ÁREA
Química de Produtos Naturais
Autores
Infante, A.B.S.V.N. (UESB) ; de Carvalho, A.L. (UESB) ; Cruz, M.P. (UFBA) ; Moreira, B.O. (UFBA)
RESUMO
O gênero Passiflora é amplamente cultivado no Brasil, onde é conhecido popularmente como maracujá. Dentro desse gênero, a P. cincinnata destaca-se como uma espécie nativa do semiárido, exibindo notável resistência ao estresse hídrico prevalente no bioma da caatinga. Suas vantagens nutricionais levaram à sua inclusão na medicina tradicional para o tratamento de ansiedade, insônia, dor, distúrbios inflamatórios e hipertensão. No presente trabalho a composição química do óleo essencial (OE) do caule de P. cincinnata coletados no semiárido da Bahia foi analisado por CG-EM. Os principais componentes encontrados foram α- Pineno (11,2%), β-cariofileno (8,2%) e o β-Pineno (6,6%). É importante destacar que este estudo representa o primeiro relato da análise da composição química do OE desta espécie.
Palavras Chaves
Passiflora cincinnata; Óleo essencial; α-Pineno
Introdução
O maracujá é um fruto tropical nativo da América, pertencente à família Passifloraceae, que possui cerca de 17 gêneros e 700 espécies. No Brasil, ocorre a incidência de quatro gêneros, que estão presentes em todas as regiões do país, contendo cerca de 142 passifloras, dentre as quais, 38 são endêmicas, o gênero Passiflora é considerado o mais importante (GOMES et al, 2017). As espécies Passiflora edulis e Passiflora cincinnata Mast., conhecidas como maracujá amarelo e maracujá do mato ou maracujá da caatinga, respectivamente, despontam como as mais populares no país. Os seus frutos são comercializados tanto in natura quanto na forma de polpa concentrada. Além de suas propriedades nutricionais, as passifloras têm sido empregadas na medicina tradicional, abrangendo comunidades indígenas, rurais e urbanas, para tratar condições como ansiedade, insônia, dor, distúrbios inflamatórios e hipertensão (Li et al., 2011; Souza et al., 2014; Yazbek et al., 2016). A rica atividade biológica dessas espécies decorre da profusão de nutrientes presentes nas diversas partes das plantas, tais como Potássio, Ferro, Cálcio, Vitaminas A, C e complexo B, fibras, alcaloides, saponinas, ácido cianogênico, flavonoides C-glicosídeos e ácidos fenólicos (RIBEIRO et al, 2020) (Muschener et al., 2012; Costa et al., 2016; Woscha et. al., 2016). Além de sua utilidade na medicina popular, os maracujás encontram aplicação na indústria farmacêutica, na produção de fitoterápicos, e na indústria cosmética, que incorpora extratos e óleos essenciais em produtos para cabelo e pele. Com tamanha versatilidade, o gênero Passiflora figura como uma das plantas mais cultivadas no Brasil, especialmente na região Nordeste (OLIVEIRA et al, 2021). O maracujá amarelo (P. edulis), conhecido como maracujá azedo, destaca-se pelo seu potencial comercial, enquanto o maracujá do mato é consumido predominantemente no semiárido Nordestino, sua região nativa. Apesar de ser menos popular em outras regiões do Brasil, o maracujá do mato se mostra mais resiliente a variações hídricas e, também, possui diversas aplicações medicinais (RIBEIRO et al, 2020). Apesar dos inúmeros estudos fitoquímicos abordando várias espécies de maracujá, este trabalho apresenta a primeira análise da composição química dos componentes voláteis de P. cincinnata. Assim, este trabalho investigou as substâncias voláteis presentes no caule do maracujá do mato endêmico do semiárido nordestino, coletado em seu habitat natural em Vitória da Conquista, Bahia.
Material e métodos
- Material Vegetal Caules de P. cincinnata foram coletados em dezembro de 2022 na cidade Vitória da Conquista, Bahia, Brasil (coordenadas: S 14°55'53,0"; O 40°48'32,2"). Um exemplar voucher (HUESBVC 9957) foi depositado no Herbário da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Campus de Vitória da Conquista. - Extração do óleo essencial Os caules frescos (1045 g) foram cortados em pedaços e submetidas à hidrodestilação por 4 horas, a partir do início da ebulição da água, em aparelho tipo Clevenger modificado. Os óleos foram secos utilizando-se sulfato de sódio anidro. Os óleos essenciais obtidos apresentam coloração amarelada e odor característico. Os óleos foram armazenados em um frasco âmbar envolvidos em papel alumínio, protegido da luz e mantido sob refrigeração a -2° C até análise por CG-EM. - Análise da composição química do óleo essencial As análises de Cromatografia Gasosa acoplada a Espectrometria de Massa (CG-EM) foram realizadas em triplicata no aparelho QP2010SE (GC2010 Plus) da marca Shimadzu, usando coluna capilar de sílica fundida Rtx-5MS (30 m; 0,25 mm de diâmetro interno; filme de 0,25 μm) e hélio como gás de arraste, com um fluxo de 1,52 mL/min (velocidade linear de 44,4 cm/s). A temperatura do injetor foi de 220 °C e a programação de temperatura do forno foi: 40 °C por 1 min, aumentando de 40 °C a 220 °C na razão de 4 °C/min, em seguida um aumento de 220 °C a 280 °C na razão de 20 °C/min, a temperatura final permaneceu em 280 °C por 4 minutos. A injeção de 1,0 μL da amostra (5% em diclorometano) foi realizada em modo split, proporção de divisão 1:1. O detector de massas operou com ionização por impacto eletrônico a 70 eV, a temperatura da fonte de ionização e da linha de transferência foram de 200 e 285 ◦C, respectivamente. Os espectros de massa foram obtidos por varredura automática a cada 0,84 s, com fragmentos de massa na faixa de 40 – 700 m/z. A identificação das substâncias foi realizada por meio da comparação dos espectros de massas das amostras, com aqueles existentes no banco de dados do aparelho (NIST 08, FFNSC1.3 e WILEY8).
Resultado e discussão
Na Figura 1, apresentamos o cromatograma de Cromatografia Gasosa acoplada à
Espectrometria de Massas (CG-EM) do óleo essencial (OE) extraído do caule do
maracujá do mato através de hidrodestilação. A análise minuciosa dos componentes
voláteis presentes nesse óleo possibilitou a identificação de 100 substâncias,
das quais os hidrocarbonetos monoterpênicos α-Pineno e β-Pineno, juntamente com
o hidrocarboneto sesquiterpênico β-cariofileno, emergiram como os componentes
majoritários, com áreas relativas correspondentes a 11,2%, 6,6% e 8,2%,
respectivamente.
No estudo conduzido por Arriaga et. al. (1997) foi observado que os principais
constituintes voláteis das cascas dos frutos de P. edulis foram tridecan-2-ona
(62.1%) e ácido (9Z)-octadec-9-enoico (16.6 %) substâncias que não foram
encontradas no OE do caule do maracujá do mato.
Em 1992, Buchbauer e Jirovetz exploraram a composição química do óleo essencial
de P. incarnata, identificando cerca de 160 substâncias diferentes, revelando
uma natureza química notavelmente complexa do OE da planta. Os resultados
mostraram que os principais componentes foram carvona (8,1%) e o ácido palmítico
(7,3%). No OE do caule de P. cincinnata também foi identificado um elevado
número de substâncias (100), corroborando com a complexidade química constatada
no maracujá examinado por Buchbauer e Jirovetz (1992). Contudo, carvona e ácido
palmítico não foram identificados no OE de P. cincinnata.
Della Cuna et. al. (2018) analisaram a composição do OE das folhas e flores de
P. mucronata, uma espécie Brasileira polinizada por morcegos. Os componentes
majoritários foram fitol (25,7%) e pentacosano (27,4%) para as folhas, enquanto
o linolenato de etila (38,3%) e o heneicosano (17,6%) predominaram nas flores.
Dentre essas substâncias, apenas pentacosano foi encontrada no OE do caule do
maracujá do mato, mas em pequena quantidade (0,38%).
O estudo de Olaoluwa (2019) demonstrou que os principais constituintes químicos
do OE de P. foetida foram fitol e (7Z,10Z)-hexadeca-7,10-dienal no caule, e
oleamida e trans-eicos-3-eno no fruto, substâncias que não foram encontradas no
OE do caule de P. cincinnata. Ainda no trabalho em análise foi observado que o
OE da fruta apresentou maior atividade antioxidante que o OE do caule. Além
disso, o OE do caule de P. foetida exibiu forte atividade contra Staphylococcus
aureus na dose de 50 mg/mL.
Diante do exposto, concluímos que uma análise criteriosa da literatura revelou
que o OE de P. cincinnata possui um perfil químico bem distinto em relação a
outras espécies do gênero Passiflora que já foram objeto de investigação,
realçando a relevância do presente estudo. Adicionalmente, os hidrocarbonetos
monoterpênicos α-pineno e β-pineno que estão entre os componentes principais do
OE do maracujá do mato, detêm um reconhecido valor nas indústrias farmacêutica,
nutracêutica e de cosméticos.
Cromatograma obtido por Cromatografia Gasosa \r\nacoplada à Espectrometria de Massas do óleo \r\nessencial extraído do caule de Passiflora cincinnata
Conclusões
Esse é o primeiro relato da extração e análise dos constituintes químicos do óleo essencial obtido por hidrodestilação do caule fresco de Passiflora cincinnata. A análise empregando CG-EM possibilitou concluir que os componentes predominantes no óleo essencial foram os hidrocarbonetos monoterpênicos α-Pineno (11,2%) e β-Pineno (6,6%), além do hidrocarboneto sesquiterpênico β-cariofileno (8,2%). Em comparação com os óleos essenciais de outras espécies do gênero Passiflora o óleo volátil extraído do maracujá do mato apresenta um perfil químico bem diferente.
Agradecimentos
Agradecemos a FAPESB pelo apoio concedido na forma de bolsa de mestrado para Infante, A. B. dos S. V. N.
Referências
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