ÁREA
Ensino de Química
Autores
Assis, J.J.M. (IFRN_CAMPUS APODI) ; Nascimento, T.L. (IFRN_CAMPUS APODI) ; Bertini, L.M. (IFRN_CAMPUS APODI)
RESUMO
A Química, por se tratar de uma ciência abstrata, é vista pelos discentes como uma disciplina de difícil compreensão. Um dos aspectos que evidencia esse fato é a metodologia usada por muitos docentes, em sala de aula, estimulando a memorização e repetição dos conteúdos dessa disciplina. Nessa perspectiva é preciso adaptar os métodos de ensino, procurando dinamizar o seu estudo. Assim, o objetivo desta pesquisa foi desenvolver uma Sequência de Ensino Investigativa (SEI) abordando o conteúdo de propriedades coligativas. Foi realizado um levantamento bibliográfico que sustentou a proposta, abordando os principais pontos do ensino por investigação, seguido pelo processo metodológico de elaboração da SEI e as atividades sugeridas e como estas poderiam ser desenvolvidas em sala de aula.
Palavras Chaves
Ensino por investigação; Propriedades Coligativas; Ensino de Química
Introdução
É necessário a reorientação do ensino de química para a formação de indivíduos capazes de corresponder às exigências tecnológicas da atual sociedade. Esta afirmação decorre do fato de que, embora os atuais produtos tecnológicos estejam cada vez mais modernos, acessíveis e fundamentais, estes não exigem um conhecimento refinado sobre ciência e tecnologia para utilizá-los no suprimento das atividades básicas cotidianas (SASSERON; DUSCHL, 2016). É necessário, portanto, ir além dos anseios imediatos dos alunos e da sociedade e refletir o ensino de química a partir do seu próprio modo de conceber a construção dos conhecimentos (SASSERON, 2019). Esta concepção supera a visão simplista de ensinar química através de mecanismos engessados de transmissão e recepção de conteúdo, e parte de uma perspectiva epistemológica que compreende o ensino como um processo e não um produto (RAMOS, 2018). Dessa forma, os conhecimentos nas ciências são construídos por meio de ações ordenadas de pesquisa que aprecia a busca de novas descobertas, confronto de informações, crítica ao que já se sabe e análise do que se pretende produzir (SASSERON, 2019). É, um movimento investigativo no qual os alunos são colocados diante de novas oportunidades para vislumbrar as possibilidades de construir conhecimentos mediante critérios próprios da ciência (FRANCO; MUNFORD, 2020). Este olhar sobre o ensino de química não tem como finalidade a formação de cientistas, tampouco viabilizar meios pelos quais os alunos realizem proezas científicas, mas estima, sobretudo, a formação de indivíduos capazes de compreender a relevância do conhecimento científico para a sociedade e, dessa forma, visualizar as chances de aplicar estes saberes em situações concretas de sua vida cotidiana (SASSERON; CARVALHO, 2011). Assim, esse ensino envolve também noções sobre a alfabetização científica (AC), que compreende o ensino de ciências como crítico, embasado no cotidiano e que promove cidadãos responsáveis pela realidade, além de impulsionar uma ativa participação na sociedade (CHASSOT, 2011). Nessa perspectiva, o ensino por investigação (EI) se configura como uma abordagem metodológica promissora, justamente por colocar o aluno diante de problemas carentes de soluções, aproximando, dessa forma, o fazer pedagógico do fazer científico (ALMEIDA; SASSERON, 2014). Partindo dessa premissa, o ensino investigativo se realiza através da construção do conhecimento, à medida que os alunos, sob a orientação do professor, utilizam os diferentes recursos disponíveis para a resolução do problema proposto e, a partir dessas discussões, constroem o entendimento dos conceitos e práticas científicas (SOLINO; FERRAZ; SASSERON, 2015). Entendendo que, as ações realizadas pelo docente dentro dessa prática, estabelece total liberdade intelectual aos alunos para investigar a problemática (CARVALHO, 2013). Diante do exposto anteriormente, destaca-se o conteúdo de propriedades coligativas no ensino de química. Esse conteúdo envolve vários conceitos físico- químicos, forças de interações intermoleculares, osmose, pressão máxima de vapor, solução, possibilitando ao professor elaborar e aplicar em diferentes níveis de ensino estratégias didáticas diferenciadas do ensino por transmissão- recepção (tradicional) (CAMPOS; VERÍSSIMO, 2015). Vale ressaltar que este assunto está relacionado com situações do dia-a-dia, por exemplo, redução do tempo de cozimento de alimentos numa panela de pressão, o custo energético e as questões ambientais com a falta da água potável, as diferentes taxas de evaporação dos rios, lagos, mares, os efeitos biológicos da presença de microrganismos em diferentes meios líquidos, o congelamento do gelo na superfície dos oceanos, o uso do sal para derreter a neve e conservar os alimentos, o fenômeno da osmose responsável pela ascensão da seiva nas plantas, as técnicas de conservação dos alimentos, técnicas utilizadas na produção de cosméticos que resistem a temperaturas muito baixas e uso de aditivos químicos para modificar a temperatura de congelamento e ebulição de um solvente (ALMEIDA;QUADROS, 2008; VERÍSSIMO;CAMPOS, 2011), dentre outros. Portanto, é com base no fundamento de que o ensino por investigação pode ser considerado como uma abordagem metodológica que este trabalho apresenta uma pesquisa cujo problema se define pelo seguinte questionamento: o ensino de química por investigação pode ser considerado como uma abordagem metodológica para potencializar a aprendizagem? A finalidade maior deste trabalho é contribuir com esta discussão, ao apresentar o desenvolvimento de uma Sequência de Ensino Investigativa (SEI) sobre um conteúdo de química para o ensino médio, na busca por relacionar a química com o cotidiano dos alunos.
Material e métodos
Os materiais utilizados para a realização das atividades foram computadores e livros didáticos. Essas ferramentas foram utilizadas com a finalidade de encontrar trabalhos que atendiam aos critérios da pesquisa, para que em seguida fossem realizadas a leitura e a discussão sobre a temática, e posteriormente, o desenvolvimento da Sequência de Ensino Investigativa. A pesquisa foi dividida em etapas. Para a primeira etapa, foram realizadas a busca por artigos que tratassem sobre Sequência de Ensino Investigativa atrelada ao ensino de ciências/química. Foi realizada a leitura e posteriormente a apresentação dos resultados para o grupo de pesquisa. Para tal, foram feitas apresentações em slides com a temática para discussão após a leitura do material obtido. Essa etapa foi fundamental para que houvesse a compreensão da temática e posteriormente ser feita a elaboração de uma SEI. A segunda etapa foi o planejamento e a proposta de uma temática para uma SEI. Foi levado em consideração: qual o conteúdo de química iria envolver, público- alvo, qual a problemática, criar os textos de apropriação teórica, e as etapas a serem criadas, sempre levando em consideração como base teórica os autores renomeados da área.
Resultado e discussão
Diante dos estudos realizados foi pensada na SEI intitulada “Como as
propriedades coligativas auxiliam na economia do gás de cozinha?”. Essa temática
foi idealizada utilizando o conteúdo de Soluções e Propriedades Coligativas, com
livros do Ensino Médio para auxiliar na elaboração. Ela é indicada para alunos
do 2º ano do Ensino Médio, pode ser desenvolvida em sala guiada pelo docente,
com momentos de interação entre a turma.
Além disso, a opção pelo assunto nos permite o seguimento de um plano
investigativo semelhante ao que é proposto nos referenciais teóricos de
alfabetização científica, quando estes orientam a condução uma abordagem dos
conceitos científicos pautada em aspectos sociais relevantes, de modo que os
alunos, ultrapassem a apropriação conceitual dos conteúdos e sejam capazes de
fazer uma leitura crítica do mundo e intervir na sua realidade através de
melhorias a partir dos conhecimentos científicos (CHASSOT, 2018).
A sua elaboração foi pensada em três etapas:
1) Problematização: que relatava o alto custo de botijão de gás por mês em um
restaurante na cidade do interior do Rio Grande do Norte. A partir daí se inicia
a investigação do que pode estar acarretando esse elevado custo, gerando as
hipóteses e o processo investigativo.
1ª Etapa: Problematização
Marília é aluna do 2º período de Licenciatura em Química e estabelece
residência na cidade de Apodi. No seu bairro, há um restaurante que funciona
durante o dia inteiro, servindo café da manhã e almoço, contando com uma grande
demanda de produção. Durante uma visita ao restaurante para comprar seu almoço,
Marília ouviu as cozinheiras conversando sobre como o gás de cozinha durava
pouco e que durante um mês era usado, em média, três botijões. Dessa forma, com
o aumento comunicado pela Petrobras no valor do GLP, elas precisavam encontrar
algum meio que lhes trouxessem economia na produção, amenizando, assim, os
gastos mensais com gás. Marília, ao ficar curiosa sobre o assunto, iniciou uma
investigação, questionando as cozinheiras sobre como elas realizavam o processo
de preparação dos alimentos. As cozinheiras, ao explicarem o passo a passo do
preparo, descreveram que: durante o café da manhã, era oferecido um cardápio
variado de frutas, ovos mexidos, pães, bolos e iogurte. Já para o almoço, como a
demanda era maior, elas preparavam a comida em maior quantidade, buscando ao
máximo otimizar o tempo de preparação, colocando a água e o sal do arroz e
macarrão para ferver enquanto elas preparavam as saladas e assavam as carnes.
Depois de prontas, restava apenas finalizar o arroz e o macarrão para que a
comida fosse servida. Ao ouvir atentamente o passo a passo, Marília iniciou a
segunda fase de sua investigação, cujo objetivo era verificar se poderia haver
alguma economia caso a forma de preparo dos alimentos fosse alterada.
Diante das etapas da SEI, foi proposto um problema e atribuído aos alunos as
tarefas de levantar hipóteses, traçar o plano investigativo e elaborar a solução
para situação investigada, como forma de permitir a participação ativa destes em
todas as etapas da SEI, com menos riscos de apresentar uma proposta de ensino
que estivesse muito acima ou muito abaixo de suas capacidades.
LEVANTAMENTO DE HIPÓTESES E PLANO INVESTIGATIVO
O que, de fato, pode estar ocasionado esse elevado consumo de gás? Será que pode
haver um (uns) (s) responsável (is) por esse alto consumo? O que você acha?
Neste espaço vamos levantar algumas hipóteses do que pode ter ocasionado a
situação supracitada e traçar um plano de investigação para comprovação ou
refutação dessas suposições, isto é, devemos explicar como iremos realizar as
pesquisas rumo a resolução do problema.
2) Momento de sistematização do conhecimento: dois textos informativos, um de
apropriação teórica sobre o GLP e custos, o outro abordando a Química das
Soluções e Propriedades Coligativas. Sempre ao final desses textos eram
propostas algumas questões para discussão que podem ser socializadas em sala de
aula com sugestões de referencial para orientar os alunos durante a
investigação. No primeiro texto foi sugerido as seguintes perguntas: 1. O que
mais chamou sua atenção durante a leitura do texto? 2. Quais métodos, baseados
nos conhecimentos químicos, ajudariam os consumidores na economia do gás de
cozinha? Já com relação ao segundo texto, sugeriu-se: 1. Após a leitura do
texto, de que forma as propriedades coligativas ajudariam na economia do gás de
cozinha? 2. Comente os seguintes termos: “soluções químicas”, “misturas
homogêneas" e “soluto não-volátil”.
3) Atividade de Avaliação e finalização: realização de uma atividade adequada às
atividades desenvolvidas durante a investigação que permita a visualização da
aprendizagem conceitual, procedimental e atitudinal dos alunos. Nesta etapa é
sugerido que os alunos façam um parecer com suas hipóteses e expressem seus
conhecimentos e habilidades para a organização de ideias e a justificativa de
suas ideias. A apresentação dessa etapa fica livre ao docente explorar a melhor
maneira que deve ser desenvolvida em sala de aula, seja ela: uma apresentação de
slides, um jornal, um vídeo, entre outros.
Para integrar, é compreendido que o EI conecta o educando com o
mundo natural, permitindo sua exploração. Saindo assim, da zona restrita de
atividades puramente lúdicas, com base em leis e teorias (LIMA; MAUÉS,2006).
Destacando que, o uso de variados instrumentos científicos, agregados em sala de
aula, são capazes de proporcionar condições favoráveis para que o educando
amplie seu entendimento de mundo (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001).
Assim, ao professor é atribuído o papel de incentivador do processo
investigativo, oferecendo condições favoráveis para que o mesmo seja realizado.
Destacando que, o EI acontece de maneira cíclica, sendo importante que ao final
de cada ciclo o docente planeje uma avaliação de cunho formativo (SASSERON;
CARVALHO, 2011). Entendendo então que, o processo investigativo envolve tanto o
discente quanto o docente, de modo em que ambos desempenham papeis importantes,
fomentando o trabalho coletivo dentro de sala de aula e praticando, assim, o
ensino investigativo.
Desta forma, acreditamos que esta SEI é capaz de incentivar os alunos a
buscarem o conhecimento para solucionar problemas cotidianos, estimulando assim
a sua participação na sociedade e os incentivando a estudar Química de modo a
fugir do tradicionalismo frequentemente visto em sala de aula.
Conclusões
Com base na literatura observa-se que é possível alinhar os conteúdos ensinados em sala de aula com metodologias que explorem a atuação do discente em sociedade. Além disso, a SEI é uma proposta de incentivar as leituras e o processo de investigação para a resolução de um problema social, melhorando assim o grau de participação do discente em sala e em atividades coletivas, e ainda seu poder de organização de hipóteses, ideias, argumentação e apresentação. A SEI proposta está alinhada com a disciplina de Química e com atividades cotidianas, podendo sim contribuir para melhorar a relação discente/docente/sociedade com o intuito de aprimorar o processo de ensino aprendizagem e condicionar o aluno a uma ativa participação na sociedade em que vive, com opiniões críticas acerca da realidade vivenciada.
Agradecimentos
Ao IFRN/Campus Apodi e ao CNPq pelo fornecimento da bolsa PIBIC-Af.
Referências
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