A METÁFORA DA BIPIRÂMIDE TRIANGULAR: UMA PERSPECTIVA DE INOVAÇÃO NO ENSINO INCLUSIVO DA QUÍMICA

ÁREA

Ensino de Química


Autores

Ferraz, J.M.S. (IFPB) ; Velozo, M.C.S. (IFPB) ; Agra, F.R.C. (IFPB) ; Campos, J.L.C. (IFPB) ; de Souza, N.S. (IFPB) ; da Silva Júnior, C.A. (IFPB) ; de Figueirêdo, A.M.T.A. (IFPB)


RESUMO

A Educação é um direito de todo cidadão. No entanto, nem todo indivíduo tem acesso à educação, principalmente, as pessoas com deficiência, dentre eles, os surdos. Assim, surge a Educação Inclusiva (EI) que promove a inclusão e sugere adequações na metodologia de ensino para várias áreas do conhecimento, como a Química. Nesse sentido, a partir de uma metodologia qualitativa participante, o estudo propõe um modelo de intervenção baseado na Metáfora da Bipirâmide Triangular (MBT), que incorpora a inclusão como fator primordial no ensino de Química. Os resultados da pesquisa expõem que a MBT representa um passo à frente na promoção do ensino inclusivo dessa Ciência, dando significância aos aspectos da Comunidade Surda (CS) e considerando-os relevantes para elaborar uma educação mais acessível.


Palavras Chaves

Educação Inclusiva; Química; Surdez

Introdução

A Educação é o primeiro direito social citado no artigo 6° da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Infelizmente, existem vários grupos vulneráveis em nossa sociedade, que não tem, na prática, esse direito assegurado, dentre eles, estão as pessoas com deficiência. Uma das ações governamentais para promover a inclusão foi a criação da modalidade de Educação Inclusiva (EI), que perpassa todos os níveis de ensino. Assim sendo, é relevante refletir e sugerir adequações na metodologia de ensino para várias áreas do conhecimento, como a Química. Para além de documentos oficiais, como o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), enquanto sistema linguístico da Comunidade Surda (CS) (Brasil, 2002), se faz necessário um conjunto de adaptações no currículo, nas estratégias pedagógicas e na sala de aula (Souza; Reis, 2022) para que se possa construir uma inclusão educacional efetiva. No caso do ensino bilíngue para alunos surdos, a presença da LIBRAS em todas as etapas do ensino em sala de aula é fundamental para um bom desenvolvimento cognitivo dos discentes com surdez que sinalizam. Mesmo após 20 anos da oficialização da LIBRAS como meio principal de comunicação da Comunidade Surda, ainda há uma precariedade na disponibilização de material didático bilíngue, bem como na formação inicial e continuada de professores e trabalhadores da educação sobre a cultura surda, língua de sinais e perspectiva bilíngue. Sobre a docência de Química Inclusiva, será usada a Metáfora da Bipirâmide Triangular (MBT) para a organização metodológica dos produtos didáticos desenvolvidos. Tal metáfora é uma representação imagética para maior consolidação do ensino supracitado, sendo retratada como uma bipirâmide triangular e com os seguintes níveis de representação: (1) simbólico ou representacional, (2) microscópico ou teórico, (3) macroscópico ou fenomenológico, (4) elemento humano e (5) inclusão (DA SILVA JÚNIOR, 2023). Em aulas de Química com turmas inclusivas compostas por pessoas surdas e ouvintes, cada aspecto da MBT pode ser considerado. A saber, demonstração de laboratório experimental (nível macroscópico), representação de equações (nível simbólico), utilização de animações moleculares (nível microscópico), foco em fatores culturais ou socioeconômicos (o nível elemento humano), e incorporação da Língua de Sinais (o nível de inclusão). Um crescimento de pesquisas sobre estratégias inclusivas tem sido observado na literatura, porém há uma lacuna no uso de modelos ilustrativos para orientar alunos e professores, que é onde o TBM entra em cena. (DA SILVA JÚNIOR, 2023, p. 10572, tradução nossa) Este estudo propõe um modelo de intervenção docente baseado na MBT, usando as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) no intuito de produzir materiais didáticos inclusivos bilíngues (português/LIBRAS). Tais materiais versam sobre a Química Verde (QV), os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e os assuntos do currículo original do 3º ano do Curso Técnico Integrado ao Ensino Médio de Controle Ambiental do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba - IFPB, Campus João Pessoa.


Material e métodos

As atividades desta pesquisa foram aplicadas junto a uma turma inclusiva do 3º ano do Curso Técnico Integrado ao Ensino Médio de Controle Ambiental, do IFPB - Campus João Pessoa, no primeiro semestre de 2023. A turma é composta por 36 (trinta e seis) estudantes, sendo 33 (trinta e três) ouvintes e 3 (três) alunas surdas. Ademais, o grupo de pesquisa é composto por um estudante surdo, licenciando em Química do Campus já mencionado, como também por uma Intérprete de Libras do IFPB, Campus Cabedelo. A participação desses dois pesquisadores foi crucial para legitimar a proposta da Metáfora da Bipirâmide Trigonal, efetivando a inclusão do Ensino de Química por meio da inserção da MBT dentro do universo da pesquisa. A metodologia desta pesquisa configurou-se como qualitativa participante, utilizando diversas estratégias de investigação. Dessa forma, o pesquisador qualitativo realiza a coleta de dados pessoalmente por meio de documentos, observações ou entrevistas. No âmbito qualitativo participante, o pesquisador tem uma relação direta com o objeto que está sendo investigado (CRESWELL, 2010). Portanto, a proposta em questão propõe uma interação entre o objeto de estudo e o universo científico. A participação nesta pesquisa foi concedida a todos os estudantes da turma, ouvintes e surdas, de modo que todos estavam envolvidos de forma inclusiva. É importante frisar que o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e o Termo de Assentimento (TALE), foram gravados em LIBRAS para que as alunas surdas tivessem acesso por meio da sua língua materna. Vale ressalvar que, o projeto do artigo em tela foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do IFPB, segundo o número de Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE): 68244423.8.0000.5185, conforme regulamenta a Resolução n° 466 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde - CNS (BRASIL, 2012).


Resultado e discussão

A análise qualitativa conduzida no âmbito deste estudo revelou resultados de grande relevância. Previamente, foi verificado o impacto enaltecedor da inclusão como um elemento fundamental no ensino. A abordagem da MBT, que incorpora os princípios de uma prática inclusiva e acessível (Da Silva Júnior, 2023), demonstrou ser decisiva nos processos de ensino e aprendizagem na área da pesquisa em Química. A implementação da MBT assume uma grande importância, uma vez que a formação acadêmica, independentemente do nível, deve ser acessível a todos os indivíduos, considerando suas particularidades (TAVARES et al., 2022a). O direito à educação é universal, e, portanto, garantir a inclusão no ensino de Química não é apenas uma questão de equidade, mas também uma maneira de enriquecer a experiência educacional (SANTOS et al., 2020). Reconhecer e valorizar a diversidade de habilidades e perspectivas de cada aluno é fundamental para promover um ambiente de aprendizado enriquecedor e inclusivo. Além disso, adotar uma abordagem inclusiva no ensino de Química contribui para o desenvolvimento de uma sociedade mais igualitária e justa (VELOZO et al., 2022). Portanto, a prática da MBT deve ser considerada como um elemento essencial no ensino de Química, não apenas para cumprir obrigações legais, mas também para promover uma educação de alta qualidade que respeite a diversidade e os direitos de todos os indivíduos. Empregando o uso da MBT, ao propor um modelo de Química integrado às Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação, o estudo em questão também relacionou a Química Verde, que visa minimizar os danos causados a saúde humana e ao meio ambiente e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que se dividem em 17 objetivos globais fundamentais para uma plenitude social (TAVARES et al., 2022b). Para tanto, deu-se ênfase sobre o primeiro, terceiro e quinto princípios da Química Verde, enfatizando o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12 (ODS 12). Tais conceitos foram trabalhados dentro do conteúdo da Química Orgânica durante as aulas da turma inclusiva citada anteriormente. Nesse seguimento, o projeto desde o planejamento até as primeiras aplicações foi fundamentado no referido modelo. Assim, a proposta de intervenção pedagógica contou com a escrita, a revisão e a avaliação de um pesquisador surdo e uma Tradutora e Intérprete da Língua de Sinais (TILS). A vivência desses integrantes da Comunidade Surda foi de fundamental importância para o andamento da pesquisa, uma vez que trouxe à tona a grande valia na autonomia da pessoa surda no contexto acadêmico e da pesquisa científica. A presença ativa de um pesquisador surdo no projeto não apenas enriqueceu a perspectiva do trabalho, mas também destacou a necessidade de reconhecer e valorizar a sua participação ativa no ambiente acadêmico (ROSA, 2013). Essa atuação reforça a relevância do trabalho acadêmico, ressaltando significativamente a diversidade de perspectivas e contribuições para o desenvolvimento científico (DE ALMEIDA et al., 2019). Ademais, a ampliação da participação de integrantes da Comunidade Surda no contexto da pesquisa científica beneficia a inclusão, como também contribui para a evolução do conhecimento e da compreensão nas áreas de estudo, especialmente na Química, como indicou os resultados do trabalho em tela. As experiências únicas da Comunidade Surda são recursos valiosos que podem trazer novas abordagens para a pesquisa (LOPES; SANCHES; DA SILVA GEVIGIER, 2022). Com isso, mediante a esse envolvimento ocorre o destaque da representatividade em áreas em que historicamente houve sub-representação. Nesse contexto, em uma das primeiras aplicações do projeto, os principais momentos da aula foram apresentados, para uma turma do 3º ano do Ensino Médio do curso de Controle Ambiental, por um graduando surdo do curso de Licenciatura em Química. Além disso, a turma era composta por discentes surdos e ouvintes, o que proporcionou uma experiência de aprendizado verdadeiramente inclusiva. Na Figura 1, observa-se o momento em que o pesquisador surdo está realizando as aplicações junto ao alunado. A aula adotou um formato bilíngue, com determinados momentos sendo conduzidos de maneira colaborativa com os Tradutores e Intérpretes da Língua de Sinais, enquanto outros foram ministrados pelo próprio licenciando surdo, conforme previamente mencionado. Essas aplicações iniciais abrangeram aulas sobre a Química Verde, bem como o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 12. Importante enfatizar a atuação do licenciando e pesquisador surdo como ministrante em uma aula de Química diante de uma turma composta por alunos surdos. Uma vez que, experiências como essa estabelecem uma conexão significativa entre o instrutor e os estudantes. Nakasato (2019), explica que professores surdos que ensinam surdos viabilizam possibilidades de inserção e valorização da LIBRAS e da cultura surda no âmbito educacional, além de fortalecer o empoderamento sociocultural. O desenvolvimento e a ampliação contínuos deste trabalho ilustram de forma concreta como tornar práticos os conceitos do modelo teórico da MBT, com foco na inclusão de surdos. Dentro desse contexto, da Silva Júnior (2023) explica que, a metáfora em questão, é sobre o poder de construir estratégias abrangentes, acessíveis e críticas para apoiar a todos. Nesse sentido, é terminante reconhecer que esses princípios não se limitam à sala de aula, mas também se estendem ao incentivo e à integração de pessoas surdas no vasto campo da pesquisa científica. Portanto, este projeto representa um passo significativo em direção a uma sociedade mais inclusiva e igualitária, em que as perspectivas da Comunidade Surda não apenas são valorizadas, mas também são consideradas essenciais para a construção de um conhecimento mais amplo. Nesse sentido, a promoção da inclusão, da diversidade e da participação ativa de todos traz o reconhecimento de que o potencial humano é vasto e diversificado, e que cada indivíduo desempenha um papel vital na expansão do conhecimento científico.

Figura 1 – Registros da aplicação do projeto de pesquisa.

Fonte: Própria (2023).

Conclusões

Há diversas barreiras para a efetiva inclusão no Ensino de Química, e, portanto, torna-se compreensível a preocupação de professores, no ambiente escolar, para encontrar metodologias e recursos didáticos que busquem vencer tais barreiras. Dentro deste viés, observa-se a escassez de referências relacionadas à produção de novos recursos didáticos inclusivos para a comunidade surda e isso impede que muitos professores tenham acessos a esses recursos. A proposta da MBT buscou incluir a perspectiva da inclusão dentro do Ensino de Química por meio da elaboração e aplicação de um projeto abordando a Química Verde e o ODS 12 em uma turma inclusiva. Por intermédio dos resultados obtidos por esse estudo, conclui-se que a proposta se mostrou significativa, adotando uma prática inclusiva e acessível, demonstrando que não basta apenas inserir o aluno dentro do ensino regular para realizar a inclusão. Para que o processo de inclusão ocorra de fato, é necessário que os atores do ensino se mostrem envolvidos em tornar o ensino acessível. Este estudo além da inclusão, demonstrou o enriquecimento da experiência educacional respeitando a diversidade e os direitos de todos os indivíduos. A participação dos integrantes da Comunidade Surda na turma inclusiva, e do pesquisador surdo no projeto, foi crucial para elaboração e aplicação, gerando intervenções e perspectivas trabalhadas através do olhar dos mesmos, como também sua emancipação dentro do meio acadêmico. Durante a elaboração e a aplicação desta pesquisa, foi possível a visualização das práxis da MBT, reconhecendo os aspectos metodológicos que funcionam e ajustando aqueles que estão em dissonância, buscando sempre melhorar a qualidade da proposta tanto no âmbito escolar, como também na pesquisa científica. Por meio deste estudo, infere-se que a MBT representa um passo à frente no quesito da inclusão, dando significância aos aspectos da Comunidade Surda e considerando-os relevantes para elaborar um ensino inclusivo de qualidade.


Agradecimentos


Referências

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