SEQUÊNCIA DIDÁTICA E ENSINO DE EQUILÍBRIO QUÍMICO: UMA ABORDAGEM INTEGRADA PARA ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

ÁREA

Ensino de Química


Autores

Peccini, L.R. (UFES) ; Marques, V.S. (UFES) ; Carvalho, M.A.C. (UFES) ; Vogel, M. (UFES)


RESUMO

O Ensino de Química enfrenta vários desafios e, dentre eles, está a desconexão entre os fenômenos químicos e a percepção dos mesmos na vida das pessoas. Torna-se crucial aprimorar aspectos do ensino de Química que ampliem as habilidades críticas das pessoas. O uso de sequências didáticas pode ser uma estratégia importante para facilitar a construção do conhecimento envolvendo investigação, experimentação e avaliação. Ao ensinar equilíbrio químico no Ensino Médio a partir de uma sequência, foi possível estabelecer a conexão entre os conceitos e as situações do cotidiano, o que potencialmente torna o ensino atrativo. A sequência demonstrou potencial para promover aprendizagem, enfatizando abordagens interdisciplinares.


Palavras Chaves

Ensino de química; Metodologias ativas; Sequencia didática

Introdução

A evidência das dificuldades enfrentadas por estudantes do Ensino Médio ao aprenderem Química e outras disciplinas científicas é notável. Isso é atribuível ao descompasso entre os conceitos científicos e a realidade vivenciada pelos alunos, decorrente das abordagens tradicionais e teóricas empregadas, as quais tendem a desestimular os discentes. Como resultado, a aprendizagem se torna menos relevante em sua perspectiva (RODRIGUES e FREITAS, 2018). A atividade docente requer um contínuo aperfeiçoamento para aprimorar o processo educacional e fomentar a formação completa dos indivíduos, dotando-os de habilidades de pensamento crítico e reflexivo. Para alcançar tal objetivo, é imprescindível empregar diversas metodologias no contexto do ensino-aprendizagem e integrar várias áreas do conhecimento de maneira sinérgica (MELO, SANTOS e ARAUJO, 2021). Uma variedade de estratégias de ensino está disponível para facilitar o processo educativo, incluindo aulas expositivas, debates em grupo, experimentação, projetos, jogos e simulações, entre outras. A escolha das ferramentas pedagógicas deve considerar a heterogeneidade das turmas, os conteúdos abordados e a realidade dos alunos, respeitando suas diferenças individuais na assimilação de conteúdo (CARVALHO, 2003). Portanto, não existe um método universal que seja adequado para todos os estudantes, cabendo ao professor a seleção daquele mais apropriado para sua sala de aula. Nesse contexto, a busca por ferramentas que facilitem o trabalho pedagógico é constante no planejamento do corpo docente (MEZACASA, KURZ e BEDIN, 2020; LEITE et al., 2020). A escolha e aplicação de uma determinada ferramenta de ensino dependem das necessidades de cada turma, ressaltando a importância da busca contínua por formação, a fim de melhorar as competências do professor. Isso resulta em planos de ensino mais produtivos, permitindo que os alunos construam e relacionem conhecimentos com o mundo que os cerca (MELO, SANTOS e ARAUJO, 2021). A sequência didática é um exemplo de estratégia que propicia a construção do conhecimento por meio de questionamentos progressivos, otimizando a prática pedagógica. O planejamento de atividades para os alunos, utilizando estratégias diversas para aprimorar o processo educativo, constitui uma parte essencial da atuação docente. Essas ações precisam ser meticulosamente planejadas, considerando as dificuldades específicas da disciplina em questão e apresentadas em níveis de complexidade crescente, como é o caso da sequência didática (RODRIGUES e FREITAS, 2018). Essa abordagem se fundamenta em um conjunto de atividades planejadas sequencialmente para ensinar um conteúdo, envolvendo etapas de investigação, problematização, experimentação e avaliação, abrangendo todos os níveis de escolaridade (NASCIMENTO, 2019; NETO e SILVA, 2019). Nesse contexto, foi desenvolvida uma Sequência Didática voltada ao tema de equilíbrio químico no Ensino Médio. O objetivo é facilitar a correlação entre os conceitos químicos e os conhecimentos científicos com situações presentes no cotidiano, incentivando maior interesse e participação em sala de aula, ao mesmo tempo em que aprimora a prática pedagógica do professor.


Material e métodos

A sequência didática foi concebida no âmbito do subprojeto Química - Alegre no contexto do Programa Residência Pedagógica e foi implementada na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio "Antônio Carneiro Ribeiro" localizada no município de Guaçuí, Espírito Santo. Esta abordagem se encontra em consonância com a disciplina de Estágio Supervisionado em Química III, integrante da matriz curricular do curso de Licenciatura em Química oferecido pelo Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde (CCENS) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). As atividades de planejamento da sequência didática foram desenvolvidas através da plataforma Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) da Universidade (AVA/UFES), ambiente no qual se concentrava as principais discussões acerca de referenciais teóricos que embasaram a sequência didática. Todos os momentos e atividades anteriores foram trabalhados de maneira remota devido ao período de pandemia da Covid-19. A sequência didática intitulada "Equilíbrio Químico: Sais Insolúveis", voltada para o conteúdo programático específico do ano da turma, foi desenvolvida em quatro aulas de 50 minutos cada, buscando não apenas introduzir os alunos a conceitos relacionados ao equilíbrio químico e sais insolúveis, mas também promover o desenvolvimento de habilidades cognitivas superiores. O objetivo foi contextualizar os termos do tema, associado à revisão de conceitos fundamentais da Química básica. No transcorrer das atividades conduzidas junto à turma do 2º ano, a sequência didática apresentou uma abordagem progressiva que fomentou a construção de conhecimento de maneira sequencial e interligada. A escolha de exercícios relacionados ao cronograma da série ou revisando tópicos anteriores é estratégica, uma vez que a Química é uma disciplina que se fundamenta em conceitos progressivos. A interdependência entre diferentes conceitos ressalta a necessidade de um entendimento sólido dos fundamentos para a compreensão de conteúdos mais complexos.


Resultado e discussão

CONSTRUÇÃO DA SEQUÊNCIA E DESDOBRAMENTOS. Etapa 1 Inicialmente, com o intuito de instigar os estudantes acerca do conteúdo de Equilíbrio Químico, a abordagem na disciplina de Química Geral foi inaugurada com uma questão problematizadora ampla: "Qual é a definição de equilíbrio?". Por meio deste questionamento, buscou-se, através de um processo de diálogo, compreender o conceito de equilíbrio em sua manifestação abrangente. Um esforço considerável foi feito para fomentar a participação ativa dos estudantes, incentivando-os a fornecer exemplos e/ou expressar observações. Durante a discussão, observou-se que os alunos que se pronunciaram já estavam formulando respostas que estavam intrinsecamente ligadas ao conceito global de equilíbrio. Isso sugere que a atividade envolvendo a questão organizadora prévia alcançou êxito. Em um segundo momento, deu-se início à problematização focalizada no tópico "Equilíbrio Químico: Sais Insolúveis". Nessa fase, recursos bibliográficos provenientes de fontes online e revistas impressas foram disponibilizados, explorando o notório caso do medicamento Celobar. No ano de 2003, um incidente concernente ao falecimento de no mínimo 23 indivíduos e à contaminação de dezenas de outras pessoas atraiu significativa atenção a nível nacional. Em sequência, foram iniciadas diligências investigativas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em colaboração com laboratórios especializados em análises. Estas investigações revelaram indícios de adulteração na composição do produto denominado Celobar, um agente radiológico empregado em procedimentos diagnósticos como enema opaco, radiografias do trato gastrointestinal, estômago, intestino e vasos cardíacos. Após a leitura cuidadosa do material bibliográfico, foram suscitadas interrogações relacionadas aos aspectos fundamentais inerentes ao problema exposto. Etapa 2 O próximo estágio consistiu numa aula experimental interativa, iniciada pela abordagem da problemática delineada na Etapa 1. Questões foram apresentadas aos alunos, tais como: "Você consegue observar alguma alteração? Qual dos tubos formou um precipitado? Quais são os precipitados gerados neste experimento? Qual é o gás produzido?". Através da discussão realizada em encontros prévios, muitos alunos argumentaram que esta etapa representava uma abordagem válida, já que novos produtos surgiram à medida que os reagentes foram adicionados aos tubos de ensaio, demonstrando assim a evolução do sistema em equilíbrio. Observou-se que os estudantes se engajaram de maneira mais intensa no laboratório de química, empenhando-se na busca pela resolução da situação-problema, e demonstraram maior segurança nas abordagens adotadas. Os desafios enfrentados no ambiente da sala de aula constituem um valioso recurso para o enriquecimento do conhecimento profissional do docente. Por sua vez, as estratégias didáticas surgem como um método que tem o potencial de estimular a participação e o interesse dos alunos pelo conhecimento científico, ao mesmo tempo que outorga autonomia ao educador no processo de sua formulação. Além disso, essa abordagem promove o trabalho em grupo e a tomada de decisões, incentivando o desenvolvimento de competências e habilidades que estão relacionadas tanto ao tema estudado quanto à experiência do aluno como membro ativo da sociedade. Essas competências incluem o pensamento crítico, a criatividade, a resolução de problemas e a habilidade de trabalhar em equipe. Isso, por sua vez, capacita os alunos a analisar a realidade e propor mudanças sociais, contribuindo para uma visão abrangente da realidade e a capacidade de propor transformações sociais (MOURA, 2016). Etapa 3 No terceiro encontro, na aula de química geral, foi feita uma sumarização do conteúdo de Equilíbrio Químico, através de uma aula expositiva e novas situações foram discutidas e abordadas. Nesta etapa, observamos que os alunos participaram de forma muito mais efetiva do que se observa na abordagem tradicional, em que a passividade é comum. O papel do professor nesse processo de ensino-aprendizagem é de mediador, cuja atuação visa a orquestração e a interligação das três dimensões inerentes ao conteúdo pedagógico: a dimensão conceitual, referente ao "o que se deve saber?"; a dimensão procedimental, concernente ao "o que se deve ser capaz de fazer?"; e a dimensão atitudinal, relacionada ao "como se deve abordar?". Esse enfoque tripartite está baseado em Zabala (1998) e nas contribuições de Leite et al. (2020). Etapa 4 Por fim, foram promovidas análises e debates sobre a problemática abordada na Etapa 1. Nesta etapa, ficou evidente uma alteração significativa nas respostas apresentadas pelos alunos ao estabelecerem uma conexão entre o conteúdo estudado e o pesquisado em relação ao caso Celobar, refletindo uma transformação notável nas percepções dos estudantes. Assim, torna-se premente a concepção e emprego de estratégias de ensino que adotem abordagens investigativas, facultando aos estudantes uma participação ativa e uma função proeminente na construção do conhecimento científico. Além disso, a ênfase na leitura, interpretação e construção de teorias diante de situações-problema contribuiu para o desenvolvimento de uma visão mais analítica e crítica por parte dos estudantes, capacitando-os não apenas a reproduzir informações, mas a pensar de forma autônoma e aplicada. Desse modo, o processo de aprendizado transcende a mera definição, confirmação de leis e teorias, passando a englobar discussões, argumentações e interpretações de resultados. Para que a aprendizagem significativa ocorra é preciso entender um processo de modificação do conhecimento, em vez de comportamento em um sentido externo e observável, e reconhecer a importância que os processos mentais têm nesse desenvolvimento. Segundo a teoria de Ausubel a aprendizagem significativa baseia-se em uma reflexão específica sobre a aprendizagem escolar e o ensino, em vez de tentar somente generalizar e transferir à aprendizagem escolar conceitos ou princípios explicativos extraídos de outras situações ou contextos de aprendizagem (PELIZZARI et al., 2002). Outra dimensão de importância substancial reside na função do educador nesse contexto, especificamente sua influência na atividade. É essencial conceber o discente como o agente central nesse cenário, estimulando sua capacidade intrínseca de traçar sua própria trajetória de aprendizado e solução. O professor não deve ditar o percurso, mas sim intervir em momentos específicos, como por exemplo, ao recapitular conhecimentos prévios essenciais para abordar uma determinada situação-problema. Nesse cenário, o instrutor guia seu aluno, apresentando todas as ferramentas e suas aplicações, concedendo-lhe a liberdade de escolher o caminho a seguir na construção de sua própria cognição (SILVA et al., 2019).

Conclusões

A aplicação da sequência demonstrou ter potencial de envolver ativamente o aluno no processo ensino-aprendizagem, possivelmente incrementando o interesse pelo conhecimento. O planejamento da sequência foi concebido de forma a explorar os conhecimentos prévios dos alunos, tanto durante as aulas expositivas dialogadas de Química Geral, quanto nas aulas práticas de experimentação. A estratégia proposta buscou assegurar que a relação entre o novo conteúdo e o conhecimento prévio dos estudantes seja coerente e isso é facilitado pelas perguntas organizadoras, bem como pela incorporação de novos conceitos de Química. A abordagem utilizada difere das aulas expositivas tradicionais, buscando permitir aos alunos atribuir significados aos conteúdos, examinando as situações sob múltiplas perspectivas. Diante desses pontos, emerge uma visão positiva em relação à proposta da sequência didática. O resultado aponta para a possibilidade de aplicar essa abordagem a outros conteúdos, com a perspectiva de um estudo a longo prazo que também possa fundamentar melhorias contínuas. Portanto, pode-se concluir que as sequências didáticas configuram-se como uma estratégia de instrução possível ao buscar harmonizar um currículo contemporâneo com conteúdos previamente abordados, inclusive em níveis educacionais anteriores. A determinação da abordagem mais adequada para a implementação dessas sequências recai sobre o docente, em consonância com o contexto da instituição de ensino e as características dos estudantes envolvidos.


Agradecimentos

Este trabalho foi realizado com o apoio da CAPES a partir do Programa Residência Pedagógica - Núcleo Química (Alegre) e da UFES.


Referências

CARVALHO, R. E. Removendo barreiras para a aprendizagem. Educação inclusiva. 3ed. Porto Alegre: Mediação, 2003.


LEITE, L. R. RODRIGUES, A. P.; LIMA, M. S. L.; MOURA, F. N. D. S.; FIRMINO, N. C. S., NASCIMENTO, F. J. do; ... & ARAGÃO, F. M. O uso de sequências didáticas no ensino de Química: proposta para o estudo de modelos atômicos. Revista Brasileira de Extensão Universitária, v. 11, n. 2, p. 177–188, 2020.


MELO, A. G. de.; SANTOS, M. L. dos.; ARAÚJO, C. S. T. Sequências didáticas no ensino de química: Possibilidades para a experimentação. Revista Ciências & Ideias, v.12, n.3, p. 173-193, 2021.


MEZACASA, B. K.; KURZ, L. D.; BEDIN, E. O Uso Da Sequência Didática No Ensino De Química: Um Caso Específico No Estágio Supervisionado. Revista Debates em Ensino de Química, p. 270–290, 2020.


MOURA, L. S. de. O uso de uma sequência didática para trabalhar a automedicação e a química orgânica no ensino de química. 2016. 43 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação de Licenciatura em Química) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016.


NASCIMENTO, M. M. A. do. Sequência didática no ensino de química: contextualizando a temática pilhas para turmas do ensino médio regular. 2019. 116 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação de Licenciatura em Química) - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, João Pessoa, 2019.


NETO, A. F.; SILVA, C. C. da. Contribuição de uma Sequência Didática para o estudo de soluções no Ensino Médio numa abordagem CTS. In: Semana de Licenciatura, Jataí. Anais […]. Jataí, Instituto Federal de Goiás, 2019.


PELIZZARI, A. KRIEGL, M. D. L., BARON, M. P., FINCK, N. T. L., & DOROCINSKI, S. I. Teoria da aprendizagem significativa segundo Ausubel. revista PEC, v. 2, n. 1, p. 37-42, 2002.

RODRIGUES, J. C. & FREITAS F. J. R. de. Elaboração e aplicação de uma sequência didática sobre a química dos cosméticos. Experiências em Ensino de Ciências, v. 13, n. 1, p. 211–224, 2018.

SILVA, M. M.; SILVA, I. H. da.; HUANCA, R. R. H.; BARBOSA, V. M. F. Relato de experiência: o uso das sequências didáticas como facilitador do ensino-aprendizagem nas aulas de matemática dentro do programa da residência pedagógica. Anais VII ENID & V ENFOPROF / UEPB. Campina Grande: Realize Editora, 2019. Disponível em: <https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/64686>. Acesso em: 21 ago. 2023.


ZABALA, A. A Prática Educativa. Como ensinar. Porto Alegre: Artmed. 1998.

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