ÁREA
Química Verde
Autores
Cavalcante, J.D.N. (UFRN) ; Simões Silva, L.F. (UFRN) ; Silva Fidelis, J.D. (UFRN) ; Brito dos Santos, M.G. (UFRN) ; Souza, B.F. (UFRN) ; Oliveira, G.B. (UFRN) ; Costa, G.L.V. (UFRN) ; Soares do Bonfim, K. (UFRN) ; Costa Filho, J.D.B. (UFRN) ; Santana Souza, D.F. (UFRN)
RESUMO
O presente trabalho visa o tratamento de biomassas lignocelulósicas, em especial o sabugo de milho, utilizando um equipamento em batelada que viabiliza o processo de obtenção de seus produtos e o torna ambientalmente adequado. O procedimento foi realizado baseado em modelos descritos pela literatura, no qual foi adaptado em menor proporção para uma melhor análise. O experimento feito se baseou no preenchimento de coluna com água destilada e após fechamento do sistema foi aquecida à 180 °C e deixada por 30 minutos. Os experimentos foram capazes de apresentar a eficácia do tratamento em comparação com abordagens previamente divulgadas, alcançando níveis significativos de xilose para a geração de outros compostos. O aparato mostrou-se eficiente apesar da simplicidade de montagem e operação.
Palavras Chaves
tratamento; biomassa; milho
Introdução
As biomassas lignocelulósicas fornecem uma via alternativa para a produção de combustíveis e de variados produtos químicos de alto interesse para a indústria química. A composição estrutural dos rejeitos agrícolas nos permite extrair tanto açúcares de fácil fermentabilidade, como também a de compostos fenólicos oriundos da quebra dos seus polímeros constituintes. O manuseio desses rejeitos em meio industrial se torna dificultado pela cristalinidade da celulose e suas interações com os outros polímeros (hemicelulose e lignina), uma etapa de pré- tratamento da biomassa é então adicionada no processo para suavizar essa dificuldade (RUIZ et al., 2020). O pré-tratamento hidrotérmico é um tipo de processamento em que se utiliza de água para romper essa recalcitrância da biomassa, por meio de um sistema pressurizado à altas temperaturas (150 a 220 °C). Os compostos que podem ser obtidos a partir dos tratamentos variam a partir do polímero degradado. Glicose fermentável é formada a partir da celulose, xilooligossacarídeos (XOS) da hemicelulose e fenóis a partir da lignina. Este tratamento age através da formação, nas condições trabalhadas, de íons hidrônio (H_3 O^+) que atuarão como catalisadores nas quebras das moléculas (BATISTA et al., 2019). A maioria dos tratamentos necessitam do uso de diferentes tipos de solventes, sejam orgânicos, inorgânicos ou vapor d’água, que acrescentam ao processo de etapas de purificação e secagem, o tratamento hidrotérmico não necessita de tais etapas, facilitando sua utilização (YUE et al., 2022). Além das facilidades na operação, o uso exclusivo de água como solvente torna o tratamento ambientalmente correto, visto que os únicos produtos a saírem da etapa são os açúcares e um pequeno percentual de lignina dissolvida na água e compostos biodegradáveis (BIANCO; ŞENOL; PAPIRIO, 2021). O Brasil se destaca no cenário mundial para a aplicação e utilização da biomassa lignocelulósica em virtude da sua enorme produção agrícola e extensas terras cultiváveis. Uma quantidade significativa da biomassa gerada na produção de alimentos não é aproveitada para o consumo final, gerando resíduos que seriam descartados sem utilidade, como no caso da palha da cana de açúcar, casca do coco e sabugo do milho (NOGUEIRA, 2021). Como uma alternativa de se utilizar tais rejeitos, torna-se interessante estudar a viabilidade e a produção de compostos químicos de interesse a partir do tratamento correto dessa biomassa. O trabalho possui o interesse de se propor um aparato em batelada capaz de se realizar o pré- tratamento hidrotérmico de biomassa e realizar a análise dos produtos obtidos por meio do tratamento do sabugo de milho em um sistema fechado em condições brandas de tratamento, à 180 °C por 30 minutos em ambiente pressurizado entre 350 e 450 psi.
Material e métodos
A elaboração de aparato foi realizada a partir da busca por processos similares em uso na literatura. O procedimento em escala de bancada abordada por Ruíz et al. (2012) e Rosero-Chasoy et al. (2023) serviram de modelo de aparato para a construção, entretanto o modelo foi feito em escala menor, visto que a literatura apresenta materiais capazes de suportar volumes de meio superiores a 3 L. A Figura 1 demonstra um esquema representativo do aparato construído no laboratório. O sabugo de milho utilizado foi coletado na zona rural do município de Cajazeiras, Paraíba. Para a realização dos experimentos se utilizou de uma massa de 1,04 gramas da biomassa do sabugo de milho triturada e colocada dentro da coluna reativa. Após medição e acoplamento da coluna no sistema da Figura 1, a bomba foi ligada (vazão de 1 mL/min) de modo a preencher toda o aparato com água destilada. Após preencher o sistema, a válvula no fim da linha foi fechada. Após o sistema atingir uma pressão interna de 100 psi, a válvula inicial foi fechada e a bomba desligada. Com o sistema já pressurizado aqueceu-se a coluna no forno à uma temperatura de 180 °C, iniciando-se a contagem de 30 minutos. Ao final do tempo, abriu-se a válvula 2 para alívio de pressão e posteriormente a válvula 1, acompanhada do acionamento da bomba para retirada do liquor do tratamento. A passagem do material é resfriada em banho de gelo antes de ser liberada, para condensação do vapor. A coleta de 20 mL de liquor do tratamento fornece um tratamento com 5% de carga de sólidos. A recuperação do XOS foi feita da hidrólise ácida do licor. 2 mL de liquor foi diluído em água destilada com ácido sulfúrico (pH 0,9) e autoclavado por 1 hora. A análise dos compostos foi realizada via HPLC, coluna Shim-Pack SCR-101H (Shimadzu, Japão), à 50 °C. Com fase móvel à uma taxa de 0,6 mL/min de uma solução 5mM de ácido sulfúrico.
Resultado e discussão
A construção do aparato experimental se baseou nos aparatos descritos por
Rosero-Chasoy et al. (2023) e por Ruíz et al. (2020) que abordam sistemas
robustos em termos de tecnologia e capacidade de produção. Ambos os processos
inspiraram a construção do sistema em bancada de baixa escala do aparato
simplificado do tratamento hidrotérmico, com intuito exclusivo de produção de
compostos de alto valor agregado derivados da degradação da hemicelulose.
O sistema proposto, representado pela Figura 1, é composto a partir de uma bomba
peristáltica de alta potência, capaz de atingir pressões de 1500 psi. Conectada
à bomba pela tubulação temos a válvula 1 e um manômetro que mostrará a variação
da pressão interna do sistema com o aumento da temperatura e com o andamento da
reação. O sistema de aquecimento na qual se encontra a coluna reativa é formada
por uma série de resistências acopladas em um forno de cerâmica controladas por
um sistema de controle PID. Na saída do sistema, a tubulação passa por um
resfriamento em recipiente com água gelada, para evitar perda de material com o
vapor na saída. Antes da saída temos a válvula 2, que é a responsável por fechar
o sistema, juntamente com a válvula 1, durante o processo de tratamento.
Apesar de sua simplicidade, o sistema nos permite que sejam realizados os
tratamentos sem necessidade de grandes e robustos aparatos como os demonstrados
pela literatura. A versatilidade dos tratamentos, dentro dos limites de
aquecimento do forno e da pressão do sistema, está limitada apenas pela
disponibilidade de recursos do operador. O uso de variados tipos de solventes
permite a produção não somente de XOS, mas de outros açúcares e de compostos
fenólicos. O sistema permite o uso de biomassa em tratamento ácido, alcalino ou
solvotérmico sem haver a necessidade de troca de equipamentos ou substituição
total dos já instalados. A ampliação do processo estaria sujeita apenas à
substituição da coluna, mantendo-se as configurações restantes.
O aparato montado é barato, simples e versátil de ser utilizado, em contraste
com os aparatos já apresentados na literatura. O sistema contínuo apresentado
por Ruíz et al. (2020), mostrado na Figura 2.A, é utilizado para o fracionamento
da biomassa lignocelulósicas na Universidade Autônoma de Coahuila, México, e
apresenta uma versatilidade na sua utilização, atuando desde para tratamentos
hidrotérmicos até explosão à vapor. Entretanto, apesar de sua versatilidade, o
sistema exige um sistema de controle para a operação muito robusto e de elevado
custo, inviabilizando sua utilização em sistemas mais simplificados em
laboratório. Seu uso estaria mais apto à utilização em meio industrial. Apesar
disso, a problemática envolvendo à utilização de meios ácidos e possível
substituição dos equipamentos devido ao desgaste torna o processo cada vez mais
ostensivo.
O aparato utilizado por Rosero-Chasoy et al. (2023) foi utilizado no tratamento
hidrotérmico da biomassa de microalgas para extração de açúcares. O processo
apresenta resultados significativos frente à produção de açúcares, com baixa
energia gasta (140 °C), porém é bastante restritivo ao uso com outras matérias
primas. A produtividade de 140 g/L de açúcares totais produzido pelo aparato,
contrasta com um máximo de 160 °C que poderia ser utilizado no sistema,
inviabilizando uma maior severidade no processo, que permitiria uma maior
produção de compostos de interesse industrial. O alto valor de custos também
seria necessário para funcionalizar a operação.
O processo de tratamento da biomassa foi realizado em uma condição de 180 °C por
um período de 30 minutos. As condições de tratamento foram escolhidas com base
na literatura, considerando condições mais brandas de operação. O tratamento
hidrotérmico ocorre a partir da geração dos íons hidrônio (H_3 O^+) no meio
devido às altas temperatura e pressão existente (BATISTA et al., 2019). A partir
desses cátions altamente reativos, uma interação entre eles e os grupos
funcionais dos polímeros constituintes da biomassa (celulose, hemicelulose e
lignina), promovem reações de despolimerização e degradação em monômeros
simples. O tratamento hidrotérmico em baixas condições como o realizado
proporciona a quebra da cadeia mais amorfa, a hemicelulose, em XOS (ASHOKKUMAR
et al., 2022). Tais podem ser utilizados como compostos fármacos para aumento da
imunidade humana e maior absorção de nutrientes do organismo (MENEZES; DURRANT,
2008). O tratamento, entretanto, não demonstrou um alto teor de XOS,
apresentando apenas a presença de ácido fórmico e ácido acético, 0,025 g/L e
0,123 g/L, respectivamente. A presença desses compostos indica que a severidade
do tratamento foi elevada, degradando os XOS em sua totalidade (RUIZ et al.,
2020). Após recuperação dos XOS durante a hidrólise ácida do liquor, observou-se
uma concentração de 3,88 g/L de xilose, 0,51 g/L de glicose e 0,67 g/L de
arabinose.
A produção de xilose pode ser considerada interessante, visto que a carga de
sólidos utilizadas durante o tratamento é de 5% (m/v). Gullón et al. (2018)
utilizando a casca da castanha, material rico em XOS, alcança uma produção de
2,8 g/L à 210 °C, com tratamento à 10% (m/v). O processamento proposto é mais
efetivo que o processamento convencional, mesmo trabalhando em condições mais
brandas de operação. Para uso direto em meio industrial, a produção de XOS a
partir do processamento hidrotérmico do sabugo de milho se mostra interessante
frente a outros processos e outras biomassas devido a valorização do produto
que, segundo Yue et al. (2022), pode atingir entre 2 a 7 euros por quilograma.
O aparato construído com o intuito do tratamento hidrotérmico da biomassa
permite que seu uso possa ser expandido para outros tipos de tratamentos, como
ácido, básico e solvotérmico a depender do tipo de solvente utilizado e do
material que se deseja obter ao fim do processo.
Conclusões
O uso do aparato experimental proposto se mostra promissor em virtude do que já é demonstrado na literatura, conseguindo propor um eficiente processamento de biomassas lignocelulósicas. A rota de um aparato mais simplificado reduzindo a complexidade de malha de controle e facilidade de operação permite também uma maior versatilidade de tratamentos. Os experimentos também conseguem demonstrar a eficiência dos tratamentos frente a outros já publicados, atingindo níveis interessantes de xilose para a produção de outros compostos rentáveis.
Agradecimentos
Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) pelo suporte por meio da concessão de bolsas e pelo apoio financeiro fornecido.
Referências
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