UTILIZAÇÃO DA BORRA DE CAFÉ PARA O ABATIMENTO DE CONTAMINANTES AMBIENTAIS DECORRENTES DA INDÚSTRIA TÊXTIL

ÁREA

Química Ambiental


Autores

Bicudo, T.C. (UFRN) ; Silva, K.K.O.S. (UFRN) ; Carvalho, L.S. (UFRN) ; Moura, L.F.O. (UFRN) ; Souza, A.B.P. (UFRN) ; Medeiros, V.M.B. (UFRN) ; Santos, M.V.D. (UFRN)


RESUMO

Os impactos ambientais oriundos dos processos desenvolvidos nas indústrias têxteis têm motivado o desenvolvimento de técnicas e produtos que visam amenizar os problemas oriundos desse setor. Esse trabalho propõe a utilização de filtros naturais obtidos a partir do pó residual de café, atuando como adsorventes, para absorver partículas de corantes em meios aquosos. O resíduo de café foi usado “in natura” e após calcinação em temperaturas entre 300-400 °C. As amostras foram caracterizadas por MEV e DRX, permitindo determinar a composição e as propriedades desses materiais. Os ensaios de adsorção realizados por Estereoscopia revelaram que tais adsorventes apresentaram uma eficiência significativa no efeito de minimizar a quantidade de tintura, sugerindo boa e seletiva capacidade de adsorção.


Palavras Chaves

Borra de café; Filtros naturais; Efluentes têxteis

Introdução

O Brasil é um dos maiores produtores de café do mundo, ocupando o primeiro lugar desse ranking, em 2018, com 3.019.051 toneladas em volume de produção por ano, de acordo com o Atlas Big (2018)[1]. Esse ramo do agronegócio também é responsável por gerar empregos em diversos setores, desde a produção até a industrialização. A elevada produção de café está atrelada a uma geração de resíduos da borra também em grande escala. Considerando apenas o ano de 2017, segundo dados do AKATU (2018), foram consumidos 1,29 milhões de toneladas de café no Brasil, gerando, consequentemente, 838 mil toneladas de borra[2]. Desde os tempos mais antigos, esse valioso grão tem sido responsável pela economia de diversos estados brasileiros. O consumo, em sua grande maioria, é para o setor alimentício, sendo também gerado um resíduo sólido denominado “pó residual de café” ou borra de café. Na sua composição, há diversas moléculas orgânicas e algumas substâncias inorgânicas, sendo possível a criação de novos produtos e aplicações. O grão de café possui óleo em seu interior, que acaba sendo observado também no pó residual do café, sendo possível extrair dele frações lipídicas que podem ser utilizadas em diversas aplicações[3], agregando valor inicial ao resíduo. A evolução tecnológica foi fundamental para o aprimoramento e surgimento de diversas técnicas analíticas para a caracterização de materiais. As técnicas por difração e fluorescência de raios-X, além das microscopias, se tornaram fundamentais para identificar a presença de moléculas e átomos em uma amostra, facilitando assim o entendimento de suas propriedades e utilizações[4,5]. Atualmente, um dos maiores desafios científicos é o uso de rotas verdes em diversos procedimentos, no intuito de reduzir as emissões de gases poluentes e aumentar as possibilidades de reaproveitamento, como por exemplo na reciclagem de materiais. O setor industrial tem grande responsabilidade nesse aspecto, principalmente devido à geração de poluentes ambientais durante os processos de fabricação[6]. Um aspecto relevante a ser considerado nestes processos é, justamente, a busca incessante por tecnologias capazes de evitar e/ou minimizar os impactos ambientais produzidos por meios antrópicos, atrelados a estudos e levantamentos de possibilidades que consigam realizar esse processo de forma mais amigável ao ambiente (eco-friendly).


Material e métodos

MATERIAL E MÉTODOS Obtenção do Adsorvente A borra de café foi seca em estufa a 105 °C por 2 h. O controle da secagem foi feito por pesagem do material, a cada 1 h, até que não houvesse variação da massa. Após secagem, uma parte do material foi reservada para a rota “in natura”. Em seguida, foram pesadas duas amostras de 100 g da borra seca, para a calcinação, que ocorreu em um forno tipo Mufla, com aquecimento de 300 e 400 °C, respectivamente. Dessa forma, um total de três amostras foram submetidas ao experimento, sendo elas in natura (Amostra A) calcinada a 300 °C (Amostra B) e calcinada a 400 °C (Amostra C). Obtenção do Efluente O efluente foi preparado a partir do corante básico Azul Turquesa BG-SG CONC da marca Golden Tecnologia. Uma solução aquosa desse corante foi obtida a partir de uma massa de 0,05 g, diluída para 500 mL em água destilada. Microscopia Eletrônica de Varredura Para a realização das análises de Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) foi utilizado um equipamento da marca Hitachi e modelo TM3000 Tabletop Microscope. O equipamento operou em vácuo constante, utilizando uma tensão de 15 kV, uma magnitude de 250x e uma distância de trabalho de 7,70 mm. Difração de Raios X Para a realização das análises de Difração de raios X (DRX) foi utilizado um equipamento da marca Shimadzu e modelo XRD-7000. O equipamento operou utilizando a fonte de raios X feita de cobre, com uma voltagem de 40 kV e uma corrente de 30 mA, além disso os parâmetros de alcance theta de 5° até 80°. Estereoscópio O estereoscópio, também conhecido como estereomicroscópio, é um dispositivo óptico utilizado para visualizar objetos com detalhes em três dimensões. Com objetivo de testar a eficiência do equipamento para análise da concentração do efluente foram realizados alguns testes prévios. Passando pelo equipamento o produto obtido é uma imagem. Seguindo com a imagem obtida e com o auxílio do software “imageJ”, foi possível extrair as estatísticas RGB (RED/GREEN/BLUE) em números. Extraindo os dados de todas as imagens da mesma escala, foi possível gerar um gráfico com o auxílio do software Origin que permitiu verificar a coloração na escala entre 0 até 255, sendo o ponto 255 branco e o 0 preto. Quando a escala apresentou uma coloração mais clara, o pico RGB apontou para um valor alto e, quanto mais escuro fosse, menor seria o número onde o pico se formaria. Um teste preliminar foi realizado, no intuito de avaliar a eficiência do Estereoscópio para identificar a diferença entre uma soluções concentradas e diluídas dos componentes em questão. Para isso, partiu-se de uma solução aquosa preparada, contendo 0,030 g de tintura Azul turquesa em um balão de 150 mL. Uma alíquota de 30 mL foi transferida para uma placa de Petri, e no restante da solução era adicionada água destilada para completar um volume total de 300 mL. Esse processo se repetia para retirar mais uma alíquota em 600 mL e por fim em 2 L.


Resultado e discussão

RESULTADOS E DISCUSSÃO Caracterização das Amostras A percepção do formato, o preenchimento (se é oca ou cheia) e a disposição das partículas, dita muito sobre as propriedades e auxilia nas previsões do material[8]. Observando as imagens das três amostras (A, B e C), obtidas por MEV (Figura 1), foi possível analisar as diferenças eminentes em cada uma delas. A partir das microscopias, foi observado que a amostra natural tende a ser mais densa e empacotada, enquanto as cinzas obtidas a 300 °C aparentam ser mais ocas, o que explica a disposição das amostras quando submetidas no efluente, já que, foi possível observar que as mais ocas (300 °C) tendem a ficar mais espalhadas e na superfície, enquanto as menos ocas (in natura) tendem a se concentrar mais no centro e no fundo da vidraria. As amostras A, B e C também foram caracterizadas por DRX (Figura 2). Segundo BARROS (2019) [7], o maior pico identificado na amostra A, localizado em torno do 2Theta entre 15° e 25°, é devido à estrutura cristalina da cafeína, e os picos em 35°, 65° e 78° são provenientes de impurezas presentes na amostra. Quando a amostra é submetida a uma temperatura elevada, é natural que algumas moléculas se degradem ou desfaçam as interações. Consequentemente, pode-se observar que o pico de 15° até 25° presente na amostra B é semelhante ao da amostra A, exceto pela diferença na intensidade aparente. Por fim, a amostra C apresenta uma estrutura semelhante às duas anteriores. É perceptível a resistência dos demais picos, demonstrando que a estrutura cristalina das impurezas é resistente a temperaturas de até 400 °C, já que se mantiveram inalteradas. Ensaios de adsorção Para a determinação do tempo de equilíbrio, ou seja, o tempo necessário para que aconteça a adsorção, foi feito um estudo da cinética de adsorção por meio do acompanhamento da concentração do corante ao longo de um período de tempo. Para esse procedimento, foram adicionados 30 mL da solução de efluente preparada, previamente preparada, em quatro placas de Petri, de tamanhos iguais, contendo 1 g de borra de café in natura (Amostra A), 1 g da cinza da borra de café calcinada a 300 °C (Amostra B), 1 g da cinza da borra de café calcinada a 400 °C (Amostra C) e uma delas sem a borra, sendo esta para comparação (branco). Visivelmente, foi possível perceber uma diferença de comportamento dos adsorventes. A amostra A se depositou no fundo do líquido e ocupou em maior abundância a parte central da placa, enquanto a amostra B deslocou-se para a parede da vidraria, ficando mais superficialmente. Por fim, a amostra C, que ficou na parte superficial do líquido e localizada em abundância no centro. Posteriormente, cada placa de Petri foi agitada manualmente, com o auxílio de um bastão de vidro, durante 10 minutos, para forçar a interação do adsorvente com as partículas do corante presente no efluente. Todo o experimento foi realizado em temperatura controlada de 23 °C. O resultado dos dados extraídos a partir das imagens das medidas do teste realizado em solução líquida com concentrações distintas de tintura indicou a capacidade de percepção da diminuição dos corantes presentes no efluente, ou seja, quanto mais alta a concentração mais próximo de zero seria o resultado obtido na imagem. Como a concentração na primeira amostra é alta, o pico acabou apontando próximo de zero. Enquanto o de 600 mL e o de 2 L ficaram próximos de 150 na escala RGB. O que torna perceptível a eficiência da leitura a partir do método de obter imagens, onde é possível apontar a diferença, mas se torna inviável utilizar como única forma de análise, pois quantitativamente existe uma limitação, na qual a percepção se tornará bastante discreta. De modo geral, os dados observados na Figura 2, sugerem que a borra calcinada a 300 °C foi mais eficiente na absorção do corante no efluente. Porém, essa técnica pode ser mascarada pela turbidez da solução. Essa medida é julgada apenas pela intensidade da coloração da solução. A solução contendo a borra de café não calcinada apresentou uma coloração mais esverdeada, resultante da interação da coloração marrom da borra com a cor azul da solução com efluente[9]. Essa máscara criada pelas cores pode influenciar nos resultados estatísticos e para sanar esse problema é necessário utilizar técnicas complementares.

Figura 1

A) MEV da borra de café natural (1000x); B) MEV da \r\ncinza do café obtida a 300°C; MEV da cinza do café \r\nobtida a 400°C.

Figura 2

A) DRX obtido da amostra A; B) DRX obtido da amostra \r\nB; C) DRX obtido da amostra C. D) Resultados das \r\namostras após contato com o adsorvente.

Conclusões

O alcance dos resultados no trabalho proposto tendeu à obtenção de um produto promissor para o setor têxtil, com um forte apelo socioeconômico e ambiental. Entretanto, torna-se necessário o aprofundamento dos estudos voltados para esse material e a aplicação de mais técnicas para quantificar a sua eficiência, adotando padrões de produção, buscando extrair o maior potencial na produção a partir do resíduo sólido. Os novos filtros obtidos a partir desses estudos preliminares deverão apresentar boa e seletiva capacidade de adsorção dos corantes presentes nos efluentes oriundos da indústria têxtil. Por fim, o impacto técnico- científico poderá ser avaliado por meio do caráter inovador dos filtros produzidos.


Agradecimentos

Gostaria de agradecer a todas as minhas orientadoras e co-orientadoras, aos meus familiares e amigos que auxiliaram para que essa pesquisa fosse realizada. Por fim a CAPES e aos laboratórios de ensaios da UFRN


Referências

1. ATLAS BIG. Lista de Países por produção de café. Disponivel em: https://www.atlasbig.com/pt-br/paises-por-producao-de-cafe. Acesso em: 2. mar. 2022.
2. AKATU. Consumo consciente para um futuro sustentável. Disponível em: <https://akatu.org.br/dica/a-borra-do-seu-cafe-pode-ajudar-o-meio-ambiente/>. Acesso em: 02 mar. 2022.
3. SANTOS, F. B. Extração e uso da fração lipídica de resíduo de pó de café: alternativa sustentável e de baixo custo para a produção de biodiesel. 2019 37 f. Dissertação (Graduação em engenharia ambiental) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal , 2019.
4. BORJESSON, J.; ISAKSSON, M.; MATTSSON, S. X-ray fluorescence analysis in medical sciences: a review. Acta Diabetologica, v. 40, n. 1, p. S39-S44, 2003.
5. POTTS, P. J. et al. Atomic spectrometry update. X-ray fluorescence spectrometry. Journal of Analytical Atomic Spectrometry, v. 18, n. 10, p. 1289-1326, 2003.
6. DIAS, G. M. "Os objetivos de desenvolvimento sustentável instituídos pela ONU e a tributação ambiental na indústria têxtil.". 2020. 59 f. Dissertação (Graduação em Direito) – Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, Brasília, 2020.
7. GARCÍA, L. R. P; DEL BIANCHI, V. L. Capacidade antioxidante em resíduos da indústria cafeeira. Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, v. 18, n. 4, p. 307-313, Dezembro, 2015a.
8. DE OLIVEIRA, Tarcísio Michael Ferreira Soares et al. Aproveitamento do Pó de Café (Pós-Filtração) em Aulas Práticas de Engenharia-uma Abordagem acerca da Sedimentação e Caracterização de Partículas. Revista Virtual de Química, v. 13, n. 4, p. 969-980, 2021.
9. COLOMBO, Renata; DE ALMEIDA, Milla Araújo. DESENVOLVIMENTO DE CARVÃO ATIVADO DA BORRA DE CAFÉ E AVALIAÇÃO NA ADSORÇÃO DE CORANTE PRESENTE EM EFLUENTE TÊXTIL DE JEANS. 2023.

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