados em aterros ou lixões possibilitando sua entrada indevida no meio ambiente colocando em perigo a vida animal e humana, pois é um material resistente a decomposição com meia-vida estimada entre 50 e 1200 anos (SEAH et al., 2023). Com o intuito de aumentar a viabilidade do bio-óleo obtido da pirólise de biomassa, sem a utilização de processos e catalisadores caros, além de possibilitar um destino viável aos plásticos, novas pesquisas estão sendo realizadas no que se refere ao processo de co-pirólise (GHORBANNEZHAD et al., 2020, DIAZ-SILVARREY et al., 2018). Co-pirólise é o processo que envolve a pirólise de duas ou mais biomassas ou resíduos juntos com o intuito de produzir um bio-óleo próximo das características do óleo fóssil e não leva ao tratamento de hidrogenação a altas pressões (ZHEN et al., 2018). O principal benefício da co-pirólise de biomassas e plásticos é que estes possuem alta razão H/C enquanto a biomassa possui alta razão O/C e baixa razão H/C. No processo de pirólise, o plástico atuará como doador de hidrogênio possibilitando a remoção do oxigênio resultando em maior rendimento da fração líquida e sua qualidade, por exemplo, maior densidade energética devido às ocorrências de interações sinérgicas entre as duas matérias-primas (GHORBANNEZHAD et al., 2020, ANSARI et al., 2021, SEAH et al., 2023). Um exemplo de plástico é o acrilonitrila butadieno estireno denominado de ABS. Diante de suas características como alta resistência ao impacto, ao calor e tenacidade possui ampla aplicação no campo da engenharia civil, como também em peças automotivas, eletrodomésticos, brinquedos etc. Sua vasta aplicabilidade o torna um plástico suscetível à geração de resíduos durante seu descarte indevido (KUMAR et al., 202018, KUMAR et al., 2022). A análise termogravimétrica (TGA) é uma técnica alternativa que monitora a perda de massa em função da temperatura. Menos dispendiosa, de rápida resposta e de fácil manuseio tem-se mostrado eficaz na determinação da composição de materiais mediante sua decomposição térmica (GOMES et al., 2018). A partir dela, é possível analisar a influência da presença de um material na decomposição do outro em termos de mudança de temperatura de decomposição e resíduos a uma determinada temperatura (TANG et al., 2022). Diante do contexto, este trabalho possui o objetivo de analisar a decomposição térmica da casca da castanha de caju, como também a influência da presença do plástico ABS na decomposição da respectiva biomassa e analisar os efeitos positivos que o plástico pode proporcionar.


Material e métodos

A casca da castanha de caju foi obtida por meio do estabelecimento Castanha de Caju Emanuel, localizado no município Serra do Mel situado no estado do Rio Grande do Norte. O plástico ABS foi obtido a partir de resíduos gerados por impressora 3D. Antecedendo a análise termogravimétrica, a casca da castanha de caju foi triturada e posta em estufa a 100 °C por 24 horas, para remoção de grande parcela do óleo contido na casca. Enquanto o plástico, foi moído em um moinho de facas na presença de água por 20 minutos, seguido de secagem a 100 °C por 5 horas. A mistura da casca com o plástico foi realizada mediante aquecimento a 80 °C com o auxílio de uma chapa de aquecimento e constante agitação. A análise do comportamento térmico da casca da castanha de caju e da influência do plástico ABS nesta biomassa foi realizada em uma termobalança DTG-60, Shimadzu. Aproximadamente 10 mg de cada amostra, somente biomassa, somente o plástico e biomassa com plástico, foram acomodadas em cadinho de alumina, sob as seguintes condições: faixa de temperatura de 30 a 900 °C, com taxa de aquecimento de 10 °C.min-1 e vazão de gás N2 de 100 mL.min-1. A amostra da casca da castanha de caju foi codificada como B3C, o plástico foi codificado como ABS, enquanto a amostra da casca da castanha de caju com o plástico ABS foi codificada como B3C + ABS.


Resultado e discussão

A Figura 1 exibe as curvas TGA e DTG das amostras B3C, ABS e B3C + ABS na faixa de temperatura de 30 a 900 °C, na taxa de 10 °C/min e a Tabela 1, lista os valores de faixa de temperatura, porcentagem de perda de massa, temperatura máxima e resíduo a 900 °C para as três amostras. Primeiramente foram analisados os comportamentos de decomposição térmica dos materiais (B3C e ABS) de forma separada, em seguida foram analisados após sua mistura, com o intuito de verificar quais os pontos de mudanças. Pode ser observado que a decomposição térmica da amostra B3C apresenta 5 eventos de perda de massa. O primeiro estágio, na temperatura entre 67-151 °C, com redução de 2,49% compreende a perda da umidade da biomassa. O segundo evento, entre 151-198 °C, reduzindo 3,26% em massa, relaciona-se a descarboxilação do ácido anacárdico. Este ácido é o principal componente do óleo presente na casca da castanha de caju e encontra-se na amostra em forma de resquício após a extração do óleo em estufa (NYIRENDA et al., 2021). Sua baixa concentração se dá pois encontra-se como resquício após a remoção do óleo por meio de aquecimento em estufa realizado neste trabalho. O terceiro e quarto eventos, nos intervalos de temperatura de 198-321 °C e 321-382 °C, com reduções de massa de 43,99% e 15,80%, compreende a decomposição da hemicelulose e celulose, respectivamente (MELZER et al., 2013). Em temperaturas superiores, o quinto evento é observado, em 424-563 °C, com 7,33% de perda de massa, representando a lenta decomposição da lignina (MELZER et al., 2013). Em 900 °C, é verificado a presença de 18,10% de resíduo como cinzas e materiais carbonáceos (SEBESTYÉN et al., 2020). A amostra ABS exibiu uma perda de massa principal, na região de 310-477 °C com redução de 92,83% de massa referente a decomposição sobreposta do butadieno, estireno e acrilonitrila, respectivamente (ROUSSI et al., 2020). Analisando o comportamento térmico da mistura B3C + ABS é verificado eventos de perda de massa equivalentes com a biomassa e o polímero, no entanto, com mudanças nas regiões de temperatura de decomposição das frações de hemicelulose e celulose. Este mesmo evento foi observado por ROCHA et al., 2020 ao realizar a co-pirólise de casca de amendoim com plástico PEBD. Os autores destacam que nesta região ocorre a fusão do plástico contribuindo para o aumento da temperatura de decomposição das frações biopoliméricas. Ao fim da análise térmica, um resíduo de 3,84% é contabilizado. É notório a diminuição do teor de resíduo quando comparado com a biomassa isolada. Isso se dá devido a presença do plástico ABS que possui alta proporção de hidrogênio carbono (H/C) e baixa proporção oxigênio carbono (O/C) comparado à biomassa lignocelulósica, proporcionando maiores conversões e, consequentemente, melhora na quantidade de produto líquido e redução de resíduo de coque (CHEN et al., 2023).

Figura 1

Curvas TGA/DTG das amostras B3C, ABS e B3C+ABS na \r\nfaixa de temperatura de 30-900 °C, na taxa de \r\naquecimento de 10 °C/min.

Tabela 1

Valores de faixa de temperatura, porcentagem de \r\nperda de massa, temperatura máxima e resíduo a 900 \r\n°C para as amostras B3C, ABS e B3C+ABS.

Conclusões

Pode-se concluir que a biomassa possui comportamento de decomposição térmica típica de um material lignocelulósico, juntamente com a decomposição dos resquícios do principal componente do óleo presente na casca, e ao fim da análise, apresentou valores consideráveis de resíduo de 18,10%. Verificou-se que o plástico ABS apresenta elevada estabilidade térmica ao iniciar sua decomposição em temperaturas relativamente elevadas (<300 °C), justificando seu amplo uso no campo da engenharia civil. A presença do plástico na decomposição da casca de castanha de caju proporcionou mudanças em suas temperaturas de decomposição. No que se refere ao teor de resíduo, houve uma diminuição evidente de 18,10% para 3,84%, sugerindo que a presença do plástico proporciona maior conversão da biomassa em frações líquidas.


Agradecimentos

Ao Programa de Recursos Humanos da ANP - PRH37 pelo suporte financeiro. Aos técnicos do Laboratório de Análises Ambientais Processamento Primário e Biocombustíveis (LABPROBIO - NUPPRAR).


Referências

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