ÁREA
Ensino de Química
Autores
Góis, K.B.L. (UFRN) ; Souza, H.C.T.D. (UFRN) ; Silva Junior, L.A. (UFRN)
RESUMO
O presente trabalho busca compreender a percepção de estudantes, do 2º ano do ensino médio, de uma escola pública de Natal em relação à aplicação das trilhas de aprofundamento, que se trata de uma inovação gerada pela reforma do ensino médio brasileiro após a BNCC. O trabalho traz uma análise qualitativa no campo educacional que usa questionário auto aplicado como método para coleta de dados. Após análise das respostas observou-se, em grande parte, o descontentamento dos alunos em relação às trilhas implementadas em 2023. Com esta pesquisa, esperamos contribuir para o melhor entendimento dessas mudanças na educação e para construção de um ensino médio que possa atender às necessidades e aspirações dos jovens brasileiros, fortalecendo os ideais de uma educação pública de excelência.
Palavras Chaves
Trilhas de aprofundamento; Química; BNCC
Introdução
A educação sempre proporcionou um papel de fundamental importância ao longo da história das civilizações, seja como base para grandes nomes das ciências, seja como alicerce para a era tecnológica. Ela não apenas serve para compartilhar conhecimentos, mas também molda a índole do indivíduo e o estimula a ter um pensamento crítico. A educação tem o poder de transformar a vida de pessoas de regiões menos favorecidas dando-lhes uma chance de uma vida mais promissora. Esse é o poder transformador que a educação pode causar na vida das pessoas. Nos últimos anos a educação brasileira vem enfrentando mudanças, isso ocorre devido a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A BNCC é um documento normativo, ou seja, trata-se de um documento que tem por finalidade estabelecer regras, diretrizes e padrões a serem seguidos. O sistema de educacional brasileiro atual, é guiado pela BNCC, que reflete o compromisso em oferecer uma educação mais contextualizada e alinhada às demandas da sociedade contemporânea, ela representa um grande esforço abrangente para unificar e definir os conteúdos educacionais essenciais que todos os alunos têm o direito de aprender, independente da sua origem social, econômica ou geográfica. Ela estabelece a padronização da educação para as escolas de todo o país, apresentando os conteúdos a serem abordados e como devem ser abordados independentemente de serem privadas ou públicas, na teoria tal padronização deveria ajudar a diminuir as desigualdades educacionais. Com relação ao ensino médio as mudanças ficam ainda mais preocupantes. A BNCC incorpora as trilhas de aprofundamento, que objetiva promover a autonomia dos estudantes no que diz respeito a escolher focar na área de seu interesse. No âmbito desse novo paradigma, onde a busca por uma educação mais dinâmica alinhada às necessidades contemporâneas é uma prioridade, logo surge o desafio de compreender as implicações dessa mudança que é a introdução das trilhas de aprofundamento para os estudantes, quais as suas perspectivas e o contexto da escola pública. Neste trabalho será relatada e explorada as vozes dos alunos em relação à diminuição da quantidade de algumas matérias tradicionais, como a de química, e a introdução das “trilhas de aprofundamento”, uma proposta inovadora que visa o aprofundamento de conhecimentos específicos.
Material e métodos
Esta pesquisa se baseou na aplicação de um questionário como forma de obter dados para a análise qualitativa referente às trilhas de aprofundamento. O questionário auto aplicado permite que os participantes possam expressar as suas opiniões e as suas experiências de maneira mais íntima e não intrusiva. Neste método, elaboramos uma série de perguntas abertas e fechadas que abordam a redução da carga horária das aulas de química e início das trilhas de aprofundamento. Devido ao curto tempo livre dos alunos entre as aulas, adotou-se a pesquisa em formato de questionário como instrumento de coleta de dados, uma vez que este se mostra eficaz em abranger uma quantidade significativa de respostas. Inicialmente foi perguntado em sala de aula quem gostaria de se voluntariar para responder a pesquisa. Um total de doze indivíduos participaram da pesquisa aplicada pessoalmente, sendo três de cada turma. Dentre as turmas, as turmas do segundo ano B e D não tinham trilhas envolvendo a disciplina de química e as turmas do segundo ano A e C tinham, por esse motivo, o questionário foi dividido em duas sessões de perguntas mistas. A primeira sessão continha cinco perguntas sobre as trilhas de modo geral, sejam elas com química ou não, onde todas as turmas responderam às mesmas perguntas. Na segunda sessão, as turmas que tinham trilhas com química responderam perguntas voltadas para as trilhas de química enquanto as turmas que não tinham trilhas com química responderam a perguntas voltadas para as aulas de química da grade escolar. As questões foram elaboradas com base nas observações dos autores em relação às trilhas e as aulas de química da escola pública em questão para que os participantes pudessem refletir sobre as questões e responder em seu próprio tempo e espaço, resultando em respostas mais autênticas e introspectivas. A análise desse questionário envolveu a exploração minuciosa das respostas. As primeiras cinco questões de modo geral visam identificar padrões, temas emergentes e variações individuais.
Resultado e discussão
Após a aplicação do questionário, averiguou-se as respostas dos estudantes e foi
possível observar a percepção dos estudantes em relação às trilhas de
aprofundamento, em especial a disciplina de química. Ao todo foram realizadas
dez questões para cada turma, sendo cinco gerais e cinco específicas para as
turmas com trilhas de química e turmas sem trilhas de química, e para esse
trabalho foi feita a análise de apenas cinco delas para cada grupo.
Quando perguntados “o que te motivou a escolher a trilha que você está?”, a
maior parte dos indivíduos responderam que escolheram pois acharam o conteúdo
interessante, porém, foram obtidas respostas de indivíduos que dizem que estão
na trilha pois não tinha vaga na trilha de seu interesse. Através dessas
respostas podemos observar que em relação ao poder de escolha, na prática nem
sempre isso irá acontecer.
Em relação à pergunta “Como você avalia as trilhas de aprofundamento? Justifique
sua resposta”, grande parte dos alunos avaliaram como regular e justificaram
dizendo que as trilhas os confundiam e relataram ainda a falta de estrutura da
escola para tal implementação. Isso nos permite afirmar a consternação dos
alunos quanto às trilhas, uma vez que eles as colocam como algo que não tem
funcionado efetivamente.
Para as turmas A e C (turmas com trilhas de aprofundamento voltadas para
química) foram feitas cinco perguntas específicas, analisaremos apenas três.
Quando perguntado “Você consegue relacionar os conteúdos de química com a
proposta inicial da trilha? Dê um exemplo de conteúdos visto em aula que foi
trabalhado também na trilha.”, pouco mais da metade dos estudantes responderam
que conseguem relacionar, porém nenhum conseguiu dar exemplo de conteúdo
abordado nas aulas de química e nas trilhas. Essa contradição nas respostas nos
possibilita aferir que esses indivíduos podem ter associado conteúdo de química
apenas como algo superficial e por esse motivo não conseguiram exemplificar.
Ainda para as turmas A e C foi perguntado “Quais as dificuldades que você como
aluno de ensino médio, encontra na trilha de química?’’, parte das respostas foi
referente confusão entre as trilhas de química e a própria disciplina de
química. Os alunos relatam ainda a falta de tempo para organizar aulas mais
elaboradas. Podemos concluir que muitos alunos se sentem confusos quanto às
aulas de trilha e as aulas de química da grade geral. Essa confusão parte da
sobrecarga de disciplinas para administrar e para fazer distinção de o que será
estudado no momento.
Quanto à questão “Em relação à estrutura da escola no que diz respeito a
disciplina de química, você acredita que os laboratórios e ambientes são
suficientemente equipados para melhor desenvolvimento das trilhas?”, a quase
totalidade dos indivíduos relatou que a escola necessita de laboratórios
devidamente equipados e uma infraestrutura adequada para que as trilhas possam
ocorrer de forma efetiva. Ainda como complemento das respostas, vale destacar a
percepção dos alunos ao comparar a infraestrutura da escola pública com a
privada.
Para as turmas B e D (turmas que não tinham trilhas de aprofundamento voltadas
para química) empregou-se outras cinco perguntas específicas, das quais
analisaremos apenas três. Em relação à pergunta “Você acha que uma aula de
química de 50 min por semana é suficiente para aprender e exercitar o conteúdo
dado?’’, todos os sujeitos afirmaram que uma aula de cinquenta minutos não é
suficiente, sugerindo que eles estão sendo prejudicados devido a diminuição da
carga horária da disciplina de química.
Quando questionados “Se você tiver dúvidas após a aula de química você só
consegue tirá-las na outra aula, ou seja, uma semana depois?” metade dos
respondentes disseram que tentam tirar as dúvidas no mesmo dia, outra parte
disse que só consegue tirar as dúvidas uma semana depois e um indivíduo disse
que busca tirar as dúvidas na internet. Com essas respostas pode-se afirmar que
esses alunos não conseguem de fato solucionar seus questionamentos imediatamente
em razão da falta de tempo das aulas, principalmente pelo fato de que as aulas
não chegam a ser os cinquenta minutos devido a locomoção do professor de uma
sala para a outra; a realização da chamada; a instalação de projetores entre
outros empecilhos que acabam atrasando o início da aula e, portanto, diminuindo
o tempo de aula.
Ainda para as turmas B e D, foi levantada a seguinte indagação “Se pudesse dar
alguma sugestão para melhorar o aproveitamento das aulas de química, qual
seria?”, os estudantes sugeriram unanimemente mais aulas de química, sejam elas
teóricas ou práticas. Observa-se, com essa sugestão, o apelo dos estudantes para
que haja mais aulas de química, uma vez que eles se sentem prejudicados pela
falta delas.
Conclusões
Por meio da pesquisa realizada com os estudantes da rede pública de ensino, foi possível evidenciar, após a análise das respostas coletadas por meio de um questionário auto aplicado, o mau funcionamento das trilhas de aprofundamento, que embora sejam uma iniciativa bem alinhada às propostas da BNCC, apresentam desafios consideráveis em sua execução prática. Um aspecto ressaltado pelas respostas, sobretudo, é a insatisfação de grande parte dos indivíduos em relação às trilhas. Destaca-se, também, a diminuição da carga horária das aulas de química para as turmas que não têm trilhas com a disciplina de química. As respostas coletadas sugerem que as trilhas de aprofundamento, propostas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), não são viáveis na prática, principalmente quando são implementadas em escolas públicas. É de extrema importância um esforço conjunto entre os gestores, educadores e formuladores de políticas para que possam conciliar as aspirações de uma educação mais rica e personalizada com a realidade prática vivenciada na rede pública de ensino. Ao fazê-lo, vamos avançar em direção a uma melhora significativa no ensino médio, tornando mais inclusivo, de qualidade e capaz de efetivamente preparar os alunos para os desafios futuros.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.
MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2001.
SANTOS, G. M. Pesquisa qualitativa: Um manual prático. Florianópolis: Insular, 2018.