ÁREA
Química Ambiental
Autores
Lopes, C.C. (UEMA) ; Khan, A. (UEMA) ; Fernandes, R.M.T. (UEMA)
RESUMO
Os fármacos são elaborados com finalidade preventiva/curativa que, tendo vencido o prazo de validade, e descartados de qualquer forma, contrariam esse objetivo e se tornam prejudiciais ao ambiente. Utilizando de metodologia quantitativa, este estudo focou no gerenciamento do descarte de medicamentos vencidos ou em desuso na região da Cidade Operária, analisando sob o ponto de vista toxicológico os impactos ambientais decorrentes destes, dispondo uma proposta de descarte correto por meio de sensibilização da população. Com essa ação, além da mobilização, foi possível impedir que aproximadamente 7 litros e 2, 5 kg de medicamentos fossem dispostas na natureza, e que 6,7 kg de resíduos comuns- embalagens de papel e plásticas, vidros, entre outros- tivessem um fim sustentável, e não as ruas.
Palavras Chaves
Meio Ambiente ; Saúde ; Sensibilização
Introdução
A produção de novas fórmulas e o aumento na quantidade de fármacos disponibilizados para venda e consumo, foram possibilitados pelo crescente desenvolvimento da ciência na área da saúde e pelas descobertas de novas formas de tratamentos, estes que trouxeram benefícios incontestáveis a saúde da população (ROSA et al, 2020). O que, como consequência, trouxe grandes desafios à sociedade atual no quesito manejo e descarte ambientalmente corretos, tendo em vista que o Brasil, segundo o Conselho Regional do Paraná (2018), é o sétimo país que mais consome medicamentos no mundo, chegando a gerar mais de 10 mil toneladas deste resíduo por ano (SOUZA et al, 2021). Considerados resíduos químicos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), onde na resolução RDC ANVISA nº 222 de 2018 (alterou a RDC n° 306/2004), denotam sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviço de saúde e mostram a classificação desses resíduos, como: grupo A (risco biológicos), grupo B (risco químico), grupo C (rejeitos radioativos), grupo D (resíduos comuns), e grupo E (perfuro cortantes), (VIEIRA, 2021). Esses resíduos, à medida que são dispostos a céu aberto, tornam-se parte do lixo e passam a contaminar a área através de transmissores diversos que pousam, carregam e\ou se alimentam delas (PINTO et al., 2014). Tendo grupos como antibióticos e estrogênios, que merecem uma atenção especial (JOÃO, 2011), esses fármacos têm alto poder de contaminação e, quando manuseados sem o devido cuidado ou descartados de forma incorreta, além de poderem causar intoxicações e acidentes por contato direto, também, conseguem mesmo em pequena concentração, apresentar efeitos negativos em organismos terrestres e aquáticos, podendo afetar qualquer nível da hierarquia biológica: células, órgãos, organismos, população e ecossistemas (ROSA et al., 2020). Quanto às principais vias de entrada desses agentes contaminantes no ambiente e a forma que acontecem, Miranda e colaboradores (2018) destacam que “[...] a principal forma de entrada de resíduo de medicamentos no meio ambiente é por meio do lançamento direto de medicamentos na rede de esgotos domésticos tratados ou não em cursos de água”. Para mais, Carvalho (2009) apresenta as formas de dispensação sendo: excreção após ingestão e injeção, remoção de medicamentos usados para tratamento em partes externas, que são liberados durante o banho, e descarte de medicamentos vencidos ou em desuso nas pias, vasos sanitários ou no lixo comum. Onde esta última prática, quase sempre, é resultado do acúmulo de medicamentos nas comumente conhecidas “farmácias caseiras” que a cultura da automedicação criou nas residências nacionais (PINTO et al., 2014). As consequências desse descarte incorreto é a contaminação do solo, rios, lagos, oceanos e até mesmo de águas subterrâneas, nos lençóis freáticos. Para mais, quando esses resíduos químicos são expostos a condições adversas de umidade, temperatura e luz, tornam-se ainda mais tóxicos e afetam o equilíbrio do meio ambiente, influenciando negativamente nos ciclos bioquímicos, teias e cadeias alimentares (EICKHOFF; HEINECK; SEIXAS, 2009). Ainda nessa linha, Garcia (2004) complementa que a falta de compromisso com o descarte desses resíduos não é somente dos consumidores, mas, também, de entes como clinicas veterinárias, farmácias, redes hospitalares, criatórios de animais e outros, que assim como a população em geral, têm problemas quanto ao descarte e acabam fazendo de forma errada. Levando em consideração essas e outras práticas já mencionadas, a Anvisa estima em que cerca de 30 mil toneladas de medicamentos, são descartados por ano no Brasil (CARNEIRO, 2011). O desconhecimento da população e a falta de orientação quanto a destinação final correta dos medicamentos, assim como os problemas que estas podem causar quando feita de forma incorreta, é um sério problema. Miranda et al., (2018) destacam “[...] o descarte inadequado é feito pela maioria das pessoas por falta de informação e divulgação sobre os danos causados pelos medicamentos ao meio ambiente e por carência de postos de coleta”. O presente trabalho teve como objetivo geral, gerenciar o descarte de medicamentos vencidos ou em desuso gerado pela comunidade da região da Cidade Operária, analisando sob o ponto de vista toxicológico os impactos ambientais decorrentes do descarte inadequado destes. Visando o bom desenvolvimento da pesquisa e sucesso no objetivo, foram adequadas a ela ações de mobilização e conscientização da população quanto a importância do descarte ambientalmente correto, dispondo de urnas coletoras instaladas em farmácias da região para facilitar o processo de descarte e, por fim, a segregação dos resíduos coletados e estudos sobre os possíveis danos que estes trazem à saúde coletiva e seus impactos no meio ambiente.
Material e métodos
Localizado a leste no município de São Luís do Maranhão, encontra-se o conjunto habitacional Cidade Operária. Este que mesmo com uma população de aproximadamente 39 mil habitantes e setorizado em seis “unidades”: a unidade 201, unidade 203, unidade 205, unidade 101, unidade 103 e unidade 105 (SILVA, 2016), ainda é considerado um bairro periférico do município. Silva (2016) relata que com o crescimento habitacional foi se desenvolvendo também um comércio vigoroso e o bairro se tornou um núcleo de prestação de serviços e comércio, com restaurantes, padarias, clínicas dentárias, farmácias, cursos profissionalizantes, franquias de lanchonetes, lojas de moveis, roupas, laboratórios de exames, grandes redes de supermercados etc. A região atualmente detém mais de 900 empresas registradas junto ao estado, sendo um dos bairros com maior número de empresas ativas do município. Assim, para melhor entendimento e desenvolvimento do presente trabalho, de início, foram realizadas pesquisas bibliográficas, estas que tem como objetivo trazer ao pesquisador informações já existentes sobre o assunto estudado, como filmagens, escritas e falas, para que fundamentado nelas, esse venha buscar conclusões inovadoras (MARKONI; LAKATOS, 2008). A partir dessas pesquisas em bases de dados, o trabalho embasou-se em entrevistas feitas com os funcionários e usuários dos serviços farmacêuticos da região, a fim de saber como estes fazem o descarte de medicamentos e conscientizá-los quanto à destinação final correta, dispondo de materiais de divulgação e urnas coletoras para realização dessas ações. Rosa e colaboradores (2020) definem materiais educativos como objetos que facilitam e apoiam o aprendizado, sendo não apenas um objeto que transmite a informação, mas que leva uma experiência de mudança de hábitos e enriquecimento do conhecimento. Ainda segundo esses autores, os materiais de divulgação podem ser impressos ou digitais, em versões com sons ou não, podendo ter formatos e estruturas variadas, como: cartilhas, folders, banners, panfletos, vídeos, jogos, história em quadrinhos, entre outros. Na fase final do estudo, após a fase de mobilização, entrevistas e coleta, os resíduos coletados foram segregados em laboratório, classificados quanto às classes farmacológicas pertencentes, sua toxicidade e possíveis danos ao meio ambiente e à saúde da população. Estes foram, também, quantificados e, por fim, cumprindo as etapas de logística reversa, que é compreendida por Campanher (2016) como uma ferramenta que contribui para o progresso econômico e social, pois engloba um conjunto de iniciativas, processos e recursos que têm como objetivo facilitar a recolha e a devolução de resíduos sólidos às empresas, para serem reutilizados no seu próprio ciclo produtivo ou em diferentes ciclos de produção, foram adequadamente destinados de maneira ambientalmente sustentável. Por fim, os dados do presente estudo,foram tratados no Excel e apresentados em forma clara, visando melhor entendimento.
Resultado e discussão
O processo de sensibilização e coleta dos
medicamentos em cinco das farmácias do
bairro Cidade Operária, foram feitas entre
o mês de março e dezembro de 2022. Foram
confeccionados caixas coletoras, materiais
educativos- folders e flyers- e feitas
visitas, como mostrado na figua 1.
A partir da etapa de mobilização, tornou-se
possível a aplicação dos três princípios
norteadores do gerenciamento no descarte de
medicamentos: orientação para diminuição do
uso descontrolado de remédios, a segregação
dos resíduos de suas respectivas embalagens
e a reciclagem da parte que não apresenta
risco ambiental.
Os produtos recolhidos mensalmente,
seguiram para as etapas de separação
(figura 2), condicionamento, transporte
interno e externo, armazenamento interno e
externo, tratamento e disposição final,
sendo essas as etapas que definem o
gerenciamento completo de resíduos químicos
(BALBINO; BALBINO, 2012). As substâncias
foram separadas em duas categorias: resíduo
comum reciclável (1,7 kg), incluindo bulas
e caixas vazias (n=360); e resíduo químico,
onde após separação das embalagens
primárias, teve-se 2,5 kg de substâncias
sólidas e 6,9 L em líquido.
As etapas de separação, contagem e descarte
foram feitas manualmente, e os resultados
obtidos foram relevantes para o estudo.
Ao todo, foram encontrados 35 classes, e a
quantificação se deu por classe
farmacológica, líquidos, comprimidos e/ou
pomadas, e informação quanto ao prazo de
validade.
Foram apresentados, para um total de 6.277
amostras recolhidas, 72,6% (n= 4.559) com
identificação e 27,4% (n=1718) sem. Desse
total de amostras, 98,1% (n = 6.160) eram
comprimidos e cápsulas, 1,6% (n=101)
líquidos (6,9 L) e 0,2% (n=16) pomadas,
cremes e/ou gel. Já quanto ao prazo de
validade, dentre as 4559 amostras com
identificação, 0,7% (n=33) ainda estavam em
prazo de validade, enquanto o restante,
99,7% (n=4526), com prazo expirado. Estes
últimos dados evidenciam que o descarte de
medicamentos é feito independente da
validade, pois mesmo os vencidos sendo
encontrados em maior quantidade, alguns
ainda estavam em prazo de uso. E isso pode
ser resultado do processo de automedicação,
em que os consumidores compram além da
conta e após o término do tratamento,
dispensam (TONET et al, 2020). Dados
semelhantes a outras pesquisas. Um
levantamento realizado na cidade de
Caçador-RS, os dados mostraram 90% dos
fármacos dispensados sendo vencidos e 10%
ainda estando em prazo de validade (TONET
et al, 2020).
Dentre as trinta e cinco classes
terapêuticas apresentadas, as dez mais
descartadas, foram: Anti-hipertensivos
(n=1630), Anti-inflamatórios não esteroidal
e relaxante muscular (n=351),
Antidiabéticos (n=270), Antimicrobiano
(n=265), Analgésicos não narcóticos e
antipiréticos (n=180), Antidiabéticos
(n=180), Hipoglicemiantes (n=150),
Hormônios tireoidiano (n=120)
Antiespasmódicos (n=102), juntamente com a
de Suplementos e vitaminas e a de
Fitoterápicos, que também foram bem
descartados.
Esses, assim como como os demais
recolhidos, são alerta de contaminação ao
meio ambiente e, também, de sérios danos à
saúde coletiva. Costa (2019) e Vieira
(2021), reiteram que o uso descontrolado de
medicamentos alinhados à falta de
conscientização quanto à dispensação
correta, apresenta risco ambiental,
trazendo danos ao solo, águas superficiais
e subterrâneas, e à saúde do homem.
Analgésicos, anti-inflamatórios, anti-
hipertensivos, diuréticos, antibióticos e
hormônios são bastante encontrados na
natureza, principalmente em meio aquático.
Miranda et al., (2018) ainda destacam que,
os danos causados à vida de espécies
aquáticas pela toxicidade do efluente de
esgoto, assim como o surgimento de
bactérias resistentes e de feminização de
peixes, são impactos que provêm da presença
de fármacos, causando alterações de todo
ecossistema.
Tais resíduos são considerados
contaminantes, devido suas moléculas serem
biologicamente ativas e grande parte possui
características lipofílicas, onde oferecem
baixa biodegradabilidade e apresentam uma
alta potencialidade para bioacumulação (DA
SILVA et al., 2022).
No desenvolver dos estudos, alguns fármacos
apresentaram expressivo volume de descarte,
saoeles: Besilapin 99,9g (n=555), Holmes
61,5g (n=150), Anador 51,3g (n=90), Butacid
30g (n=150), Atenolol 25g (n=150), Meflagin
50,4g (n=80), Ibuprofeno 98,2g (n=248),
Espironalactona 50,2g (n=193), Puran T4
24,6g (n=120) e outros, o que reforça a
instalação de diuréticos, anti-
hipertensivos, analgésicos, anti-
inflamatórios, anti-reumáticos,
antibióticos e hormônios em maior
concentração na natureza.
Os esteroides sintetizados, exemplo de
hormônios, têm pouca volatilidade e são
lipofílicos, hidrofóbicos, e acumulativo,
ajudando na dispersão no meio ambiente
(TORRES, 2009). O acúmulo destes nos
sedimentos marinhos, de rios ou no solo,
permite que possam ser transportados pelas
águas das chuvas ou do mar, ficando
disponíveis a outros animais através do
alimento e, futuramente, voltar ao ser
humano (TANNUS, 2017).
Tannus (2017) alerta sobre a classe dos
antibióticos, conhecida quanto às suas
interferências negativas no meio, pois
apresenta um forte potencial quando o
assunto é resistência bacteriana, sendo
considerada uma das maiores preocupações do
meio científico. Da Silva et al, (2022)
destacam que, além do risco de possibilitar
resistência a ele próprio, quando
absorvidos por plantas, interferem nos
processos fisiológicos e causam efeitos
ecotoxicológicos. Ademais, quanto ao
processo de infecção no homem, por contato
direto ou vetores, aumentam a mortalidade
dos hospedeiros devido à ineficácia no
tratamento de infecções.
Quanto aos danos à saúde humana, Da Silva
(2012) e De Paula Barbosa et al., (2020)
ressaltam os analgésicos e anti-
inflamatórios, sendo causadores de
disfunções no trato gastrointestinal,
hepáticas, renais, hematológicas; anti-
hipertensivos, causando reações
cardiovasculares, neurológicas e reações
respiratórias; antidepressivos, ocasionando
ansiedade, agitação e náuseas; e anti-
histamínicos causando cefaleia, tontura
etc.
Esses dados só reforçam a falta de
informação da população quanto a práticas
corretas de descarte, e sendo a informação
o ponto central do problema, as farmácias e
Unidades Básicas de Saúde (UBS) precisam
ser ambientes de informação e disseminação
de conhecimento quanto a essas práticas. Da
mesma forma, assumir o papel ativo na
logística reversa, é uma das
possibilidades para minorar danos.
Por fim, foi certificada a relevância do
gerenciamento desses resíduos, levando em
consideração e com resultados favoráveis a
isso, a minimização dos impactos negativos
à natureza e, os riscos à saúde coletiva.
Com essa ação, além da sensibilização, foi
possível impedir que aproximadamente 7
litros e 2, 5 kg de medicamentos fossem
dispostas na natureza, e que 6,7 kg de
resíduos comuns- caixas de papel,
embalagens plásticas, vidros, entre outros-
tivessem um fim sustentável, e não as ruas.
Ao fim da ação, os referidos resíduos foram
cuidadosamente tratados e encaminhados para
seus devidos fins.
Conclusões
Ao final deste estudo, conclui-se que a mobilização e\ou conscientização da população é o ápice do processo de gerenciamento do descarte de medicamentos, uma vez que ela envolve a população e leva às pessoas o conhecimento tão preciso quanto à conduta dessas substâncias. Na região da Cidade Operária, no município de São Luís – MA, durante o período trabalhado, observou-se que as práticas de descarte são aleatórias e o lixo comum, assim como vasos sanitários e pias, foram as destinações mais citadas. Dos medicamentos dispensados, os classificados como, anti-hipertensivos, anti- inflamatórios, antibióticos e analgésicos prevaleceram quanto à quantidade de amostras e concentração (mg\g), o que favorece a contaminação ambiental. Também, através dos dados obtidos na pesquisa foi possível evidenciar e comparar com outros estudos presentes na literatura, o quanto a prática do descarte incorreto traz danos ao meio social e ambiental, uma vez que poluentes altamente tóxicos e prejudiciais à suade coletiva são dispostos diariamente, como é o caso de alguns tipos de hormônios e antibióticos. Ademais, a conduta e manejo incorreto desses resíduos por parte dos usuários, tanto na forma de adquirir quanto na de descartar, foi bastante preocupante, e a partir delas foi possível analisar que junto aos resíduos vencidos também estavam medicamentos ainda em prazo de validade, o que pode ser resultado da cultura de automedicação e compra aleatória de remédios. Portanto, medidas que envolvam diretamente os gestores, funcionários e usuários se fazem cada vez mais necessárias, para que a partir delas a população se sinta, também, parte do processo e adote um hábito sistemático de dispensação. E para que essa prática seja bem-sucedida, se fazem necessários esforços políticos, econômicos e participação social
Agradecimentos
À minha orientadora, Profa. Dra. Raquel Trindade Fernandes, pela oportunidade e ajuda em tudo. Aos meus familiares e amigos, e à Universidade Estadual do Maranhão.
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