A METÁFORA DA BIPIRÂMIDE TRIANGULAR (MBT): UMA AVALIAÇÃO DOS CINCO NÍVEIS DE REPRESENTAÇÃO DA QUÍMICA

ÁREA

Ensino de Química


Autores

da Silva Júnior, C.A. (IFPB) ; Ferraz, J.M.S. (IFPB) ; Velozo, M.C.S. (IFPB) ; Campos, J.L.C. (IFPB) ; Amaral, F.R.C.A. (IFPB) ; de Souza, N.S. (IFPB) ; de Figueiredo, A.M.T.A. (IFPB)


RESUMO

A Química precisa se tornar uma disciplina mais acessível e inclusiva. Assim, desenvolveu-se a Metáfora da Bipirâmide Triangular (MBT), que implementa a inclusão como aspecto crucial no Ensino de Química. Nesse sentido, a presente pesquisa buscou relatar uma avaliação qualitativa e participante na aplicação dos cinco níveis de representação da MBT. Esse estudo consistiu em 5 momentos de verificação: macroscópico, simbólico, submicroscópico, elemento humano e inclusão. Os resultados destacaram a importância da experimentação, contextualização, boa didática na análise da simbologia Química e das demandas de acessibilidade no Ensino de Química. Portanto, conclui-se que a MBT pode ser fundamental para tornar a educação científica mais acessível e promover uma sociedade mais consciente.


Palavras Chaves

inclusão; química verde; ensino de química

Introdução

A educação, direito de todos, visa o pleno desenvolvimento do indivíduo e o prepara para o exercício como cidadão (BRASIL, 1988). Nesse sentido, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) - Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015 - é destinada a assegurar e a promover, em igualdade de condições, o pleno exercício dos direitos e das liberdades fundamentais das Pessoas com Deficiência (PcDs), com o propósito de promover sua inclusão social e cidadania (BRASIL, 2015). Por conseguinte, Weizenmann, Pezzi e Zanon (2020) elucidam que, após a promulgação da LBI, notou-se um aumento significativo nas taxas de alunos com deficiência matriculados em escolas de ensino regular. Considerando esse crescimento, é fundamental compreender que a permanência de PcDs nas escolas regulares não é, por si só, garantia de sua inclusão efetiva. Amiralian (2005) destaca um ponto relevante a ser assinalado: a diferença entre os termos integração e inclusão. Enquanto o termo integração implica um processo que visa a assimilação e integridade, inclusão sugere uma compreensão mais profunda, abrangendo a ideia de envolvimento e pertencimento (AMIRALIAN, 2005). Dessa forma, a integração se refere ao processo de incorporar alguém em um determinado ambiente, enquanto a inclusão diz respeito ao processo de ser acolhido e participar plenamente de um grupo, evitando a exclusão. É importante ressaltar que integração e inclusão não são termos opostos, uma vez que a integração pode servir como um caminho para dar lugar a verdadeira inclusão. No que diz respeito ao ensino das Ciências, Benite, Benite e Vilela-Ribeiro (2015) retomam a concepção de cidadania, que se refere à participação efetiva dos indivíduos, independentemente de terem especificidades educativas especiais ou não. Isso evidencia a importância do ensino das Ciências, pois desempenha um papel fundamental na capacitação do cidadão para se tornar protagonista no mundo em que vive. Dentro desse contexto, o debate em torno da Inclusão no Ensino de Química (IEQ) indica a urgente demanda por novas perspectivas para fornecer soluções para um processo educacional mais crítico e assistencial (SOUZA et al., 2022; VELOZO et al., 2023; DA SILVA JÚNIOR, 2023). Como destacado por Velozo e colaboradores (2022, p. 2), “a Química é uma ciência fundamental para o desenvolvimento humano e está presente em diversas áreas da sociedade”. Por conseguinte, a IEQ emerge como tópico de relevância, uma vez que representa uma abordagem emancipadora que busca estabelecer uma comunidade científica mais inclusiva. Com base nisso, surge a seguinte indagação: como podemos, efetivamente, tornar a Química mais inclusiva? Segundo Da Silva Júnior (2023), os níveis de representação da Química, proposto por Alex H. Johnstone, são estruturados com base em um modelo triangular que abrange os níveis macroscópico, submicroscópico e simbólico (JOHNSTONE, 1993). Posteriormente, Peter Mahaffy aprimorou esse modelo, transformando-o em um tetraedro, onde o quarto vértice representava os aspectos humanos relacionados à Química (MAHAFFY, 2006), propondo, assim, uma nova metáfora conceitual que enriqueceu a compreensão a respeito do EQ. No entanto, percebeu-se que a inclusão não fazia parte nem do triângulo de Johnstone nem do tetraedro de Mahaffy. Diante disso, desenvolveu-se uma nova representação pictórica, a Metáfora da Bipirâmide Triangular (MBT), que considera a inclusão como o quinto vértice de representação da Química, com o intuito de promover a conscientização da IEQ (DA SILVA JÚNIOR, 2023). Freire (2008) descreve a inclusão como um movimento que abrange não apenas o campo educacional, mas também os aspectos sociais e políticos. No contexto educacional, a inclusão defende o direito de cada aluno desenvolver suas potencialidades e adquirir competências através de uma educação que leva em consideração as necessidades, os interesses e as características individuais de cada aluno. Sob essa ótica, a inclusão, como vertente do EQ, promove o acesso ao conhecimento científico para todos, a fim de garantir um ensino adaptado e inclusivo. A MBT ilustra que a Química pode ser representada em cinco níveis: macroscópico (representação fenomenológica), simbólico (representação comunicativa), submicroscópico (representação teórica), elemento humano (representação do contexto humano) e inclusão (representação acessível/inclusiva), que são considerados juntos como níveis de representação da Química (DA SILVA JÚNIOR, 2023). Em decorrência disso, o presente trabalho apresenta uma proposta de intervenção pedagógica fundamentada na concepção de um projeto desenvolvido a partir da temática Química Verde. O objetivo principal foi avaliar a aplicação dos 5 (cinco) níveis da Metáfora da Bipirâmide Triangular (MBT) no Ensino de Química, para uma turma inclusiva.


Material e métodos

O presente trabalho descreve uma pesquisa de intervenção pedagógica realizada através de uma abordagem qualitativa de cunho participante. Segundo Martins (2004) o método qualitativo desafia o pesquisador a realizar uma análise detalhada de microprocessos, estudando ações sociais, individuais e grupos. Zanella (2011, p. 100) explica que, na abordagem em questão, o papel do pesquisador “não pode ser substituído por nenhuma outra técnica: é ele quem observa, seleciona, interpreta e registra os comentários e as informações do mundo natural”. Nessa perspectiva, a metodologia participante, permite que o investigador não apenas examine passivamente o ambiente observado, mas também se torne parte do contexto estudado (MÓNICO et al., 2017). O universo da pesquisa abrangeu uma turma inclusiva do 3º ano do Curso Técnico Integrado ao Ensino Médio de Controle Ambiental, do IFPB - Campus João Pessoa, composta por 36 (trinta e seis) estudantes, sendo 33 (trinta e três) ouvintes e 3 (três) alunas surdas. Nessa turma, ocorreu a aplicação do projeto que considera os 5 (cinco) níveis da Metáfora da Bipirâmide Triangular (MBT): (1) Macroscópico; (2) Simbólico; (3) Submicroscópico; (4) Elemento Humano; (5) Inclusão. Assim, por meio de uma análise qualitativa, cada um dos aspectos foi avaliado em momentos distintos. No momento 1, foi o nível Macroscópico, no Momento 2, nível Simbólico, no momento 3, nível submicroscópico, no momento 4, nível intitulado de elemento humano, e por fim, no Momento 5, nível cunhado de inclusão. A equipe de pesquisa era constituída por 7 (sete) pesquisadores, dos quais 3 (três) são docentes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba - IFPB, provenientes dos Campi João Pessoa, Sousa e Cabedelo, sendo um destes docentes, intérprete de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Além disso, a equipe incluiu 3 (três) estudantes ouvintes e 1 (um) estudante surdo do curso de Licenciatura em Química do IFPB, Campus João Pessoa. Vale mencionar que projeto em tela foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do IFPB, que desempenha um papel fundamental em garantir que a pesquisa seja conduzida de maneira ética, protegendo os direitos e o bem-estar dos participantes, bem como garantindo a conformidade com as normas éticas e legais. Essa aprovação foi concedida segundo o número de Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE): 68244423.8.0000.5185, conforme regulamenta a Resolução n° 466 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde - CNS (BRASIL, 2012).


Resultado e discussão

Momento 1: Nível Macroscópico. De acordo com os segmentos do procedimento metodológico da presente pesquisa, o trabalho procurou utilizar em todas as etapas e ações a MBT e seus níveis de representação. Nesse ensejo, no que se refere ao aspecto macroscópico foi pensado, desde o planejamento e idealização do projeto, a implementação de uma representação fenomenológica, mediante a demonstração prática no laboratório. A dimensão experimental é indispensável para o ensino da Química, pois desempenha um papel fundamental no processo de ensino e aprendizagem dos estudantes (FAITANINI; BRETONES, 2021). Na Química Orgânica (QO), é amplamente estudada a utilização de solventes e compostos orgânicos, que em sua maioria são tóxicos, uma vez que muitas reações envolvem substâncias que podem ser prejudiciais à saúde e ao meio ambiente (GOMES et al, 2018). Nesse contexto, a prática experimental não apenas serve como um meio de aprendizado conceitual, mas também tem o propósito de conscientizar os discentes quanto à utilização e a produção responsável de reagentes no laboratório. Dessa forma, mediante à breve análise na literatura, foram obtidos resultados que permitiram a identificação de alternativas embasadas relativas ao nível macroscópico da MBT na área da QO. Na Tabela 1, estão apresentadas algumas das sugestões e abordagens encontradas na pesquisa bibliográfica. Nos artigos mencionados na Tabela 1, as práticas laboratoriais seguiram uma abordagem centrada na realização de sínteses orgânicas que priorizam a utilização de materiais menos nocivos ao meio ambiente e a substituição de solventes tóxicos por alternativas mais sustentáveis. Essa ênfase na QV é fundamental para reduzir o impacto ambiental das atividades químicas e promover práticas mais responsáveis nos laboratórios. Momento 2: Nível Simbólico. O segundo nível da MBT analisado na pesquisa foi o simbólico. Com isso, verificou-se uma representação mais comunicativa relativa ao estudo das equações químicas, que, de acordo com Chang (2010), são as representações gráficas, matemáticas e simbólicas das reações químicas. Esses modelos, especialmente no âmbito da QO, são desenvolvidos de forma complexa e extensa, o que acaba por dificultar o entendimento dos estudantes em conteúdos subsequentes da disciplina citada. Esses fatores podem ser encarados por muitos professores como meros detalhes, porém, tais questões precisam ser bem assimiladas pelos estudantes para a obtenção de um aprendizado completo. Diante dessa análise, a QV propõe a aplicação de sínteses mais curtas, que ocorram em poucas etapas e utilizem poucos reagentes, visando a fabricação de apenas um produto final de forma pura, ou seja, que não necessite de compostos para separação, tratamento e/ou descarte de subprodutos (ANASTAS; WARNER, 2000; TAVARES et al., 2022). Nesse viés, foi verificado que, por essas reações possuírem uma representação mais objetiva e condensada, o entendimento de suas etapas e elementos é identificado de uma maneira mais simples, facilitando o ensino e a aprendizagem relativos ao nível simbólico presentes nos estudos da Química Orgânica. A Figura 1 demonstra as diferenças entre Reações Químicas tradicionais em comparação com as sínteses verdes. Diante dessas avaliações, o segundo nível da MBT foi aplicado na proposta em questão com uma representação aprimorada das equações químicas. Por meio desse resultado, foi possível analisar como a aplicação dos princípios da QV se revela de extrema importância no ensino da Química (DA SILVA JÚNIOR, FIGUEIREDO, 2018). A ênfase na simplificação e na eficiência das sínteses, bem como na minimização do impacto ambiental, proporcionou uma abordagem mais didática, demonstrando como os conceitos da QV podem ser integrados de forma prática e significativa no contexto educacional (DA SILVA JÚNIOR, JESUS, GIROTTO JÚNIOR, 2022). Momento 3: Nível Submicroscópico. No que se refere ao nível submicroscópico, foi explorada a utilização de animações moleculares. Essa etapa foi conduzida por meio do software Microsoft PowerPoint, escolhido devido à sua ampla familiaridade e uso entre a maioria dos professores na criação de apresentações de slides. Além disso, esse programa também oferece uma variedade de ferramentas que possibilitam a criação de materiais mais dinâmicos, incluindo a aplicação de recursos de animações. Com essas ferramentas, a explicação do nível simbólico se torna mais prática, uma vez que facilita a visualização microscópica das reações químicas dentro de um contexto didático-pedagógico. Para isso, um modelo genérico de equação química, tradicionalmente voltado para uma abordagem mais convencional, foi transformado em uma reação sob a perspectiva da QV. A fim de garantir esse aspecto de interatividade, foi utilizado o recurso de “animações”. Para criar essa animação, bastou selecionar as equações e escolher uma ou mais animações disponíveis no programa. Esses processos demonstraram ser resultados eficientes para a aplicação da MBT, destacando a importância da implementação das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) no ensino de Química. Além disso, ressaltam como essas abordagens auxiliam na criação de aulas mais dinâmicas e interativas, aproximando os conceitos químicos do nível submicroscópico ao simbólico, tornando o aprendizado mais envolvente e eficaz. A combinação da MBT com recursos tecnológicos ilustra como a inovação pedagógica pode aprimorar o entendimento dos estudantes e promover uma educação mais eficiente. Momento 4: Nível de Elemento Humano. Neste estágio da pesquisa, houve uma consideração cuidadosa dos fatores culturais e socioeconômicos dos estudantes, resultando na escolha de temáticas alinhadas com o perfil da turma, composta por alunos do Ensino Médio integrados a um curso Técnico em Controle Ambiental. A ênfase nas dimensões socioambientais da disciplina de Química é fundamental para a formação técnica desse público. Nesse ensejo, a contextualização desempenhou um papel essencial, conectando os conceitos científicos com situações do cotidiano e destacando como a Química pode abordar questões ambientais e sociais (COELHO; LIMA, 2020; HIRAYAMA; PORTO, 2021). Essa abordagem promove uma educação mais envolvente e consciente, preparando os estudantes não apenas como alunos, mas como cidadãos responsáveis e críticos. Momento 5: Nível de Inclusão Por fim, o nível de inclusão foi ampliado na pesquisa, abrangendo desde a produção de recursos didáticos mais acessíveis até a participação ativa dos membros da Comunidade Surda (CS) em todas as aplicações do projeto de pesquisa. A CS esteve presente tanto na turma inclusiva quanto no grupo de pesquisa. Essa participação foi fundamental na concepção e implementação do projeto, possibilitando intervenções e perspectivas que consideraram as necessidades e pontos de vista dos estudantes, contribuindo para sua emancipação no contexto acadêmico. Assim, como indicado por Santos et al. (2020), a inclusão não pode ser dissociada do ensino da Química, enfatizando a importância de tornar a educação científica acessível a todos os alunos, considerando suas particularidades.

Tabela 1 – Sugestões de experimentos de QO relacionados aos princípios

Fonte: Autoria própria (2023)

Figura 1 – Representações simbólicas das sínteses.

Fonte: Autoria própria (2023)

Conclusões

No Brasil, já existem leis que regulamentam a educação de pessoas com deficiência, garantindo seus direitos e promovendo um avanço significativo ao expandir o acesso desses alunos às escolas de ensino regular. No entanto, é fundamental compreender que a mera integração desses alunos no ambiente escolar não assegura sua verdadeira inclusão. Assim, no que se refere aos estudantes surdos, é crucial atentar-se ao desenvolvimento e à disponibilização de recursos didáticos adaptados às suas necessidades individuais. Isso é essencial para promover um aprendizado eficaz e a participação ativa desses alunos em sala de aula. Dentro desse contexto, a Metáfora da Bipirâmide Triangular (MBT) surge como uma alternativa inovadora que visa assegurar a todos o acesso ao Ensino de Química, uma ciência essencial para o desenvolvimento humano. Não se cabe ensinar Química sem abordar os níveis simbólico, macroscópico, submicroscópico e social, e a MBT reforça que o nível Inclusão é igualmente indispensável. Em suma, a presente pesquisa almeja se tornar uma contribuição substancial à luta pela Educação Inclusiva e, principalmente, para a Inclusão no Ensino de Química, ao abranger os cinco níveis de representação da Química por meio da MBT. Enquanto pesquisa científica, este trabalho busca oferecer uma perspectiva valiosa e inovadora para a comunidade pedagógica. Por fim, a presente pesquisa acredita que a MBT tem potencial de ser chave para tornar a educação científica mais acessível, promovendo uma sociedade mais consciente e sustentável.


Agradecimentos

Ao IFPB e aos estudantes participantes desta pesquisa.


Referências

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